Proposta de Biden traz luz à preservação da Amazônia
Samuel Hannan*
O
presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, surpreendeu a todos durante evento no
Dia da Terra, comemorado naquele país no dia 22 de abril, ao apresentar a
proposta de que as nações remunerem o Brasil como forma de evitar o
desmatamento na Floresta Amazônica.
“O que
deveríamos estar fazendo é pagando os brasileiros para não derrubarem suas
florestas. Tivemos que derrubar as nossas. Recebemos os benefícios disso. (...)
Os países industrializados têm de ajudar”, afirmou Biden.
O discurso
do presidente da mais rica e poderosa nação do mundo é histórico e pode ser o
ponto de partida para uma mudança radical na forma como a comunidade
internacional trata a questão da conservação da floresta tropical da Amazônia.
Sinaliza
importante alteração de tom na própria política norte-americana em relação a
mais vasta floresta tropical do mundo e maior banco genético do planeta. Basta
lembrar o que disse Al Gore quando era vice-presidente dos Estados Unidos: “Ao
contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, mas de todos
nós”.
Ainda que
se possa ponderar, interpretando a frase de Al Gore apenas como uma preocupação
acerca dos efeitos para o mundo na hipótese de descaso do governo brasileiro
com a conservação ambiental, não é desarrazoado se enxergar na frase certa
ameaça à soberania nacional sobre a região. A “internacionalização” da Amazônia
é tema recorrente e a questão é alimentada há décadas pelo posicionamento de
vários líderes mundiais. Os próprios norte-americanos já se posicionaram de
maneira muito contundente a respeito, como fez o então secretário de Estado
Henry Kissinger: “Os países industrializados não poderão viver da maneira como
existiram até hoje se não tiverem à sua disposição os recursos naturais não
renováveis do Planeta. Terão de montar um sistema de pressões e
constrangimentos garantidores da consecução de seus intentos”.
Se Joe
Biden levar adiante sua proposta, abandonando a ideia de pressões e
constrangimentos, estará inaugurando uma nova etapa de conscientização mundial
sobre a Amazônia. A preservação da floresta é imprescindível, não apenas por
questões climáticas, mas igualmente por razões econômicas.
Como
defendi em meu livro “Brasil, país à deriva”, esse é um processo complexo, que
depende da contribuição da comunidade internacional, especialmente dos países
ricos, justamente os que mais reclamam medidas conservacionistas.
A
comunidade internacional precisa entender que a preservação não se faz com
doações esporádicas ao governo e aos estados brasileiros, tampouco com a realização
de congressos e seminários ou com a publicação de livros sobre o tema, atitudes
importantes, porém insuficientes.
O incentivo
às atividades econômicas ambientalmente responsáveis é o melhor contributo
possível para a preservação da Amazônia, nosso patrimônio nacional, alvo
constante da cobiça estrangeira. Biden parece começar a entender a necessidade
de novo enfoque à questão.
Tal
posicionamento abre o debate, fundamental para a evolução de propostas que,
respeitando a soberania brasileira, contribuam para estimular a conservação
dessa área cuja extensão representa mais de um terço da soma de todas as
florestas do mundo, e onde se concentra mais de um quinto da disponibilidade de
água doce do planeta.
Vivemos sob
uma ideologia nascida em contraposição aos erros do passado, que preconiza a
intocabilidade dos recursos naturais do solo e subsolo amazônico. Consolidou-se
a sensação de que o povo amazônida é o único responsável pela manutenção do
bem-estar do planeta. Dele exigem-se enormes sacrifícios para benefício
mundial, dando-lhe muito pouco em troca, condenando-o a uma vida pobre e sem
perspectivas.
O Brasil
precisa fazer a sua parte, combatendo o desmatamento, a exploração ilegal e o
contrabando de madeira e de recursos minerais, controlando a pecuária expansiva
e estimulando atividades econômicas sustentáveis como o ecoturismo, a
exportação de peixes e frutas exóticas, gerando e comercializando créditos de
carbono, tornando a população amazônida parceira na conservação da floresta e
na divisão dos resultados econômicos, de forma a lhe proporcionar vida
mais digna. Em artigo escrito juntamente com o jurista Ives Gandra e publicado
em janeiro do ano 2000, já havia um sério alerta sobre isso. No entanto, mais
de duas décadas depois, constata-se que nada foi feito para dar nova
perspectiva de vida para o povo da floresta, para os indígenas, para os
ribeirinhos, para a população do Amazonas, garantindo também o desenvolvimento
sustentável da região.
Todos os
governantes do País após a promulgação da Constituição de 1988 ignoraram
solenemente a Amazônia. Recusaram-se a seguir os exemplos dos presidentes
Juscelino Kubitschek (criação da Zona Franca de Manaus) e Castelo Branco
(“Integrar para não entregar”), ambos com metas bem definidas para a região.
Ademais, não entenderam que é impossível preservar a Floresta Amazônica apenas
com palestras, conferências, entrevistas, decretos, leis e polícia.
Mais do que
debates e discursos, a floresta e toda a região na qual está inserida, com seus
3,88 milhões de km² e mais de 18,6 milhões de habitantes, requerem políticas
públicas, planejamento e visão estratégica, sem a miopia embaçante que já
atravessa décadas.
Em nada
contribui para a preservação amazônica a manutenção da concentração econômica
no Sudeste e Sul do País, alimentada com renúncias fiscais da União que
beneficiam as regiões mais desenvolvidas e deixam à mingua as regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, cada vez mais dependentes das transferências do Fundo
de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos Municípios. Situação
agravada pela recente decisão do governo de reduzir o IPI, com consequente
queda de receita para estados e municípios e perda de competitividade das
empresas do polo industrial de Manaus.
É
imprescindível o respeito à vontade dos constituintes que formalizaram ser
“mantida a zona franca” e garantidas e preservadas as vantagens comparativas à
região.
São
intoleráveis a falta de visão, a negação da Constituição, a ausência de plano
de governo, federal e estadual, definindo mudança da matriz econômica de modo a
reduzir a absurda dependência dos incentivos fiscais federais e inserir a
população de todos os 62 municípios do Estado do Amazonas, condenados pelas
atrofias demográficas e econômicas do Brasil, responsáveis por fazer dos
habitantes da Amazônia cidadãos de segunda classe. Tudo acentuado pela
perseguição preconceituosa e permanente contra a Zona Franca, Estado do Amazonas
e não a favor do Brasil.
Joe Biden
enxergou o caminho. Abriu uma picada na mata fechada em busca da saída de um
problema que não é somente brasileiro, mas cuja conta recai apenas sobre nós.
Finalmente, a comunidade internacional parece começar a entender que exigir a
preservação a custo zero não funcionou e que os países ricos e desenvolvidos do
G7 precisam pagar ao Brasil pela conservação da floresta amazônica, com base na
totalidade da área preservada, e não de forma parcial. Que os deuses da floresta
ajudem o presidente norte-americano a sensibilizar outros líderes mundiais.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). É autor do livro “Brasil, um país à deriva”
Nenhum comentário