Resolução do Conselho Federal de Medicina disciplina a prática da telemedicina no Brasil
por Ana Luíza Calil
A pandemia impulsionou diversas mudanças
nas práticas sociais ao longo dos últimos dois anos. Hoje, é possível realizar
consultas remotas, de diversas especialidades, médicas ou de outras áreas da
saúde, de maneira corriqueira e por plataformas diversas. Antes da pandemia,
havia uma lacuna regulatória que dificultava a prática de consultas remotas
entre médico e paciente no Brasil. Com o advento da pandemia, foi editada a Lei
nº 13.989/2020 autorizando o uso da telemedicina formalmente, em caráter
emergencial, enquanto perdurasse a emergência sanitária no país – ela foi
formalmente finalizada no último dia 22 de abril, por meio da Portaria nº 913 do
Ministério da Saúde.
Conceitualmente, a telemedicina é
restrita à prática médica, e não deve ser confundida com a expressão telessaúde
– mais ampla e que abarca o exercício de outras profissões. Conselhos Federais
Profissionais diversos, como o de Psicologia, regularam suas respectivas
práticas. Mas, até este ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) se manteve
cauteloso no processo regulatório da telemedicina. Cabe destacar que, em 28 de
março deste ano, o CFM já havia regulado a telecirurgia robótica no Brasil, por
meio da Resolução nº 2.311/2022.
Em 5 de maio, enfim foi publicada a
Resolução CFM nº 2.314/2022 regulando a telemedicina no país e a definindo como
“o exercício da medicina
mediado por Tecnologias Digitais, de Informação e de Comunicação (TDICs), para
fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões, gestão
e promoção de saúde”, conforme o artigo 1º. O objeto da norma
inclui não só o exercício em tempo real, mas também a análise de dados e de
imagem, para fins de diagnóstico, informação e outros, de modo off-line ou
assíncrono. Tanto é assim que o artigo 5º previu diversas modalidades de
teleatendimentos: (i) Teleconsulta; (ii) Teleinterconsulta; (iii)
Telediagnóstico; (iv) Telecirurgia; (v) Telemonitoramento ou televigilância;
(vi) Teletriagem; (viii) Teleconsultoria.
Quanto aos aspectos regulados, a
Resolução se preocupou em referenciar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD),
destacando a necessária observância de seus conceitos para fins de aplicação da
norma. A LGPD enquadra dados referentes à saúde como dados pessoais sensíveis
(art. 5º), fazendo incidir regras mais estritas para o tratamento de tais
dados. Além disso, manteve as disposições da Lei nº 13.989/2020 quanto ao
necessário consentimento do paciente e do dever do médico em informar as
limitações derivadas da teleconsulta, como a impossibilidade de realização de
exame físico (art. 6º). Fora isso, o médico se mantém vinculado aos padrões
normativos e éticos usuais do atendimento presencial, inclusive em relação à contraprestação
financeira pelo serviço prestado.
Um aspecto de dúvida no período da
pandemia era quanto à necessidade de registro das pessoas jurídicas que prestam
serviços de telemedicina, bem como das plataformas de comunicação e
arquivamento de dados. O artigo 17 estabelece que as pessoas jurídicas deverão
ter sede no Brasil (inclusive para o arquivamento de dados), que deve haver
registro no Conselho Regional de Medicina (CRM) no local da sede da pessoa
jurídica e que o médico deverá ter inscrição no CRM de registro, para fins de
responsabilidade técnica.
Em uma primeira impressão da norma, o
art. 17 poderá ensejar dúvidas interpretativas quanto a extensão de suas
exigências – especialmente para pessoas jurídicas estrangeiras que tenham
interesse no mercado brasileiro. Ademais, vale destacar que os Conselhos
Regionais também possuem poder normativo suplementar ao do CFM – e a norma não
deixa claro qual é o limite de normatização do procedimento de registro em cada
jurisdição.
No cenário em que o mercado digital de
aplicativos de saúde e bem-estar foi inegavelmente impulsionado, especialmente
após o início da pandemia da Covid-19, a regulação era bastante aguardada. E a
tendência da telemedicina e da telessaúde é continuar crescendo: no Brasil, a
receita projetada para 2022 no mercado de saúde digital é de 2,12 bilhões de
dólares, segundo relatório do Statista,
empresa alemã especializada em dados de mercado e consumidores. A regulação do
CFM, dessa forma, acompanha essa tendência e os próximos meses irão ser um
termômetro quanto à aceitação ou não dos seus termos.
* Ana Luíza Calil é advogada associada
do Cescon Barrieu Advogados na área de Direito Público
Sobre o Cescon Barrieu
O Cescon Barrieu é um dos principais escritórios de advocacia do Brasil, trabalhando de forma integrada em cinco escritórios no Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Brasília) e, também, em Toronto, Canadá. Seus advogados destacam-se pelo comprometimento com a defesa dos interesses de seus clientes e pela atuação em operações altamente sofisticadas e muitas vezes inéditas no mercado. O objetivo do escritório é ser sempre a primeira opção de seus clientes para suas questões jurídicas mais complexas e assuntos mais estratégicos. www.cesconbarrieu.com.br
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