Desafios para o Brasil retomar o rumo
Samuel Hanan*
A tragédia brasileira está em cartaz há
décadas. O país patina no desenvolvimento e só vê aumentar as desigualdades
sociais, com a população cada vez mais pobre e desassistida dos serviços
públicos essenciais para lhe garantir uma vida digna: saúde, educação,
saneamento básico, habitação e segurança. Problemas que voltarão a ser tema em
2022, ano eleitoral, com os candidatos repetindo as promessas de sempre, cada
qual com suas propostas salvadoras.
A título de reflexão, podemos dividir em
três atos a tragédia que assola o Brasil. No primeiro ato temos a corrupção
como protagonista; no segundo, o custo do funcionalismo público e, no terceiro
ato, tomam a cena os gastos tributários da União. Eis os principais problemas
e, por mais paradoxal que possa parecer, também as soluções.
A recorrente justificativa dos gestores
públicos de que os recursos nunca são suficientes para o atendimento das
demandas não pode ser aceita como verdade absoluta. O enfrentamento das três
questões mencionadas poderia mudar esse quadro. A corrupção, por exemplo,
consome de 1,38% a 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, segundo
estudos da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp). Isso
corresponde a um rombo de R$ 110 bilhões a R$ 184 bilhões anuais nos cofres
públicos, considerando-se a estimativa do PIB 2021, de R$ 8 trilhões. A
gigantesca máquina do funcionalismo público brasileiro consome anualmente 13,4%
a 13,7% do PIB, bem mais que os 9,8% do PIB que os países da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) gastam, em média, com esse item.
Se este percentual fosse adotado como limite no Brasil, haveriam mais R$ 288
bilhões a R$ 312 bilhões disponíveis. Hoje, temos ainda de 3,62% a 3,84% do PIB
(R$ 290 bilhões a R$ 307 bilhões) comprometidos com os gastos tributários da
União. O total do desperdício corresponde de 8,6% até 10% do PIB, ou seja, de
R$ 688 bilhões a R$ 803 bilhões. Não é pouco!
Imaginemos, agora, reduzir cerca esses
desperdícios. Pode parecer utopia, mas é possível, como já demonstraram os
países desenvolvidos. Esse esforço resultaria em resultados financeiros
suficientes para alavancar a mudança de patamar que o Brasil precisa alcançar.
Hoje, o SUS consome de R$ 120 a R$ 130
bilhões por ano. Ampliar o sistema em 50% consumiria mais R$ 60 bilhões/ano, o
que também permitiria reforçar significativamente o Sistema Único de Saúde,
sobretudo para atender às áreas mais carentes do país.
Na educação, imaginemos se os 1,8 milhão
de professores do Ensino Fundamental e do Ensino Médio da rede pública tivessem
a remuneração majorada em 30%. O país teria professores mais estimulados e
preparados, com consequente salto no nível do sistema educacional. O mesmo se
aplica ao salário médio do professor da rede pública de Ensino Fundamental,
hoje em torno de R$ 3.000,00. Um programa de educação com orçamento reforçado
em R$ 44 bilhões/ano aumentaria esse salário para R$ 4.000,00 por mês e ainda
possibilitaria a implantação de escolas técnicas profissionalizantes nos moldes
das FATECs e ETECs, iniciativas bem-sucedidas no estado de São Paulo. E as
universidades públicas teriam aporte extra de recursos de, no mínimo, R$ 5
bilhões anuais.
Mais R$ 98 bilhões/ano viabilizariam um
programa habitacional com a construção de 700 mil casas por ano, ao custo
unitário de R$ 140 mil, moradias dignas, com energia elétrica garantida por
placas fotovoltaicas e destinadas às famílias mais carentes. Em nove anos o
déficit habitacional seria zerado. Imaginemos, ainda, uma ação social sem data
para acabar. Um programa com recursos de R$ 52 bilhões/ano seria suficiente
para atender a 10 milhões de famílias brasileiras mais carentes – uma população
entre 35 e 40 milhões de pessoas – com ajuda financeira de R$ 400,00 por mês e
uma parcela de 13.º salário. Seria, ademais, o fim da agonia de quem precisa e
não sabe se terá o benefício no ano seguinte.
A correta distribuição dos recursos
públicos, a partir da solução aqui discutida, permitiria, aliás, dobrar o
orçamento da Polícia Federal e aumentar a dotação das Forças Armadas. A
destinação de mais R$ 20 bilhões/ano para o programa de Segurança Pública
significaria investimento para melhorar a ocupação das imensas fronteiras
internacionais pelas forças de segurança e para aprimorar a fiscalização dos
portos e aeroportos. Tais medidas coibiriam, de forma mais efetiva, a entrada
de drogas, armas e munições em território nacional, combustíveis do tráfico, da
criminalidade e da violência que vitimam principalmente os mais jovens. Crimes
inibidos significam vidas poupadas e cadeias menos lotadas.
Ao custo de mais R$ 20 bilhões a R$ 50
bilhões/ano é possível mudar a realidade nacional, com priorização das Regiões
Norte e Nordeste e periferias das grandes cidades.
Com a disponibilização de mais R$ 10
bilhões anuais para saneamento seria possível ampliar o esgotamento sanitário
(coleta e tratamento) e o fornecimento de água tratada, com reflexos positivos
na saúde da população e redução da mortalidade infantil.
Necessário também falar em geração de
empregos e ocupação econômica. A maior obra social é o emprego, não apenas
porque garante renda, mas também porque assegura dignidade ao ser humano. Mais
de 10 milhões de empregos seriam gerados com a construção de milhares de
unidades habitacionais, obras de infraestrutura, construção de escolas
técnicas, ampliação do SUS. Tudo com impacto positivo na economia, dada a
elevação do consumo, aumento da demanda e elevação da produção industrial, em
um círculo virtuoso.
Se houver planejamento e forem reduzidos
um terço dos prejuízos com a corrupção, um terço dos excessos da máquina
pública e metade das renúncias fiscais concedidas de maneira ilegítima, o
Brasil terá o reforço de R$ 309 bilhões no Orçamento anual, tornando possível
todos os investimentos citados. Se o corte for um pouco maior, viabilizará
também grandes – e necessárias – obras de infraestrutura, como rodovias,
ferrovias, portos e aeroportos, mormente nas Regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste, marcando o início da correção das atrofias demográficas e das
desigualdades regionais.
Seria ou não suficiente para o país
retomar o caminho do desenvolvimento e se tornar muito melhor para os
brasileiros? É o desejo de todos, porém exige coragem. Caso esses problemas não
forem atacados, não teremos uma solução efetiva. Os discursos poderão ser
eloquentes, mas as medidas que ignorarem essa realidade serão cosméticas,
contribuindo para a degradação moral, manutenção de privilégios e perpetuação
das injustiças sociais.
*Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002).
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