A representação comercial está em extinção – e a culpa é da lei tacanha e antiquada, que engessa essa relação
Por Thaís Kurita*
Thaís Kurita
A lei 4.886, de 1965,
regulamenta a relação de representação comercial no Brasil. A ela, somaram-se
alterações realizadas em 1992 (pela lei 8.420).
Há quase 57 anos,
quando a lei foi criada, a atividade de representante comercial surgiu da
necessidade de as empresas desbravarem mercados distantes de suas áreas de
atuação. A dificuldade de comunicação, a ausência de tecnologias que
aproximavam as pessoas, a carência de malha rodoviária e a logística precária
eram fatores de peso no avanço das companhias pelo Brasil. Então, a lei surgiu
de uma aparente necessidade de se proteger uma classe trabalhadora que
acreditava que seria explorada indevidamente na relação vigente, afinal, após
conquistarem mercados inacessíveis e fidelizarem clientes, muitos desses
profissionais eram excluídos do quadro de representantes sem qualquer
explicação ou indenização.
Por ser regida por lei
própria, a representação comercial não se constitui de uma relação de emprego –
essa regulamentada pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) – mas, sim, de
uma relação de trabalho. Assim, pessoas físicas ou jurídicas podem desenvolver
a atividade de representação comercial para uma ou mais empresas, em caráter
exclusivo, semi-exclusivo ou não-exclusivo, conforme contratos entre as partes.
O que ocorre é que a
lei é antiga, antiquada e engessada. Ao tentar proteger o representante
comercial, a lei criou um efeito perverso para a categoria profissional, que a
está levando, ano a ano, à extinção. Explico melhor.
Diz o artigo 27 da lei
4.886, de 1965:
Art. 27. Do contrato de
representação comercial, além dos elementos comuns e outros a juízo dos
interessados, constarão obrigatoriamente: (Redação dada pela Lei nº
8.420, de 8.5.1992)
- j) indenização devida ao
representante pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35,
cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da
retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação.
(Redação dada pela Lei nº 8.420, de 8.5.1992)
O artigo 27 da lei
dispõe sobre o contrato de representação comercial, de forma bem detalhada. E
é, justamente por conter muitos detalhes, que engessa a relação entre o
contratante e o contratado.
Ao determinar, como no
inciso J, que exista uma indenização pesada na rescisão contratual, a lei cria
situações que vão de delicadas a praticamente sem solução nesta relação
comercial. Existem empresas que, por exemplo, por não conseguirem pagar
indenizações a representantes comerciais que já não desempenham qualquer papel
benéfico em suas operações, simplesmente os mantêm no quadro de representação,
porque os desvincular significaria levar a empresa à falência. E a relação já
dura 30, 40 anos sem que haja qualquer satisfação comercial entre as partes.
E o que
fazer, já que a lei não tem previsão de ser revisada?
Existem duas
alternativas viáveis para empresas que precisam de canais de
representação/varejo/distribuição.
Quando a empresa ainda
não implantou a representação comercial, ela pode estudar os canais alternativos
a este modelo, que sigam outra legislação. É o caso de franquias ou
licenciamento. Se ela dispuser de know-how para transferir – por meio de
treinamentos, consultoria de campo e outros elementos que são característicos
desse canal –, então essa é uma excelente opção, porque a expansão se faz, além
de tudo, com capital de terceiros. Porém, é necessário que se crie uma
estrutura de empresa franqueadora, seguindo-se a lei 13.966/19. Se, entretanto,
não houver a necessidade de transferência de know-how, sendo uma concessão de
marca e distribuição de produtos, é possível optar-se pelo licenciamento, que
segue a lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial).
Quando a empresa já
possui representantes comerciais e está insatisfeita com esse modelo, ela precisa
agir estrategicamente, por meio da análise de dados. Aqui, entra a ‘business
inteligence’ a favor do negócio. O cruzamento de dados de desempenho do
representante, sua atuação e outros fatores podem ser preponderantes para
reduzir área de atuação, por exemplo.
Para que seja mais
simples de entender, imaginemos uma representação comercial que atue em um
estado inteiro. Por meio da análise de dados, percebe-se que as vendas estão
concentradas apenas na capital, há um bom tempo, sendo que o restante do estado
não está sendo explorado pelo parceiro. Então, ele pode ter seu contrato
reduzido e a empresa pode implantar franquias ou licenciados nas regiões em que
o representante não atua. Assim, certamente, haverá uma expansão maior da
empresa.
Da mesma forma, o
representante pode ser incentivado a se tornar franqueado ou licenciado.
Mostrando-se os benefícios dessa nova parceria a ele – e se também for benéfico
para a relação – pode acontecer um entendimento entre as partes e ambos saírem
ganhando com a nova possibilidade de ganhos mútuos.
É importante, claro,
que se haja dentro da legalidade, tendo ambas as partes asseguradas por
contratos bem delimitados e que não firam a legislação vigente. E, antes da
tomada de qualquer decisão, é importante que especialistas em canais de
distribuição sejam consultados, porque cada negócio precisa ser avaliado
individualmente.
*Thaís Kurita é
advogada especializada em Franchising e Varejo.
Sobre o
escritório Novoa Prado Advogados – Especialistas em Franchising
O escritório Novoa
Prado Advogados está no mercado há 32 anos, prestando serviços de Direito
Empresarial, especificamente em Varejo e Franchising. Atua nas áreas de
Franquia (com expertise em relacionamento de redes e contencioso); Direito
Empresarial, Imobiliário e Societário; Tributário e Contencioso Cível;
Contratos, Compliance e Varejo e Propriedade Intelectual.
Foi fundado por Melitha Novoa Prado, e tem como sócia a advogada Thaís Kurita. Juntas, elas coordenam uma equipe dinâmica, comprometida e capacitada para oferecer aos clientes as melhores soluções jurídicas para seus negócios.
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