Vamos falar sobre assédio moral virtual?
Dra.
Patricia Punder, Punder Advogados e Dra. Marcela Argollo
Que o
assédio moral não é algo novo nas organizações nós já sabemos, porém com a
pandemia e o advento do uso excessivo de tecnologia e ferramentas/aplicativos
de comunicação remota, o assédio moral virtual se tornou uma triste realidade
no mundo.
A Era industrial trouxe consigo a mecanização dos seres humanos. Os maus tratos
e humilhações existem desde o início das relações trabalhistas, porém, nas
últimas décadas ganhou um novo formato, em função do novo modelo organizacional
que acaba por induzindo uma pressão sobre os colaboradores diante do
atingimento de objetivos estratégicos e metas robustas traçadas pela empresa e
apenas comunicadas aos seus colaboradores. Com a revolução tecnológica, o ser
humano recebeu um “upgrade” de um ser mecânico para um algoritmo.
A pandemia nos trouxe a fórceps o uso de ferramentas de comunicação como Zoom,
Teams e Whatsapp e com isso veio uma obrigatoriedade implícita de se estar
“on-line all-time” afinal, “time is Money”. Com a rapidez de mudança das
informações a divisão entre itens importantes e urgentes se ruiu, fazendo com
que todas as tarefas migrassem para urgência e o tempo dos colaboradores 100%
disponíveis para a empresa. Além das situações constrangedoras de empresas
implementando softwares de monitoramento de produtividade, que podem medir,
inclusive, quantos segundos o colaborador fica sem teclar em seu notebook.
Seria uma espécie de “Big Brother” corporativo? Afinal, ainda existe a
mentalidade que “o olho do dono e que engorda a boiada”?
Diante do novo formato de relação de trabalho flexibilizada com a implementação
de home office e o direcionamento ao cumprimento de metas robustas, o
colaborador passou a ficar mais exposto, sendo muitas vezes conduzido a
situações de muita pressão e medo de perder o emprego. Tudo isso afeta a saúde
física e mental, dignidade e define uma situação de total falta de respeito ao
ser humano, que é um dos direitos fundamentais existentes.
Temos exemplos recentes na mídia, como o caso do CEO Better, Vishal Garg, que
tomou a decisão de realizar a demissão de mais de 900 colaboradores via
plataforma ZOOM. A frase dita por ele “viralizou” na mídia muito rapidamente:
Se você está nesta ligação, você faz parte do grupo sem sorte que está sendo
despedido”, disse Garg na ligação. “Seu emprego aqui é rescindido com efeito
imediato.”
Tal atitude demonstra total senso de falta de “humanidade” e respeito, que são
dois princípios fundamentais em qualquer pessoa que se autodenomina um “líder”.
Já em relação aos demitidos, não somente o formato da demissão foi totalmente
errôneo, como foram expostos a uma situação, no mínimo, vexatória.
De acordo com o levantamento realizado pelo IPRC (Instituto de Pesquisa do
Risco Comportamental), mais da metade dos profissionais toleram assédio moral
no ambiente de trabalho. Essa pesquisa tenta captar a visão das pessoas frente
aos conflitos e dilemas éticos organizacionais, bem como o grau de resiliência
(soft skill importante para o mundo VUCA) dos profissionais a esses dilemas
éticos.
Ao longo das últimas décadas e a busca havida por lucratividade rápida e a todo
custo, se perdeu o que o ser humano tem de maior essência, sua relação com os
demais seres humanos. Perdemos a prática de nos relacionarmos, perdemos valores
básicos como respeito, cautela e principalmente a ética. Estamos vivendo em uma
época a qual fomenta-se a diversidade, porém não podemos confundir diversidade
com permissividade. Para explorarmos o termo diversidade, inclusão e equidade,
pilares básicos do S do ESG, precisamos primeiro nos humanizar ao ponto de
termos empatia e compaixão com todas as pessoas as quais nos relacionamos. Mas
ter compaixão ou empatia não é algo tão simples. A alta liderança deverá mudar
rapidamente o formato de gestão de pessoas e da estratégia dos negócios
utilizando a empatia como um dos pilares nas tomadas de decisões. Contudo,
temos o grande ponto de interrogação que seria o nível de maturidade das
lideranças. Ainda existem muitos “chefes” e poucos “líderes” no mundo dos
negócios.
Para conseguirmos atingir esse grau de maturidade é preciso focar não só na
conscientização de todos, mas também no desenvolvimento da liderança através do
Compliance Humanizado e educação corporativa contínua. A mudança de mindset
deve ocorrer o mais rápido possível, sob pena das empresas sofrerem os impactos
de crises reputacionais.
Sendo assim, as empresas precisam entender as mudanças geradas pela pandemia em
seus colaboradores, quais são suas ambições e formas de viver, e responder ao
potencial impacto em seus negócios. Os empregadores enfrentam agora uma
liderança importante desafio. Eles precisam equilibrar a flexibilidade oferecem
a pessoas com necessidades equipe e trabalhar para o bem maior de organização
para que a criatividade, diversidade e construção de confiança pode prosperar.
Patricia Punder, advogada é compliance officer com experiência internacional.
Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and
Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em
2019 e Compliance – além do Manual 2020.
Com sólida experiência no Brasil e na América Latina, Patricia tem expertise na
implementação de Programas de Governança e Compliance, LGPD, ESG, treinamentos;
análise estratégica de avaliação e gestão de riscos, gestão na condução de
crises de reputação corporativa e investigações envolvendo o DOJ (Department of
Justice), SEC (Securities and Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil).
Marcela
Argollo, profissional com vasta experiência em organizações de grande porte
como Odebrecht, Ernst & Young e Motorola, que vivenciou projetos
corporativos nas áreas de governança, planejamento, auditoria e Compliance.
Head do programa de Compliance na Leo Learning, professora de Compliance e
Liderança na FGV, coordenadora do EAD da Brain School, professora convidada de
Compliance do INSPER e CEDIN, consultora e palestrante.
Formação em Administração de empresas e Ciências Contábeis. MBA Finanças pela
FGV, Pós em Compliance pela USP e ESG pelo CFI (Corporate Finance Institute).
Membro do CWC.
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