O desenvolvimento perdido
João Carlos Marchesan*
O Brasil, durante os cinquenta anos que
vão desde os anos 30, até os anos oitenta do século passado, cresceu a taxas
chinesas, tanto que passou a ser conhecido como o “país do futuro”. As novas
gerações tinham uma razoável certeza de que suas vidas seriam melhores do que a
de seus pais e que seus filhos teriam oportunidades melhores do que eles
próprios.
Havia pleno emprego, o que aumentava a
mobilidade social e, apesar de problemas históricos de bolsões de pobreza e
analfabetismo, o otimismo prevalecia. Os governantes, via de regra, defendiam
um projeto de desenvolvimento e, neste sentido, conseguiam galvanizar os
brasileiros que tinham muito orgulho de seu país.
Foram os anos em que a industrialização
e o crescimento do Brasil andaram de mãos dadas, alimentando um ao outro,
permitindo a geração de empregos de melhor qualidade e a formalização crescente
do trabalho. Foi este o ambiente que permitiu, ao Juscelino, prometer avançar
cinquenta anos em cinco, fazer Brasília, e consolidar a indústria brasileira.
No fim deste ciclo, o Brasil tinha se
tornado uma potência industrial. Exportávamos crescentemente manufaturados, e
nossa indústria de bens de capital fornecia “portainers” a portos americanos,
linhas de prensagem às maiores montadoras de Detroit, equipamento bélico aos
árabes, e até as maiores turbinas hidráulicas, do mundo, aos chineses.
A partir dos anos 80, crises externas
como a do petróleo e a forte subida dos juros americanos, somados a uma
inflação interna crescente, causaram mudanças políticas e econômicas no país.
No campo político, as mudanças levaram ao fim da ditadura e, na economia, a
dívida externa e a inflação substituíram o desenvolvimento como prioridade.
A visão estratégica de um projeto de
Nação, foi trocada pela administração de problemas conjunturais e, acompanhando
o mainstream do pensamento econômico da ocasião, a partir dos anos 90, o Estado
abandonou, progressivamente, o papel de coordenador e planejador do
crescimento, até extinguir o próprio Ministério do Planejamento, no atual
governo.
O neoliberalismo, pensamento dominante
nos países centrais, nos últimos quarenta anos, chegou ao Brasil nos anos 90, e
contribuiu na substituição do Estado, como indutor do crescimento econômico,
pelo mercado. Passamos a acreditar que bastaria fazer as reformas, sempre
cobradas pelo mesmo mercado, para o país, automaticamente, passar a crescer de
forma sustentada.
Esta visão, que perdura até hoje,
desconhece que na história econômica das Nações não há registro de países que
tenham ficado ricos espontaneamente, ou que viraram desenvolvidos por obra da
natureza, ou por acaso. Ao contrário, a história mostra que o desenvolvimento é
uma construção planejada e desejada, que deve contar com o apoio da sociedade e
do Estado.
O êxito, relativamente recente, de
diversos países da Asia oriental, como Japão, Coreia, Taiwan ou China que,
destroçados por guerras ou revoluções, conseguiram, em poucas décadas, passar
de países subdesenvolvidos a países ricos ou de renda média, apenas confirma
que o desenvolvimento pode ser alcançado, quando for um objetivo comum à sociedade
e ao Estado.
O êxito da China, ao se
transformar, no arco de 40 anos, de uma economia agrícola e atrasada numa
potência global, passou a ameaçar a hegemonia tecnológica e econômica dos
países ocidentais, principalmente dos Estados Unidos, obrigando-os a rever suas
estratégias de crescimento, e reabilitar o papel do Estado como indutor da
economia.
Por sua vez, a recente pandemia causada
pelo coronavírus, deixou claro que o mercado não é suficiente para enfrentar
crises mais sérias e que a excessiva dependência de cadeias de produção globais
aumentava significativamente a vulnerabilidade da maioria dos países,
levando-os a reavaliar a importância de contar com nível maior de produção
doméstica.
A conjunção destes fatores levou os
países centrais a rever sua opção pelo neoliberalismo, preponderante nas
últimas décadas. Mesmo sem abandonar o mercado, nem sempre muito livre, boa
parte dos países ricos passou a valorizar o papel do Estado como indutor e
coordenador do crescimento econômico passando a adotar políticas públicas
claramente desenvolvimentistas.
A Alemanha, reconhecidamente a mais
ortodoxa das economias europeias, ainda em 2019, chocou os liberais ao anunciar
sua “Estratégia Industrial Nacional 2030”, uma política industrial
intervencionista, com o objetivo explícito de garantir a competitividade de sua
indústria, responsável, segundo o documento do governo, pelo bem estar da
sociedade alemã.
A eleição do Biden, em 2020, levou os
EUA a trilhar o mesmo caminho, adotando seu plano de modernização produtiva,
para, além de tentar manter sua superioridade tecnológica em relação à China,
recuperar uma razoável autossuficiência produtiva para reduzir a dependência de
importações. Foram seguidos por muitos países, como os franceses, com plano
“França 2030”.
Estas mudanças recentes nas políticas
econômicas de muitos países desenvolvidos, tem algumas características comuns.
Todas elas recuperam o papel do Estado como planejador, indutor e coordenador
de um modelo de desenvolvimento cujas atribuições tinham sido repassadas ao
“livre mercado”, nos últimos 40 anos.
Enterram, de certo modo, a falsa
dicotomia entre Estado e Mercado, como agente do crescimento e, ao reconhecer
virtudes e defeitos de ambos, evidenciam a necessidade de ambos os atores
trabalharem, sinergicamente, em prol de um projeto de desenvolvimento nacional
com foco na prosperidade comum e no bem estar da sociedade.
Voltando ao Brasil, a partir dos anos 80
do século passado, desaprendemos a crescer, e esquecemos que o fim último de
Estado é o bem estar de seus cidadãos. Passamos a priorizar o ajuste fiscal e
as intermináveis reformas, mantendo, durante trinta anos, uma política
macroeconômica hostil ao investimento produtivo, que resultou na
desindustrialização do país.
Coincidência ou não, a progressiva perda
de participação da indústria de transformação no PIB, a partir dos anos 80
convive com quatro décadas em que o Brasil cresceu muito pouco, bem menos do
que a média mundial, e muito menos do que seus pares, deixando, na prática, a
condição de país emergente para se transformar, simplesmente, em submergente.
O país aderiu tardiamente, e de forma um
tanto envergonhada, ao neoliberalismo, e também está atrasado nas mudanças
macroeconômicas que os países desenvolvidos, estão promovendo, conforme vimos
acima. Continuamos sem rumo, insistindo nas “reformas” e no ajuste fiscal
esquecendo que tais temas, apesar de importantes, não são, absolutamente, a
prioridade do país.
Nas últimas décadas o Brasil empobreceu,
em termos relativos, e o mais preocupante, é que, nos últimos anos, está
piorando ainda mais. A receita econômica utilizada, a partir dos anos 80
claramente não funcionou e, portanto, deveríamos estar aprendendo com os erros
passados e com os exemplos dos países que estão dando certo, e não dobrando a
aposta como sugerem o mercado e nosso pensamento econômico dominante.
A sociedade brasileira tem que
questionar a falta de rumo do país, e voltar a se perguntar que país queremos,
e como podemos garantir um futuro melhor para as novas gerações. Ela deve
cobrar de nossos dirigentes um projeto para o país, que recupere o
desenvolvimento econômico e cujos benefícios sejam apropriados pela grande
maioria de nossa população.
Ou seja, o objetivo deve ser o
crescimento sustentado, ao longo do tempo, a taxas iguais ou maiores do que a
média mundial, com redistribuição de renda e nivelamento no acesso às
oportunidades por parte de todos os brasileiros. Acreditamos que a geração de
empregos, especialmente de empregos de qualidade seja essencial para alcançar estes
objetivos.
Para tanto, é indispensável recuperar
tanto a capacidade de planejamento do Estado, quanto sua capacidade de retomar
os investimentos públicos em infraestrutura, inclusive como indutores do
investimento privado, além dos investimentos em educação de qualidade, e em
ciência, tecnologia e inovação. Transparência e governança deverão nortear
estes investimentos.
Como já dissemos a história recente
confirma que o desenvolvimento anda, e continua andando, de mãos dadas com uma
indústria competitiva, diversificada e sofisticada. Portanto, será
indispensável promover um novo ciclo de industrialização, como instrumento de
uma política pública de desenvolvimento, tendo a economia verde e a
digitalização como pano de fundo.
Parafraseando Clemenceau podemos dizer
que o desenvolvimento é um assunto demasiado sério para ser deixado
exclusivamente aos economistas. Precisamos restabelecer a primazia da política
sobre a economia, em lugar do mercado que nos levou à excessiva financeirização
da economia, e recuperar o bem estar da sociedade como objetivo último do
Estado.
*João Carlos Marchesan é administrador de empresas, empresário e presidente da ABIMAQ – Associação Brasileira da Indústria de Máquinas
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