Guerra na Ucrânia traz lição econômica para o Brasil e o mundo
** Samuel Hanan
A guerra na
Ucrânia, além das questões humanitárias e políticas, traz uma consequência
econômica que deve servir de reflexão para o mundo todo, em especial para o
Brasil. A decisão da Rússia de invadir o país vizinho e a retaliação mundial à
decisão de Vladimir Putin, na forma de sanções econômicas aplicadas ao Kremlin,
jogaram luz sobre um ponto que pode mudar a globalização: o grau de dependência
de insumos e produtos de uma nação em relação à outra, especialmente no setor
de energia, independentemente do seu grau de desenvolvimento.
A Alemanha
e a Europa dependem em grande escala da importação de energia da Rússia,
envolvendo petróleo, gás e carvão mineral. Metade do gás consumido pelos
alemães era importado da Rússia até o exército de Putin ultrapassar as
fronteiras ucranianas. Também vêm da Rússia 23% dos fertilizantes utilizados na
agricultura do Brasil, que tem nas commodities do campo parcela importante do
agronegócio, setor que responde por quase um quarto do nosso Produto Interno
Bruto (PIB) e é responsável pelo superávit cambial brasileiro.
Enquanto
pressionam a Rússia para acabar com a guerra, os líderes mundiais devem começar
a buscar a autossuficiência em setores estratégicos para reduzir a dependência
em relação a outros países, em especial aqueles que, escudados pelo
desenvolvimento de armas nucleares, configuram potencial propensão ao uso da
força militar antes do esgotamento das vias diplomáticas.
É bastante
provável que o conflito no Leste Europeu provoque uma revisão global das
cadeias produtivas. Tal medida seria importante também no Brasil, ainda
extremamente dependente da importação de insumos para garantir sua
produtividade no setor agrícola.
Atualmente,
86% dos fertilizantes utilizados nas plantações brasileiras são produzidos no
exterior. O país importa adubos e fertilizantes químicos de mais de 50 países,
mas sua dependência maior é justamente em relação à Rússia, fornecedora de 23%
do que é consumido aqui nesse segmento. Em seguida vêm China (14%), Marrocos
(11%), Canadá (9,8%) e Estados Unidos (5,6%). Segundo dados do Ministério da
Economia, em 2021, o país importou 41,6 milhões de toneladas de fertilizantes.
É fato que
o Brasil não possui matéria-prima suficiente para atender o mercado interno e
também se ressente da falta de infraestrutura para a produção de fertilizantes
em larga escala e a preços competitivos com o mercado externo. Entretanto,
também é verdade que falta ao país uma diretriz condizente com sua condição de
um dos maiores fornecedores de grãos para o mundo.
A ideia de
um Plano Nacional de Fertilizantes, nascida em 2021, acaba de ter sua conclusão
anunciada pelo governo federal. A solução apresentada em busca de
autossuficiência de fertilizantes ou, pelo menos, da redução de dependência
externa para 30%, no prazo de 28 anos, é uma tentativa de dar uma resposta
rápida à situação escancarada pela guerra na Ucrânia, devendo ser analisada com
cuidado.
A pressa em
anunciar sua conclusão logo após o início do conflito europeu gera a
desconfiança de que foi feita uma atualização a toque de caixa. Um processo nada
transparente, sem que tenham sido apresentados os estudos, discutido com os
especialistas, e ouvidos os vários atores da indústria e do agronegócio.
Trata-se, afinal, de uma questão complexa que o mapeamento e dimensionamento
das reservas nacionais, a logística de armazenamento e transporte, e
investimentos e suas fontes de recursos, dentre tantos outros detalhes.
Temos, mais
uma vez, uma solução espasmódica, longe do ideal que seria o agronegócio
integrar um Plano Nacional de Desenvolvimento inspirado naquele que o
presidente Juscelino Kubitschek elaborou e implantou na década de 60, elevando
o Brasil a outro patamar em questão de desenvolvimento.
Sem um
plano com visão de futuro, baseado em políticas de Estado e não de governos, o
Brasil jamais conseguirá se inserir na nova ordem mundial com papel relevante.
E isso inclui um novo olhar sobre a Amazônia, reconhecendo a necessidade da
preservação da floresta e o desenvolvimento sustentável daquela região.
Para a
agricultura, a água é tão ou mais importante que os fertilizantes cujo
fornecimento se busca assegurar agora. E a floresta em pé é uma garantia de
equilíbrio no regime de chuvas, essencial para a produção do Centro-Oeste, Sul
e Sudeste e ainda para a produção de energia hídrica, fundamental para a
indústria, o comércio e a prestação de serviços.
É
fundamental, portanto, que o país tenha claro e definido qual o papel reservado
à Amazônia e quais diretrizes adotará para manter a floresta em pé, dando
também segurança jurídica contra medidas ilegítimas e/ou que afrontem a
Constituição.
A guerra no
Leste Europeu certamente irá promover mudanças no mundo inteiro, a um custo
altíssimo. O conflito já deixou evidente que tratados internacionais foram
desrespeitados e que o planeta vive uma nova fase da corrida armamentista. O
domínio da tecnologia das armas nucleares e o esforço para a produção das
maiores e mais letais ogivas é uma realidade indisfarçável no Ocidente e no
Oriente, o que eleva a tensão mundial a nível só comparado ao da Guerra Fria.
O Brasil
precisa entender a dimensão dos reflexos do conflito e refletir sobre seu
futuro. Se cada candidato a presidente nas próximas eleições apresentasse à
nação o seu plano nacional de desenvolvimento, já daríamos um passo fundamental
rumo a uma nova realidade.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). É autor do livro “Brasil, um país à deriva”.
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