É preciso refundar o país para dar dignidade aos brasileiros
**Samuel Hanan
Viver é melhor que sonhar, cantava Elis
Regina, a grande intérprete da MPB. Há verdades na bela composição de Belchior,
porém é possível sonhar com uma vida melhor, o que o povo brasileiro merece.
Qual o habitante deste país que não
gostaria de ter saúde pública mais digna, com a expansão das unidades do SUS,
melhor remuneração dos médicos e demais profissionais da área, menos filas,
atendimento humanizado?
Quem, entre os 213 milhões de
brasileiros não ficaria feliz com educação de qualidade, professores com
remuneração justa, unidades escolares modernas e confortáveis, sem falta de
vagas nas creches, nas pré-escolas e no ensino fundamental, e acesso amplo ao
ensino público superior?
É possível imaginar algum descontente se
o déficit habitacional de 6 milhões de casas fosse zerado em poucos anos, com a
construção de moradias dignas, construídas em locais adequados, servidas por
transporte público, redes de água e esgoto, rede wi-fi e energia fotovoltaica
(que representaria economia de 10% do valor do salário-mínimo), e subsidiadas
em 90% de seu custo?
Qual cidadão não comemoraria o aumento
significativo na segurança pública a garantir-lhe tranquilidade quanto ao seu
patrimônio e à sua vida e de sua família, por meio de maior controle das
fronteiras, da malha fluvial, dos portos e aeroportos (homologados e
clandestinos), portas de entrada de armas, munições e drogas?
Quem daqueles que gastam metade de sua
jornada de trabalho no transporte coletivo lotado, saindo de casa de madrugada
e voltando somente no meio da noite, mal conseguindo ver os filhos acordados,
não ficaria feliz com transporte público mais veloz e confortável?
Quais pessoas não gostariam que a cidade
onde vivem fosse dotada de 100% de rede de água, coleta e tratamento de esgoto,
iluminação pública, coleta de lixo, conservação permanente e equipamentos de
esportes e lazer?
Transformar a realidade atual é uma
utopia? Faltam recursos para implementação desses benefícios, como costumam
alegar os governantes para justificar sua inação? A resposta, nos dois casos, é
não. Para expandir em 50% a rede de saúde e aumentar a remuneração dos
profissionais da área em 30%, seriam necessários de R$ 60 a R$ 70 bilhões por
ano.
Transformar a educação e valorizar os
professores custaria de R$ 50 a R$ 60 bilhões anualmente. Construir 600 mil
unidades habitacionais por ano exigiria recursos anuais de R$ 90 a R$ 100
bilhões. Com investimento de mais R$ 30 a R$ 50 bilhões por ano, seria possível
reforçar a segurança pública em nível jamais visto. Outros R$ 20 a R$ 25
bilhões seriam suficientes para dotar as cidades brasileiras da infraestrutura
urbana necessária para garantir vida digna à população. A mesma quantia alocada
ao transporte público restauraria a dignidade dos que dependem dele para se
locomover.
A alocação desses recursos plurianuais
somaria, então, cerca de R$ 270 bilhões, ou R$ 330 bilhões se pensarmos em
investimentos mais generosos. Nominalmente gigante, essa soma representa apenas
de 3,40% a 4,10% do Produto Interno Bruto (PIB) anual do Brasil. Se o País
conseguir reduzir pela metade a corrupção que consome de 1,30% a 2,35% do PIB
anual, alcançará a economia de 0,70% a 1,17% do PIB todo ano. O gigantismo da
máquina pública consome hoje cerca de 13,4% a 13,7% do PIB do país, valor este
que supera em muito os 9,60% da média desse tipo de despesa dos 37 países que
integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
uma simples redução de apenas 50% deste excesso de 3,80% a 4,00% representaria
uma economia de 1,90% a 2,00% do PIB.
É factível, ainda, a drástica redução
dos gastos tributários, em grande parte ilegítimos, sem observância de prazos e
regressividade e que não visam a redução das desigualdades regionais e sociais,
ao contrário do que manda a Constituição. Tais gastos correspondem hoje a
4,00% do PIB e sua redução para 1,50% representaria economia anual adicional de
2,50% do PIB. A soma das reduções propostas é suficiente para alcançar o
patamar entre 5,10% a 5,65% do PIB economizados, muito superior aos investimentos
propostos acima.
Isso prova que o país tem recursos
suficientes para a transformação que o Brasil reclama. Fica claro que tais
investimentos, embora necessários, não são feitos pela simples razão de que o
povo deixou de ser prioridade para a maioria de nossos governantes.
A situação nacional é tamanha gravidade
que somente a refundação do país será capaz de transformá-lo após tantas
décadas perdidas. Sem isso, o Brasil jamais será novamente o país das
oportunidades, nunca reencontrará o caminho do desenvolvimento e seremos
brasileiros de classe única somente nos discursos, desmentidos pela doída
realidade.
A guinada radical pode ser viabilizada
se houver trabalho alicerçado na harmonia dos três poderes da República, com
efetiva e indispensável participação do Legislativo, aliado a um plano de
metas, tudo lastreado na ética, na moralidade e na transparência, com foco na
dignidade dos brasileiros, cada dia mais sofridos e desesperançosos.
Para devolver a esperança e a confiança
à nação, é preciso também reduzir a sensação de impunidade e reduzir
privilégios. Esse caminho passa pela drástica redução do foro por prerrogativa
de função – limitando-o aos chefes dos Três Poderes e excetuando-se os crimes
comuns -, pelo restabelecimento da prisão após condenação em segunda instância
e pela mudança para tornar imprescritíveis os crimes relacionados à corrupção,
além do aprimoramento legislativo sobre sinais exteriores de riqueza.
É necessário, ainda, reduzir o número de
partidos políticos e os custos das eleições, englobando-se, nesse caso, os
fundos partidário e eleitoral, hoje bilionários. Acabar com a reeleição – que
somente põe a máquina a serviço de um novo mandato do governante – também é
fundamental, aumentando-se o tempo de mandato. E, ainda, o Brasil precisa
reavaliar a legislação sobre indicações e aprovações de membros não concursados
dos tribunais superiores.
As eleições legislativas de outubro
serão importante oportunidade para o povo dar sua colaboração em direção a essa
mudança, sinalizando que a Casa do Povo precisa, efetivamente, defender os
interesses do povo e cumprir adequadamente seu papel constitucional.
Viver é melhor que sonhar. Entretanto, é
preciso agir para transformar o país e concretizar o sonho de viver uma vida
digna num país que pode ser muito melhor do que é.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor do livro “Brasil, país à deriva”.
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