Superior Tribunal de Justiça valida aplicação da Lei Maria da Penha para mulheres trans
Decisão histórica serve de precedente para que
outras instâncias da justiça sigam o entendimento
A Lei Maria da Penha é um marco na luta
contra a violência em ambiente doméstico. Criada há mais de quinze anos (Lei nº
11.340/2006) tal lei propiciou a punição de milhares de agressores de mulheres,
além de afastar por meio de medidas protetivas os potenciais criminosos de suas
vítimas.
O nome da lei deriva da história de
Maria da Penha Maia Fernandes, uma biofarmacêutica que foi agredida pelo marido
durante seis anos. Em 1983, ele tentou assassiná-la duas vezes, na primeira com
um tiro, quando ela ficou paraplégica e, na segunda, por eletrocussão e
afogamento.
A luta das mulheres contra agressões é
antiga e vem evoluindo bem lentamente, mas a Lei Maria da Penha foi um
importante passo ao aumentar as penas para agressões domésticas, além de prever
medidas como a suspensão ou restrição ao porte armas, restrição para visitas de
dependentes, determinações de afastamento do lar e prisão preventiva do
agressor.
Uma vez consolidada a lei, passou-se a
discutir se ela visa tão somente a proteção da mulher contra agressores ou a
proteção de qualquer tipo de vítima. A Sexta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, no dia 05 de fevereiro, decidiu por unanimidade um recurso especial e
entendeu que uma mulher transexual, vítima de agressões pelo próprio pai,
também está protegida pela Lei Maria da Penha.
Segundo o advogado Francisco Gomes
Junior, a grande discussão está no conceito de mulher. “Aqueles que defendem
que pessoas trans não sejam protegidas pela lei alegam que a Constituição
Federal define a mulher em sentido científico. O STJ entendeu errônea essa
interpretação, afirmando que não se deve restringir a proteção em função do
sexo biológico, mas sim por conta do gênero já que o objetivo primordial é a de
impedir a violência ao ser humano. Assim, a lei passa a proteger transexuais,
transgêneros, cisgêneros e travestis.”
No caso julgado, uma mulher trans (nome
mantido em sigilo para preservação da privacidade), sofria agressão do pai, que
chegava em casa alterado pelo uso de drogas e álcool. Em uma das vezes, a
agarrou pelos punhos e a atirou contra a parede, antes de tentar agredi-la com
pedaço de madeira. Ela fugiu e foi perseguida pela rua até que encontrou uma
viatura de polícia. Como ela, mulheres trans e de outros gêneros são vítimas
constantes de agressões e a decisão do STJ será importante passo para dar fim a
impunidade.
Menciona a decisão do STJ que a
vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos não pode ser resumida à
objetividade de uma ciência exata, já que as existências e relações humanas são
complexas.
“O entendimento contido na decisão do
STJ não é vinculante, ou seja, não obriga automaticamente a que todas as
decisões sejam no mesmo sentido, mas será um importante precedente a ser
considerado pelos juízes de Instâncias inferiores. O que se protegeu foi o ser
humano, o que parece correto”, finaliza Gomes Junior.
Francisco Gomes Júnior - Presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP). Autor do livro Justiça Sem Limites. Instagram: https://www.instagram.com/franciscogomesadv/
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