Exceções às regras em concursos públicos
Por Dra. Silvia Arenales Varjão Tiezzi
Dra. Silvia Arenales Varjão Tiezzi
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Todo concurseiro já ouviu que o
edital é a “lei do concurso”, e todo advogado que atua nessa área sabe das
dificuldades de comprovar violações constitucionais e infraconstitucionais
quando o assunto é a defesa de clientes que se sentiram injustiçados nesse tipo
de concorrência.
É possível somar ao sentimento
de injustiça todo o tempo dedicado aos estudos, que muitas vezes representam
anos da vida de quem busca a estabilidade da carreira pública.
Em regra geral, o que se
observa é que o Poder Judiciário evita entrar na esfera de competência da
Administração Pública, incluindo de ser fiscal dos atos da empresa contratada
para realização do concurso.
Nesse sentido, inclusive, já foi
fixada tese pelo STF quando do julgamento do RE 632.853, no seguinte sentido: “Não compete ao Poder Judiciário
substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os
critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de
inconstitucionalidade.” Tema 485 da Repercussão Geral).
Seguindo essa linha de
entendimento, quando do julgamento do RE 630.733 RG, Tema 335 da Repercussão
Geral, foi analisada a possibilidade de “remarcação
do teste de aptidão física”, concluindo-se pela inexistência de
direito à remarcação (ou a segunda chamada), exceto se houver previsão
específica nesse sentido no edital.
Nesse julgamento foi fixada a
seguinte Tese:
“Inexiste direito dos
candidatos em concurso público à prova de segunda chamada nos testes de aptidão
física, salvo contrária disposição editalícia, em razão de circunstâncias
pessoais, ainda que de caráter fisiológico ou de força maior, mantida a
validade das provas de segunda chamada realizadas até 15/5/2013, em nome da
segurança jurídica.” (RE 630.733 RG, Relator(a): Gilmar Mendes)
Oportuno ressalvar, que mesmo
havendo decisão com Repercussão Geral contrária a remarcação de testes de
aptidão física, o precedente foi afastado quando do julgamento do RE 1.058.333,
Tema 973 da Repercussão Geral, no qual foi analisado o pedido de uma candidata
que estava grávida na época da realização do teste de aptidão física e que, por
esse motivo, teve reconhecido o direito à remarcação. Neste julgamento
foi fixada a seguinte tese:
“É constitucional a
remarcação do teste de aptidão física de candidata aprovada nas provas escritas
que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão
expressa em edital do concurso público”. (RE 1058333, Relator(a): Luiz Fux)
Recentemente o STF realizou 02
(dois) importantes julgamentos que também tiveram como enfoque os concursos
públicos, mas dessa vez sob o viés da liberdade de religião e das garantias a
ela atreladas.
No ARE 1.099.099 RG, tema 1.021
da Repercussão Geral, foi analisada a situação de uma professora exonerada por
ter cometido 90 (noventa) faltas injustificadas durante o período de estágio
probatório, em razão de suas convicções religiosas.
Já no RE 611.874-DF, tema 386
da Repercussão Geral, o objeto de análise foi a possibilidade de realização de
etapa de concurso público em horário e local diferente daqueles determinados
pela comissão organizadora, em razão de crença religiosa.
Referidos julgamentos
analisaram profundamente as disposições do artigo 5º, VI, VII e VIII da
Constituição Federal e que tratam da laicidade do Estado, ou Estado Laico e da
Liberdade Religiosa.
Ao final dos julgamentos, foram
aprovadas as seguintes teses:
“Nos termos do art. 5º,
VIII, da CRFB, é possível a Administração Pública, inclusive em estágio
probatório, estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos
deveres funcionais inerentes aos cargos públicos, em face de servidores que
invocam escusa de consciência por motivos de crença religiosa, desde que
presente a razoabilidade da alteração, não se caracterize o desvirtuamento no
exercício de suas funções e não acarrete ônus desproporcional à Administração
Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada". (ARE 1099099,
Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2020, PROCESSO
ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-068 DIVULG 09-04-2021 PUBLIC 12-04-2021)
E, ainda:
“Nos termos do art. 5º,
VIII, da CF, é possível a realização de etapas de concurso público em datas e
horários distintos dos previstos em edital por candidato que invoca a escusa de
consciência por motivo de crença religiosa, desde que presente a razoabilidade
da alteração, a preservação da igualdade entre todos os candidatos e que não
acarrete ônus desproporcional à Administração pública, que deverá decidir de
maneira fundamentada." (RE 611874, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Relator(a) p/
Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2020, PROCESSO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-068 DIVULG 09-04-2021 PUBLIC 12-04-2021)
Com isso, e desde que observados os requisitos fixados nas Teses de Repercussão Geral, os candidatos e recém-empossados em concursos públicos podem ficar mais tranquilos tanto ao se inscrevem para realizá-los, quanto no exercício de suas atividades profissionais, pois desde que exista razoabilidade na pretensão e o pedido não implique em ônus desproporcional, a necessidade de alteração de datas e critérios alternativos em razão de gravidez ou por motivos religiosos poderá ser negociada com mais tranquilidade diretamente com a Administração Pública e/ou levada ao Poder Judiciário em caso de negativas sem lógica.
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