Mais um massacre no campo não pode ficar impune!
No último
domingo, os corpos de JOSÉ GOMES, conhecido como Zé do Lago, de 61 anos, sua
esposa MARCIA NUNES LISBOA, 39 anos e de sua filha JOANE NUNES LISBOA, 17 anos,
foram encontrados na propriedade da família, na ilha da cachoeira do Mucura,
localizada às margens do rio Xingu, no município de São Félix do Xingu, Pará.
Os três foram assassinados a tiros. A Polícia Civil esteve no local e recolheu
18 cápsulas das armas utilizadas no crime. Pelo tipo de arma, pela quantidade
de tiros disparados, por não ter sido levado nenhum pertence da família, pela
forma como os assassinos surpreenderam as vítimas não permitindo que alguém
corresse e tentasse escapar, trata-se de uma execução, provavelmente, a mando
de alguém.
A família de
José Gomes já residia no local há mais de 20 anos, desenvolvia trabalhos de
preservação da floresta e mantinha um projeto de reprodução de tartarugas. Eram
conhecidos e reconhecidos pelo trabalho ambiental que faziam. A terra ocupada
por eles está em área de jurisdição do ITERPA e inserida na APA Triunfo do
Xingú, uma área de preservação com mais de 1,5 milhões de hectares. Nos últimos
anos o desmatamento para exploração de madeira e criação extensiva do gado, tem
avançado de forma descontrolada dentro da reserva, se aproximando cada vez mais
da região onde a família de Zé do Lago tinha sua propriedade. Até o momento, a
Polícia Civil do Pará, que investiga o caso, não apresentou qualquer resultado
que indique quem foram os executores e quais as causas que motivaram os crimes.
O município
de São Félix do Xingu é conhecido por conflitos fundiários graves resultantes
de ações de grilagens de terras públicas, desmatamento ilegal voltado à
atividade da pecuária extensiva, invasões de terras indígenas e áreas de
preservação, além da instalação de garimpos ilegais. Esses conflitos têm
resultado em assassinatos de lideranças, chacinas e trabalho escravo. Conforme
dados da CPT, nas últimas quatro décadas, 62 trabalhadores rurais e lideranças
foram assassinadas no município em conflitos pela posse da terra. Em nenhum dos
casos houve julgamento de algum responsável pelos crimes, portanto, a taxa de
impunidade é de 100%. Até o momento, não temos informações se o crime tem
motivação agrária, caberá à Polícia do Pará esclarecer as reais motivações da
chacina. Apenas no estado do Pará, nas últimas quatro décadas, a CPT já
registrou 29 massacres com 152 vítimas.
No mesmo
período, 75 lideranças foram assassinadas no sul e sudeste do Estado. Uma delas
foi o sindicalista Ronair José de Lima, assassinado no município de São Félix
do Xingu em 04/08/2016, cujos responsáveis pelo crime continuam impunes.
O que
preocupa os movimentos e entidades de direitos humanos são as limitações dos
órgãos de segurança pública do Estado em esclarecer as responsabilidades e
causas de muitos assassinatos ocorrido no campo paraense. Em maio de 2021, a
CPT e SDDH apresentaram à SEGUP, uma relação de 09 lideranças camponesas,
assassinadas entre 2017 e 2021 apenas nas regiões sul e sudeste do Estado em
que os crimes não tinham sido ainda esclarecidos e os responsáveis
identificados e punidos. O Secretário de Segurança Pública solicitou 15 dias
para dar uma resposta, mas, passados oito meses, nenhuma resposta foi dada.
Entre os casos relacionados está o de Fernando dos Santos Araújo, assassinado
em 26/01/2021, na fazenda Santa Lúcia, município de Pau D’Arco. Ele era um dos
sobreviventes e testemunha chave do massacre de Pau D’Arco, crime ocorrido em
24 de maio de 2017. Quase um ano depois do homicídio, o delegado que presidiu
as investigações concluiu o inquérito sem esclarecer as causas que motivaram o
crime.
No mesmo
documento, as entidades apresentaram também uma relação de 08 mandados de
prisão preventiva, decretados contra executores e mandantes de assassinatos no
campo, que se encontram foragidos. Nesse período, apenas um mandado foi
cumprido. Entre os foragidos estão: o fazendeiro Marlon Lopes Pidde, mandante
da chacina de 05 camponeses, crime ocorrido em 27/09/1985, no município de
Marabá (PA). Em Júri ocorrido em 08/05/2014, Marlon foi condenado a 130 anos de
prisão, mas nunca foi preso para cumprir a pena. Outro caso apresentado foi do
fazendeiro José Rodrigues Moreira, mandante do assassinado do casal de
extrativistas José Claudio e Maria, crime ocorrido em 24 de maio de 2011, no
município de Nova Ipixuna (PA). Condenado a 60 anos de prisão em julgamento
ocorrido em 06/12/2016, José Rodrigues nunca foi preso para cumprir a pena.
A preocupação
das entidades é que com o descaso da segurança pública do Estado em esclarecer
a autoria e motivação dos crimes e prender os responsáveis, esse possa ser mais
um caso em que as verdadeiras causas que motivaram os crimes não sejam
esclarecidas e os responsáveis permaneçam impunes.
Os representantes
das organizações que assinam essa Nota esperam que o caso seja rapidamente
esclarecido, devendo ser delimitada a dinâmica dos fatos referentes à chacina,
a motivação dos envolvidos, todos os responsáveis identificados, presos e
devidamente julgados pelo Poder Judiciário; que seja garantida a segurança e
proteção para familiares e testemunhas que possam ajudar com informações para
esclarecer os crimes.
Belém (PA), 13 de janeiro de 2022.
Comissão Pastoral da Terra – CPT Regional Pará
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos
Humanos – SDDH
ENTIDADES
E MOVIMENTOS QUE APOIAM:
1. Prelazia
do Alto Xingu-Tucumã
2. Comissão
de Direitos Humanos da OAB/PA
3. Movimento
Xingu Vivo para Sempre
4. Comitê
Dorothy
5. Instituto
José Claudio e Maria.
6. Movimento
de Mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo e Cidade
7. Comissão
Justiça e Paz da Arquidiocese de Santarém.
8. Coletivo
de Mulheres Negras Maria Maria
9. Comitê em
Defesa das Crianças Altamirenses
10. Conselho
Ribeirinho
11. GDA-
Grupo de Defesa da Amazônia
12.
Associação de Mulheres de Altamira e Região
13. SINTEPP.
Regional Transamazônica e Xingu
14. Centro de
Formação do Negro e Negra da Transamazônica e Xingu
15. Núcleos
guardiões do Médio Xingu.
16. Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental- FMCJS;
17. Instituto
Madeira Vivo-IMV;
18. Coletivo
Indígena Mura de Porto Velho-COINMU;
19. Comitê
Binacional de Defesa da Vida Amazônica na bacia do rio Madeira-COMVIDA;
20.
Associação das Comunidades Montanha e Mangabal
21. Projeto
Saúde e Alegria - Caetano Scannavino
22.
International Rivers
23. Coalizão
para a Proteção Permanente de Rios do Brasil
24. Instituto
Paulo Fonteles de Direitos Humanos
25. Centro de
Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA
26. Movimento
Nacional de Direitos Humanos – MNDH
27. Movimento
de Mulheres do Campo e da Cidade – MMCC
28.
International Accountability Project
29. Instituto
Maíra
30.
Associação Indígena do Povo Arara da Cachoeira Seca – KOWIT
31.
Associação de Mulheres do Areia II
32. Marcha
Mundial por Justiça Climática
33. Marcha
Mundial do Clima
34. Instituto
Transformance: Cultura& Educação
35. Rede
Brasileira de Arteducadores
36.
Universidade Comunitária dos Rios
37. Projeto
Rios de Encontro
38. Ecoa -
Ecologia a Ação
39. Coletivo Tela Firme
40. Sindicato
dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém
41. GT Infra
- Infraestrutura e Justiça Ambiental
42. Movimento
Tapajós Vivo
43. ECOE
Brasil
44. Sindicato
dos Trabalhadores e das Trabalhadoras em Educação Pública do Pará - SINTEPP -
SUBSEDE ALTAMIRA
45.
Coordenação Nacional de Lutas - CONLUTAS
46.
Articulação pela Convivência com Amazonia – ARCA
47. Rede
Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP
48. Rede
Pan-Amazônica – REPAM
49.
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - Instituto de Estudo do Xingu
50. Diocese
de Xingu – Altamira
51. Comitê REPAM Xingu
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