Você conhece a arquitetura hostil? Saiba como ela pode ser prejudicial para a sociedade
Arquiteto e urbanista, Rui Rocha Júnior explica como esse modelo de arquitetura atrasa o combate à desigualdade social
João Pessoa, 15 de março de 2022 – A arquitetura hostil é um conjunto de
estratégias projetuais ligadas ao desenho urbano para prevenir ou impedir a
criminalidade e manter a ordem. Em geral, esse conceito é utilizado para evitar
a prática de skate, parkour, micção pública, abrigo para pessoas em situação de
rua, entre outros comportamentos. E possui uma espécie de urbanismo higienista,
segundo Rui Rocha Júnior, professor de Arquitetura
e Urbanismo do Centro Universitário de João Pessoa – Unipê. O objetivo é
afastar as ocupações indesejáveis nos grandes centros urbanos, praças,
viadutos, marquises e calçadas.
Rui diz que essas estratégias
regulamentam o espaço público e afastam das grandes cidades as pessoas mais
desprovidas de dinheiro, o que é um grande perigo, já que a cidade em si é para
todos. “As áreas aparentemente mais estruturadas pertencem aos que têm o maior
poder econômico e consequentemente social, portanto a arquitetura hostil
dialoga indiretamente com a população mais pobre, alertando-a que, apesar de
ser um espaço público, não é um lugar para ela, passando a ser uma arquitetura
da exclusão. A cidade é de todos e para todos, mas a aplicação desses planos
cria muros invisíveis na sociedade”, explica.
Um fato que representa bastante as exclusões
geradas pela arquitetura hostil segundo o professor, foram as pedras instaladas
sob os viadutos Dom Luciano Mendes de Almeida e Antônio de Paiva Monteiro,
localizados na Avenida Salim Farah Maluf, em São Paulo. Elas afastavam as
pessoas em situação de rua do local. Um outro exemplo, aconteceu em 2015, na
capital baiana, onde plantaram cactos de baixo dos viadutos, para afastar as
pessoas em situação de rua.
“Existem diversos projetos de
revitalização urbana que disponibilizam bancos de praças com braços dividindo o
espaço, ou com acentos inclinados, para que não os usem para dormir”, ressalta.
“As estratégias trazidas pela arquitetura hostil funcionam como uma violência à
democracia do espaço urbano. Não resolvem o problema de segurança, mas camuflam
a pobreza. Uma das formas de trazer segurança aos espaços públicos é a
vitalidade urbana, que é a presença humana”, assinala Rui, que ainda diz que os
conflitos sociais graves nas cidades podem muitas vezes estar mais relacionados
com políticas sociais mais profundas e complexas, ao invés do espaço
construído.
Para o docente, a sociedade necessita de
uma arquitetura amistosa ao invés de uma arquitetura hostil nas cidades. Para
pessoas em situação de rua, a solução é mais profunda, dependendo também de
políticas públicas de abrigo e habitação social, educação, melhores condições
de empregos, entre outras ações. Vale ressaltar que os espaços citados são
espaços utilizados por pedestres, crianças, idosos e pessoas com dificuldades
de locomoção.
“Marquises e viadutos servem como forma
de abrigo contra as tempestades para pedestres, motociclistas e ciclistas que
não possuem proteção, portanto não podem ser descartados como meio de proteção
desse público. Quanto aos skatistas e praticantes do parkour, penso que a cidade
deve ser aprazível, lúdica e vivenciada por todos e não apenas por um grupo
especifico”, sinaliza.
Rui lembra que a arquitetura e o desenho
urbano não são as únicas soluções aos problemas sociais, mas ajudam a
resolvê-los tanto quanto a agravá-los; “É preciso mudar a forma como encaramos
a cidade, pensar mais no coletivo e em soluções para todos.”
Por fim, o especialista salienta: o
conceito pode, na verdade, afastar diversos conflitos sociais nunca antes
mediados. “No caso da arquitetura hostil, agrava-se a má qualidade das nossas
cidades, e a hostilidade é a ausência de respostas aos problemas sociais que a
cidade nos apresenta. Ela tenta ‘varrer para baixo do tapete’ as questões
sociais que ainda estamos longe de resolver”, finaliza.
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