Novos rumos para a preservação da Amazônia
Samuel Hanan**
A recente visita do
empresário Elon Musk ao Brasil recolocou na pauta de discussões a questão da
preservação da floresta amazônica. O homem mais rico do mundo veio apresentar
um projeto de sua empresa de satélites para levar internet banda larga a 19 mil
escolas da Amazônia e para fazer o monitoramento ambiental da floresta.
É legítimo que um
empreendedor tenha interesses comerciais no projeto, porque haverá
investimentos a serem feitos. E não deixa de ser uma boa notícia que o governo
brasileiro tenha demonstrado a ele enorme receptividade, mesmo considerando-se
o período pré-eleitoral em nosso país. É fato que o governo federal de há muito
virou as costas para a Amazônia, nada fazendo de concreto em favor da região.
Pelo contrário, com a recente redução do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) e outras medidas, tem atacado impiedosamente a única
âncora ambiental amazônica, a Zona Franca de Manaus, em flagrante
descumprimento à Constituição Federal (artigos 40, 92 e 92A do ADCT 1988) e aos
inúmeros julgados do Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, além de provocar
insegurança jurídica que abala a credibilidade internacional do país, tem
efeitos diretos sobre as empresas ali instaladas, responsáveis pela geração de
emprego e renda e pela fixação da população no estado.
Nossos governantes
parecem ignorar que a Amazônia representa quase metade (45,5%) do território
nacional, onde vivem 18,6 milhões de brasileiros, mas responsável por apenas 5%
do PIB nacional, apesar de sua enorme riqueza. Estamos falando da mais extensa
reserva florestal do planeta, com 82% de sua área intacta, e do maior banco
genético da Terra, onde se concentra mais de um quinto da disponibilidade de
água doce do mundo. Nesses 522 anos desde o descobrimento do Brasil, a
conservação da floresta é resultado mais das ações dos indígenas, dos caboclos
e dos ribeirinhos do que das medidas do Estado brasileiro, ineficiente no
combate ao desmatamento para a pecuária extensiva, à exploração ilegal de
minérios e garimpos e também ao contrabando de madeira. O “pode nada” previsto
na legislação, na prática se transforma no “pode tudo ilegal”,
configurando-se mais um
baque na credibilidade da nação perante a comunidade internacional.
Agora, a visita de Musk
e a recente declaração inédita do presidente norte-americano Joe Biden de que
as nações ricas e desenvolvidas (G10) deveriam pagar ao Brasil montantes de
recursos financeiros pela preservação da floresta jogam mais luz sobre essa
velha questão.
A conclamação feita por
Biden precisa ser entendida não como generosidade, mas por entender a
importância da preservação da Floresta Amazônica em pé para toda a humanidade.
Os efeitos negativos de sua destruição e os fenômenos climáticos, como se sabe,
não respeitam as fronteiras dos países.
Este é o momento de o
Brasil sair da inércia e aproveitar a oportunidade oferecida para propor um
ambicioso projeto envolvendo empresas globalizadas instaladas no Polo
Industrial Incentivado de Manaus como, por exemplo, Coca-Cola, Samsung, LG,
Gillette Bic, AB InBev e Honda, dentre tantas outras.
No espírito das
palavras do presidente norte-americano, proponho que produtos de penetração
mundial fabricados por essas empresas poderiam, praticamente sem ônus,
contribuir com recursos financeiros para financiar a preservação da Amazônia,
por meio de grandes campanhas de propaganda e marketing nas quais essas
corporações já investem milhões anualmente. Espera-se total adesão de seus
consumidores, face ao caráter humanitário e mundial da causa.
Como exemplo da
magnitude e alcance da proposta, se fosse cobrado apenas 1 centavo de dólar a
mais para cada lata de refrigerante de cola vendida no Brasil e exterior, a
título de financiamento desse projeto, a Amazônia teria garantidos US$ 6,8
bilhões por ano para monitoramento e investimentos em preservação. E isso
considerando-se apenas um produto. As possibilidades, portanto, são enormes.
Esses recursos
alimentariam um fundo administrado por um Conselho Gestor formado por
universidades, instituições científicas, Controladoria-Geral da União (CGU),
Tribunais de Contas, Ministério Público, Polícia Federal e governos federal e
dos estados da região da Amazônia, além de outros organismos multilaterais,
tudo absolutamente
transparente e periodicamente
auditado por empresa independente de renome internacional, a fim de se garantir
a lisura em sua aplicação.
Outra possibilidade é
um grande arranjo internacional de forma que os países desenvolvidos (G10)
passem a adotar tarifas preferenciais para a importação de produtos nativos da
Amazônia, de peixes a frutas, de sucos a essências naturais.
A região necessita da
geração de emprego e renda que também poderia ser fomentada com a realização,
no coração da floresta, dos grandes eventos mundiais de empresas líderes
mundiais como a Apple e as já citadas Coca-Cola, Samsung, LG, Gillette Bic, AB
InBev e Honda, ou de instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU),
do Banco Interamericano de Desenvolvido (BID) ou da Federação Internacional de
Futebol (FIFA). Seriam iniciativas de grande simbolismo e alavancadoras do
turismo ecológico. Uma verdadeira demonstração de que as nações podem
contribuir financeiramente para a conservação da floresta e uma mudança de
comportamento – do discurso para a prática –, de todas as nações que se
beneficiam da preservação amazônica, dada a importância do bioma para o mundo
todo.
Há um leque de
oportunidades que se abre com o discurso de Biden e a visita de Musk,
possibilitando um novo horizonte para a floresta e seus habitantes, sem riscos
para a soberania nacional e com a contribuição mundial para a conservação de
nosso maior patrimônio, objeto permanente da atenção externa, tudo em benefício
da Humanidade.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor do livro “Brasil, um país à deriva”.
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