Acordo de não persecução cível: uma solução para os processos de improbidade administrativa?
* Fernando Drummond
A redação original da Lei de Improbidade
Administrativa, de 1992, vedava qualquer espécie de transação, acordo ou
conciliação nas Ações de Improbidade. Subjacente a esta vedação, estava a ideia
de que o interesse público seria indisponível e que nenhuma forma de solução
transacional poderia protegê-lo de forma adequada.
No entanto, os métodos consensuais foram
tomando forma e força em outras áreas do direito brasileiro, especialmente no
Processo Civil, mostrando seu enorme potencial para solução de conflitos. Aos
poucos, no próprio Direito Administrativo, foi sendo observado que soluções
transacionadas poderiam não só proteger o interesse público, mas também fazê-lo
de forma mais eficiente.
Assim, em 2019, com a Lei 13.964, foi
revogado o artigo que vedava a utilização dos métodos consensuais nas Ações de
Improbidade Administrativa, enunciando a possibilidade do Acordo de Não
Persecução Cível. Porém, o instituto permaneceu inoperável, pois todas as
disposições referentes ao procedimento para realização do acordo foram
vetadas.
A Lei 14.230/21 veio para suprir essa
falta, dispondo com maior detalhamento sobre o procedimento para realização do
Acordo de Não Persecução Cível. Essa inovação legislativa é de grande interesse
para todos os envolvidos em Ações de Improbidade Administrativa, inclusive
empresas, sócios, acionistas, diretores e colaboradores.
Como funciona o Acordo de Não Persecução
Cível
A principal vantagem do acordo é que uma
vez homologado e cumprido, fica encerrada a Ação de Improbidade Administrativa
e extinta a punibilidade do agente pelos atos de improbidade ali debatidos. A
depender do momento em que é entabulado, o acordo pode evitar medidas
constritivas de patrimônio e, em geral, implica resolução bem mais célere
quando comparado com o curso de uma Ação de Improbidade completa. O
acordo, no entanto, é limitado à Ação de Improbidade e não implicará
afastamento de eventual responsabilidade cível ou criminal decorrente dos fatos
debatidos na ação extinta.
A proposta pode ser oferecida pelo
Ministério Público tanto no curso da investigação quanto já durante a Ação de
Improbidade ou ainda no momento da execução de sentença condenatória (art.
17-B,§4º). Ao propor o acordo, o Ministério Público avaliará a personalidade do
agente, a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do ato, bem
como as vantagens de uma solução rápida do caso (art. 17-B, §2º). Dentre
as condições estão, obrigatoriamente, o integral ressarcimento do dano e a
reversão da vantagem indevidamente obtida (art. 17-B, I e II). O valor do dano
será apurado com base em exposição do Tribunal de Contas competente (Art. 17-B,
§3º). Outras condições também podem ser negociadas, como a adoção de mecanismos
de governança e boas práticas corporativas (art. 17-B, §6º).
Em caso de descumprimento, a lei
determina que o agente não poderá entabular novo acordo pelo prazo de 5 anos,
contados da data da ciência da violação (art. 17-B, §7º). É possível que, dos
termos propostos, decorra ainda alguma outra consequência do inadimplemento,
como a imposição de cláusula penal.
Quais são as dificuldades?
Apesar de representar um avanço na
normativa referente ao Acordo de Não Persecução Cível, as reformas promovidas
pela Lei 14.230/21 ainda não esclarecem pontos relevantes que podem influenciar
o grau de interesse dos agentes privados no acordo. Na ausência de previsão
legal que aponte melhor esses pontos, multiplicam-se as portarias e orientações
internas nos mais variados órgãos públicos, como o Ministério Público dos
estados e Federal, e ainda a Advocacia Geral dos estados e da União.
Essa diversidade de orientações não
promove a difusão do acordo, mas acaba reduzindo a previsibilidade e segurança
jurídica do pactuado. Pode-se inclusive levantar dúvidas sobre a competência
desses órgãos internos para regulamentar a matéria, como ocorreu no caso da
Resolução 181 do Conselho Nacional do Ministério Público sobre o equivalente
penal do acordo cível.
Ilustrativamente, um dos pontos que pode
concretamente influenciar o grau de interesse dos agentes privados na
realização do acordo é o requisito da confissão expressa. Não está previsto na
Lei de Improbidade Administrativa que o agente deve confessar a prática dos
atos de improbidade para acessar o Acordo de Não Persecução Cível. Mas é
possível condicionar o acordo à admissão da participação em atos de
improbidade? O questionamento surge na medida em que o equivalente penal ao
acordo cível exige, expressamente, a confissão do agente (art. 28-A, Código de
Processo Penal). A própria Advocacia Geral da União, na Portaria Normativa n.
18, de 16 de julho de 2021, indicou como um dos requisitos do acordo a
“admissão da participação nos atos ilícitos” (art. 5º, I). Porém, é no mínimo
controverso condicionar o acordo a um requisito que não foi expresso em lei e
que não tem correspondente em qualquer das sanções já elencadas na Lei de
Improbidade Administrativa.
Conclusão
A Lei 14.230/21 proporcionou um
considerável avanço na aplicação de soluções consensuais às Ações de
Improbidade Administrativa na medida em que dispôs, mais detalhadamente, sobre
o Acordo de Não Persecução Cível. O acordo é o mecanismo que encerra a Ação de
Improbidade mediante a fixação e cumprimento de algumas condições, dentre elas
a reparação integral do dano e a reversão da vantagem indevida, e pode afastar
a incidência das outras sanções previstas na lei.
Algumas dificuldades podem acabar
reduzindo o interesse na celebração do acordo. Uma delas é o fato de que,
apesar da inovação legislativa, ainda há pontos relevantes deixados em aberto,
como o dos requisitos para a realização do acordo. Para suprir a ausência
legislativa, proliferam-se orientações internas de órgãos como o Ministério
Público e a Advocacia Geral, o que pode prejudicar a previsibilidade dos
requisitos e segurança jurídica do pactuado.
O Acordo de Não Persecução Cível é um
instrumento de consensualidade promissor que seria consideravelmente
beneficiado por disposições legais ainda mais específicas. Porém, na ausência
dessas disposições, é preciso conduzir a negociação dos termos do Acordo de
forma a proporcionar vantagens reais aos agentes acusados de envolvimento em
atos de improbidade ao mesmo tempo em que se promove a utilidade pública do
acordo.
* Fernando Drummond,
Vice-presidente e Diretor de operações do escritório Marcelo Tostes Advogados
Sobre o escritório Marcelo Tostes Advogados: Escritório comprometido em fazer a interconexão entre a inovação, a tecnologia e o Direito. Com foco na advocacia empresarial e em negócios, busca especialização constante e conta com uma equipe multidisciplinar, formada por cerca de 500 colaboradores. Esse time atua para solucionar problemas dos clientes com agilidade e responsabilidade, de forma customizada por meio do uso dos mais recentes recursos tecnológicos, o que faz do escritório uma referência no mercado. Com mais de 20 anos de atuação em diversas áreas do Direito, Marcelo Tostes Advogados aposta na segmentação e personalização para a prestação de um serviço de excelência aos clientes dos mais diversos segmentos. Possui sede em São Paulo e unidades em mais 6 estados brasileiros (Distrito Federal, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo), além de contar com um setor de correspondentes que permite atuação nacional.
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