A Zona Franca de Manaus
Paulo Haddad*
A Zona Franca de Manaus
nasceu no bojo das políticas de desenvolvimento regional do Governo Federal
visando a reduzir as profundas desigualdades socioeconômicas nas condições de
vida entre todos os brasileiros, independentemente do seu destino ser
determinado pela loteria da vida. Uma assimetria espacial no padrão de vida dos
brasileiros que é politicamente intolerável em uma democracia federativa
moderna. Não se pode admitir que a renda per capita média dos brasileiros
vivendo nas áreas mais desenvolvidas do País seja em torno de três vezes
superior à renda per capita do brasileiro maranhense ou do brasileiro alagoano.
O Budismo nos ensina que não há mais democrático que o sol que, quando se
levanta, ilumina igualmente todas as regiões.
No início dos anos
1960, o Brasil era o País que, na economia mundial, apresentava o maior nível
de desequilíbrio de desenvolvimento entre as suas regiões. Ao fim da
implantação do Plano de Metas do Presidente JK (1956-1961), o Brasil se
transformara na economia mais industrializada e moderna do Terceiro Mundo, mas,
no entanto, ocorrera uma concentração de 72 em cada 100 novos empregos
industriais no Eixo Rio-São Paulo.
A partir da criação da
SUDENE, em 1959, pelo então Presidente JK, dá-se início ao processo de
desconcentração planejada da polarização econômica do País, através de
diferentes políticas de desenvolvimento para as áreas menos desenvolvidas.
Particularmente, com o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND do Governo
Geisel) lançado em 1974, as regiões menos desenvolvidas passaram a crescer mais
rapidamente do que as áreas mais desenvolvidas. Assim, veio a ocorrer um
intenso processo de reestruturação espacial da geografia econômica brasileira.
No período de 1970 a
1980, a soma das participações das Regiões Centro-Oeste e Norte no PIB
brasileiro saiu de 6% em 1970, para 15% em 2010, e essa participação manteve o
seu crescimento nos anos seguintes, principalmente pelo avanço do agronegócio,
da mineração e da industrialização tardia nessas Regiões. Assim, as áreas menos
desenvolvidas responderam positivamente aos incentivos e aos estímulos das
políticas de desenvolvimento regional do Governo Federal, contribuindo para a
redução das disparidades regionais do Brasil.
As políticas de
desenvolvimento regional tiveram características diferenciadas quanto aos
instrumentos econômicos e aos mecanismos institucionais adotados. O avanço do
Centro-Oeste, por exemplo, ocorreu principalmente em função do 2º salto
científico e tecnológico da agropecuária brasileira, a partir dos anos 1970,
graças à transformação dos cerrados de bens físicos em bens econômicos e às
inovações de produtos, processos e organizações nas áreas tradicionais de
produção de proteína animal e de proteína vegetal.
Já na Amazônia Legal,
dada a sua diversidade e heterogeneidade socioeconômica e socioambiental, a
política de desenvolvimento regional assumiu uma dimensão multifacetada e
contextualizada à realidade regionalizada. Registraram-se muitos casos de
sucesso da promoção econômica em novos projetos de mineração (Carajás e S11D,
no Sudeste do Pará), de agricultura (produção competitiva de café e de carnes
em Rondônia), industrial (Zona Franca de Manaus), etc.
A Zona Franca de Manaus
é um dos polos de desenvolvimento da Amazônia que apresentam uma história de
sucesso no conjunto das políticas de desenvolvimento regional no pós-II Grande
Guerra. Sucesso, sem dúvida, medido em termos da relação altamente positiva dos
seus custos para a sociedade brasileira (incentivos fiscais e financeiros,
despesas tributárias, etc.) com os seus benefícios também para o conjunto da
sociedade brasileira (geração de renda e emprego, inovações tecnológicas,
produção competitiva globalmente de bens duráveis de consumo, etc.). Uma
construção político-institucional ao longo da história do processo de
integração nacional que não pode ser desconstruída apenas por portarias
ministeriais.
Como, a partir de 2019,
a estratégia do Governo Federal tem sido a de desmonte institucional das
principais políticas públicas em nome de ideologias historicamente
ultrapassadas, corre-se o risco da desarticulação das políticas de
desenvolvimento regional no País. Particularmente quando a atual administração
do Governo Federal trata a Região Amazônica como se fosse um grande
almoxarifado de valiosos recursos naturais renováveis e não renováveis, ao qual
indivíduos e organizações com interesses autocentrados têm acesso livre ou
quase livre de “porteira aberta” para a realização de negócios lucrativos do
ponto de vista privado. E também como se fosse um mega lixão onde podem
depositar os resíduos e os dejetos de suas atividades de produção e de consumo
através de ações predatórias sobre os ativos e os serviços ambientais da região
(rios, florestas, ar puro, biodiversidade da fauna e da flora). Permanece
complacente com um processo de colapso dos ecossistemas regionais, numa prática
de crimes ambientais previstos na Constituição de 1988 nos artigos que se
referem ao nosso Patrimônio Natural.
Quando um país consegue
reduzir os processos de desequilíbrios regionais de desenvolvimento,
convergindo as condições de vida das regiões mais pobres para as condições de
vida das regiões mais ricas, é preciso que consolide, sustente e reinvente as
políticas públicas para evitar a reversão desses processos ao longo do tempo.
Novos problemas e novas oportunidades emergem quando se transformam os
contextos históricos que parametrizam as políticas públicas. Mas, como afirma Einstein: “Nenhum problema
pode ser resolvido a partir do mesmo nível de consciência que o criou”.
*Paulo Haddad é Membro do conselho consultivo no Instituto Fórum do Futuro. Economista, com especialização em Planejamento Econômico no Instituto de Estudos Sociais de Haia – Holanda, Professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, ex-Ministro da Fazenda e do Planejamento. Presidente da PHORUM Consultoria e Pesquisas em Economia e Diretor da AERI – Análise Econômica Regional e Internacional.
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