Novos médicos: o ontem, o hoje e o amanhã
*Dr. Julio Peclat
Quando me formei, há quase 30 anos,
todos os colegas médicos conseguiam vislumbrar em seu futuro algumas metas
comuns para a sua atuação profissional: consultório, convênios, concurso
público, ensino. Essas opções de carreira representavam os caminhos que tínhamos
à frente e que seriam capazes de nos garantir alguma segurança para atuação
profissional duradoura e relativamente bem remunerada. Alguns alertas
preocupantes, no entanto, já eram apontados pelos nossos mestres, como o
crescimento progressivo e predatório da participação de empresas privadas no
sistema de saúde, em um modelo semelhante ao que já era observado nos Estados
Unidos.
Nas três últimas décadas vimos as
dificuldades no relacionamento com as operadoras de planos de saúde se tornarem
cada vez mais difíceis. O fim da ciranda financeira, que os mais jovens sequer
conhecem, fez com que o ganho dessas empresas deixasse de estar vinculado às
aplicações de mercado, e se transferisse, de fato, para a operação. Juntou-se a
isso a criação de uma agência reguladora, focada basicamente nas relações entre
operadoras e clientes. Naquilo que o dito popular chama de “briga entre o mar e
o rochedo”, nós médicos, nos transformamos como “mariscos”, ou seja,
susceptíveis e fáceis de atacar diante do crescimento de custos e da pressão
por preços.
Paralelamente a isso, temos a questão da
tecnologia. A área da saúde é uma das que mais absorve seus avanços em todo
mundo. Felizmente! Os avanços nos levaram a outros patamares em compreensão
sobre a saúde, diagnóstico, prognóstico e tratamentos.
Mas ao contrário do que ocorre em outros
setores, o avanço tecnológico na saúde não representa redução de custos. Pelo
contrário: enquanto a tecnologia avança, avança também a necessidade de
profissionais médicos cada vez mais qualificados e atualizados com tudo isso, e
dispondo, muitas vezes, desses equipamentos e tecnologias em nossos
consultórios e clínicas.
Bem, basicamente aqui já temos um
problema bastante complexo: precisamos de médicos mais bem preparados,
atualizados constantemente e capazes de fazer, sempre que necessário,
investimentos em mais capacitação e tecnologia, enquanto são pressionados a
receber cada vez menos pelas operadoras de planos de saúde.
Para aumentar essa complexidade, temos a
questão da formação: infelizmente, uma grande parcela das faculdades de
Medicina, em número atual absolutamente excessivo no Brasil, ainda forma
médicos para o exercício profissional de 30 anos atrás, o que os deixam ainda
mais frágeis diante do mercado. Profissionais despreparados e em número
excessivo no mercado tornam seu trabalho muito mais barato para as operadoras.
Ouvimos com frequência que a
transformação social que nosso país tanto precisa passa pela escola, pelo
acesso de nossas crianças e jovens ao ensino de qualidade. Na formação dos
médicos, a lógica precisa ser a mesma: sem boa formação, os jovens
profissionais não conseguirão acompanhar, aproveitar e prover os benefícios
tecnológicos que já estão disponíveis hoje. Sem disciplinas básicas
consistentes e sem a incorporação de novas metodologias, como a
telepropedêutica, as novas gerações não terão como oferecer aos seus pacientes
todo o potencial da Telemedicina. Sem conhecer, em sua formação, os potenciais
da Inteligência Artificial, das nanotecnologias e das biotecnologias em sua
área de atuação, serão levados a acreditar e praticar soluções não
fundamentadas na medicina baseada em evidências, e não perceberão que tudo isso
deve e precisa estar a serviço do atendimento médico humanizado, que só um
profissional seguro e bem formado pode oferecer.
Tanto a minha geração, como as
anteriores e as que me sucederam, foram empurradas para um mercado feroz e não
receberam nenhum apoio em suas formações para que fossem estimuladas a
empreender. Alguns, por instinto ou busca solo por conhecimento, conseguiram
aliar a prática médica à condução de seus consultórios e clínicas, mas isso,
infelizmente, figura como exceção.
Se queremos, de fato, nos destacarmos em
termos de saúde, precisamos entender e agir. É urgente repensar a formação dos
nossos jovens. Eles precisam sair das escolas médicas mais preparados nos
fundamentos da prática médica e mais habituados ao uso das novas tecnologias
que batem às nossas portas!
A necessidade da incorporação das
evoluções científicas e tecnológicas ficou evidente no processo de
enfrentamento na atual pandemia, principalmente nos processos de busca de
respostas rápidas (tanto diagnósticas quanto terapêuticas) para as novas
demandas que se impuseram de forma repentina e inesperada.
Resta saber se aprendemos a lição.
Dr.
Julio Peclat
Presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular - SBACV
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