Regulação Prudencial das Instituições de Pagamento
No começo deste mês, o Banco Central do
Brasil (BCB) editou as normas de regulação prudencial aplicáveis às
instituições de pagamento (IPs). O tema está na agenda do mercado há
alguns anos e vem sendo muito debatido em diversos fóruns. Contudo,
segundo o BCB, o arcabouço atinente a essas normas ainda não está finalizado,
de modo que será complementado ao longo deste ano.
Considerando esse desenvolvimento
faseado das normas de regulação prudencial, o FAS Advogados publicará uma
série de três artigos sobre o tema, trazendo três abordagens diversas que,
juntas, visam construir um panorama completo das novas regras e do que
está por vir.
Neste primeiro texto, trataremos dos
aspectos mais relevantes da nova regulamentação e traremos uma visão
geral das suas mudanças, a fim de destacar os principais aspectos que exigem
uma análise mais detida pelo mercado num primeiro momento.
A. Implementação
gradual
Embora o BCB tenha afirmado que o
conjunto de normas publicadas recentemente foi apenas parte da
regulamentação proposta sobre o assunto em 2020 no Edital de Consulta Pública
n° 78, com as demais regras a serem publicadas gradualmente ao longo de
2022, alguns pontos bastante relevantes já foram estabelecidos.
Um deles é a vigência, que terá início
em 1° de janeiro de 2023. Considerando a tendência regulatória de respeito a
períodos de transição e adaptação adotada pelo BCB nos últimos tempos, há que
se pontuar que esse prazo não é especialmente longo. Todavia, ao menos a
princípio, haverá facilidades no que tange ao estabelecimento da estrutura de
capital exigida pelo normativo, a qual somente passará a vigorar com plenitude
a partir de 2025.
Dessa maneira, embora a nova
regulamentação não tenha estabelecido uma metodologia especial de cálculo
para o período de transição, ela o fez no que se refere à segmentação dos
conglomerados e para o volume total a ser provisionado. Sobre esse último
aspecto, o horizonte temporal previsto para a gradação foi o seguinte:
B. Principais
mudanças
As novas regras trouxeram importantes
mudanças macro em relação ao que se encontra vigente atualmente. Dentre
elas, cabe destacar a conglomeração, a nova composição do capital das IPs e os
níveis de capital requeridos para essas entidades.
I – Conglomeração
Importante instrumento de regulação
prudencial, a conglomeração visa concentrar em uma única unidade de análise
todos os riscos relevantes incorridos por um grupo econômico.
Hoje, a regulação prudencial confere um
tratamento único para conglomerados liderados por instituições
financeiras, de modo que os riscos associados a serviços de pagamento são
ponderados na determinação do capital desses conglomerados. Já nos conglomerados
liderados por IPs e que exercem atividade financeira, os riscos
referentes a serviços de pagamento são computados de maneira diversa e isolada
dos riscos de serviços financeiros.
Com as novas regras, esse segundo tipo
de conglomerado passará a ser reconhecido e tratado sob uma única unidade
de análise, juntamente com os conglomerados que não exercem atividades
financeiras. Juntos, esses três tipos de conglomerado compreendem a nova
estrutura de conglomeração estabelecida pelo regulador:
Fonte:
Banco Central do Brasil
De modo geral, para os conglomerados
Tipo 1, o BCB manterá o mesmo racional das regras prudenciais já
aplicáveis às instituições financeiras e a seus conglomerados prudenciais,
enquanto, para os Tipos 2 e 3, foram feitas algumas adaptações em razão da diversidade
de riscos associados a eles.
II – Composição do capital das IPs
Visando melhorar a capacidade das IPs de
absorver perdas e riscos, o BCB substituiu o método de apuração do seu
capital regulatório.
Atualmente, esse cálculo se dá com base
no patrimônio líquido ajustado pelas contas de resultado (“PLA”). Isso
significa que uma série de ativos de baixa qualidade, baixa liquidez ou difícil
precificação, na visão do BCB, podem ser utilizados pelas IPs para
calcular o seu capital mínimo.
Com as novas normas, as IPs passam a ter
de apurar Patrimônio de Referência (“PR”), que será composto por
elementos de maior qualidade e precisão. Com isso, a expectativa é que haja na
prática uma dedução da base de ativos elegíveis para formação do capital
prudencial.
III – Requerimentos
mínimos
Além de alterar a forma de composição do
capital das IPs, o BCB também alterou as regras que tratam do capital
mínimo que elas devem manter para realizar suas atividades.
Enquanto a Circular BCB n° 3.681/2013
prevê um cálculo mais direto, baseado numa porcentagem do fluxo de
pagamentos que a IP operacionaliza, as novas normas instituíram formas mais
complexas de cálculo que consideram diferentes riscos, não apenas aqueles
associados aos serviços de pagamento.
Mesmo para IPs que não integram
conglomerados compostos por instituições financeiras, o nível de capital mínimo
será determinado também com base em risco de crédito e exposição em ouro, moeda
estrangeira e outros ativos sujeitos à variação cambial.
Especificamente no que se refere aos
serviços de pagamento, os percentuais do fluxo a ser provisionado foram
alterados. Em sua abordagem baseada em risco, o BCB estabeleceu percentuais
mais elevados para as atividades que considera mais arriscadas,
resultando nos parâmetros descritos na tabela abaixo.
Vale ressaltar que, pela nova
regulamentação, essa
porcentagem não equivale ao total a ser recolhido pela IP,
que deve ser calculado considerando outros aspectos e fatores incluídos
na metodologia prevista pelo BCB.
A partir desses referenciais, a nova
fórmula de cálculo da parcela do PR referente aos riscos de serviços de
pagamento foi assim estabelecida:
Essa fórmula, que a princípio se
apresenta de forma um tanto quanto esotérica se comparada com a técnica
regulatória usual do BCB, reflete o grau de complexidade próprio das normas
prudenciais.
Contudo, diante um assunto tão relevante
e que vem provocando debates acirrados no mercado, é importante possuir
um ferramental metodológico adequado para compreender esse tipo de norma,
tanto seus conceitos básicos quanto a sua racionalidade. Para buscar
contribuir para esse esforço, o segundo artigo de nossa série trará um guia
básico para compreender as regras de capital prudencial e a lógica que as rege,
a fim de auxiliar leitores menos ambientados com o tema a construir bases
que permitam compreender seus elementos específicos.
Autores: Vicente Piccoli M. Braga, Luiz Felipe Lima, João Henrique Pereira Leite, Marcelo Vaz e Pedro Duarte Pinho. Os especialistas são sócios do FAS Advogados na área de Bancário, Meios de Pagamento e Fintechs.
Nenhum comentário