Impactos de La Niña no Sul de Mato Grosso do Sul
Éder Comunello, Carlos Ricardo Fietz, Danilton
Luiz Flumignam
Pesquisadores da Embrapa Agropecuária Oeste
Dourados, MS
{eder.comunello, carlos.fietz, danilton.flumignam}@embrapa.br
A elevada dependência
das condições climáticas faz da agricultura uma atividade econômica com alto
risco associado, podendo ser influenciada por diversos fatores, desde o plantio
até a colheita.
Por isso, é importante
entendermos os padrões do clima para tentarmos antever eventos futuros que
possam ser potencialmente prejudiciais, ainda em tempo de amenizá-los. Essa não
tem se revelado uma tarefa fácil para a região Centro-Sul do Brasil,
particularmente nesses últimos anos, com o comportamento bastante diferenciado
do clima quando se confrontam as séries históricas.
Com o início do outono,
ocorrido em 20 de março, já seriam esperadas grandes mudanças nas condições
climáticas. Reduções significativas das chuvas e das temperaturas são normais
nesse período, contudo, a irregularidade dos eventos observados no passado
recente parece destoar do padrão esperado. Muito
do que tem acontecido recentemente pode ser atribuído à ocorrência do fenômeno
La Niña (resfriamento do Oceano Pacífico na região costeira do Peru). Esse
fenômeno costuma provocar irregularidade e diminuição das chuvas na Argentina,
Paraguai e região Sul do Brasil, enquanto são esperadas mais chuvas nas regiões
Centro-Oeste e Nordeste.
A região sul de Mato
Grosso do Sul, onde se localiza Dourados, embora politicamente inserida no
Centro-Oeste brasileiro, é uma região de transição climatológica, podendo
algumas vezes seguir um padrão diferente do esperado. De fato, a condição mais
comum para essa região é seguir os padrões de La Niña indicados para o Sul do
Brasil. Os efeitos tendem a ser mais pronunciados em direção ao sul do Estado e
perdem força à medida que se avança para o norte, eventualmente atingindo
municípios como Rio Brilhante e Maracaju.
Retrospectiva para o sul do Estado
De acordo com dados
observados na estação meteorológica da Embrapa Agropecuária Oeste, em Dourados,
nos últimos anos as chuvas foram irregulares e tiveram redução nos totais
anuais. Nos anos 2019, 2020 e 2021 foram registrados, respectivamente 1176 mm,
1185 mm e 1109 mm de chuva durante o ano, uma redução de 15% a 20% frente a uma
média histórica de 1400mm.
Além da redução no
total anual, o ano de 2019 também foi marcado pelo atraso no início da estação
de chuvas, esperado para o final de setembro e início de outubro (primavera).
Depois de um mês de outubro bastante seco, as chuvas se normalizaram no final
de novembro e meses subsequentes, permitindo ainda bons resultados na safra de
verão.
As condições climáticas
começaram a ficar difíceis, de fato, no outono de 2020, quando surgiu o ciclo
de La Niña atualmente em curso. Houve significativa redução dos volumes de
chuva em novembro e dezembro, meses críticos para os cultivos de verão. Além
desse impacto inicial, houve agravamento do cenário pela manutenção de La Niña
por praticamente todo o ano de 2021, quando tivemos irregularidades climáticas
ainda maiores, com excesso de chuvas em janeiro e outubro, mas escassez nos
demais meses. Outro efeito de La Niña a ser destacado em 2021 foi o inverno
mais rigoroso. As menores temperaturas experimentadas culminaram na maior
ocorrência de geadas dos últimos anos, impactando atividades de produção como o
milho safrinha, a cana-de-açúcar e a pecuária.
Condições atuais
Nessas condições, chegamos à safra de verão
2021/2022 ainda sob efeito de La Niña, tendo experimentado uma escassez de
chuvas e altas temperaturas que foram recordes na série histórica da estação
meteorológica da Embrapa Agropecuária Oeste, resultando em índices muito baixos
de água armazenada no perfil do solo.Isso culminou em altas perdas nas lavouras
de soja, bem como de todas as culturas de verão, de todo Cone Sul de MS.
A estiagem no sul de MS
e no Centro-Sul do Brasil, de modo geral, foi decorrente do fortalecimento de
um sistema de alta pressão que deslocava os corredores de umidade para outras
regiões, inibindo a formação de chuvas. Recentemente, nesse mês de março, houve
o rompimento dessa barreira, permitindo o retorno das chuvas. Mas há dúvidas
sobre o futuro, principalmente quanto ao comportamento do clima durante o cultivo
de milho na segunda safra.
Previsões
As previsões
disponibilizadas por diversos serviços públicos e privados indicam que o
fenômeno La Niña deverá ainda persistir por um bom tempo. As estimativas
consideram que o fenômeno perdure até setembro/outubro, ou seja, praticamente
até o início da próxima safra de verão.
Este é um ciclo de La
Niña que está se estendendo por três anos, algo que chama a atenção, mas é de
ocorrência relativamente comum na série histórica. Mantido esse cenário, a
maior probabilidade é de persistir para este ano a previsão de chuvas abaixo da
média e mal distribuídas, embora possa haver excessos em meses isolados. Apesar
das chuvas abundantes em março, ainda podem ocorrer períodos de estiagem nos
meses subsequentes. Problema maior que a redução dos volumes de chuvas é a má
distribuição, ou seja, excesso ou falta em momentos críticos dos cultivos.
Outro efeito esperado
de La Niña é que, assim como no ano passado, tenhamos temperaturas mais baixas
no outono/inverno. Ainda teremos períodos relativamente amenos, mas
intercalados com ondas de frio. As baixas temperaturas chegarão mais cedo e
serão mais intensas e duradouras. A expectativa é de que esses eventos passem a
ocorrer já no final de abril e início de maio e perdurem pelos meses seguintes,
abrindo a possibilidade de termos geadas tardias em meses como agosto e
setembro.
A atuação de La Niña
tem dificultado muito as previsões do tempo feitas para curto prazo. Por outro
lado, as previsões feitas para longo prazo têm sido bastante certeiras nos
últimos tempos. Desse modo, é fundamental estar atento aos diversos boletins e
informativos emitidos e disponibilizados periodicamente por diversas
instituições tais como Embrapa, Inpe, Famasul, etc. É sempre bom lembrar que
temos que nos ater a fontes confiáveis, pois tem sido muito comum a propagação
de eventos climáticos e informações falsas.
Em relação à ocorrência
de geadas na região de Dourados, destacamos que a Embrapa Agropecuária Oeste
dispõe de um sistema de monitoramento e previsão que tem se mostrado muito
eficiente. Já em janeiro deste ano foi emitido o alerta de prováveis geadas no
mês de junho, correlacionando a ocorrência das baixas temperaturas à condição
de La Niña. Saiba mais
em https://bit.ly/36boD9j.
O que pode ser feito para amenizar esses efeitos?
As práticas que podem
amenizar os efeitos climáticos são essencialmente de médio a longo prazo. Essas
práticas envolvem a intensificação da cobertura do solo, o aumento dos níveis
de matéria orgânica e as melhorias no perfil físico-químico do solo. Além de
aumentar a capacidade do solo armazenar água, essas práticas devem permitir o
aprofundamento do sistema radicular, tornando os cultivos mais tolerantes a
períodos de estiagem. Além disso, a cobertura do solo reduz as perdas de água
por evaporação, que são mais significativas principalmente nos estágios
iniciais das culturas.
A adoção dessas
práticas é urgente e deve ser feita de modo imediato, principalmente porque a
análise da oscilação decadal dos oceanos (Pacífico e Atlântico) revela que
tendemos a ter chances maiores da ocorrência de La Niña durante a próxima
década.
A curto prazo, a melhor prática é seguir as recomendações de época de plantio do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), preferindo as indicações em que o risco associado é menor (20 ou 30%). A contratação do Seguro Rural é fundamental e terá cada dia mais importância.
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