Os perigos do tecnocentrismo na educação pós pandemia
Passado
o período crítico da pandemia, com o retorno presencial às aulas, três novos
problemas apareceram nas escolas: como aprender em situações de emergência,
quais estratégias para recompor o aprendizado perdido e como evitar uma visão
tecnocêntrica, na qual a tecnologia é vista como um passe de mágica para a
aprendizagem híbrida.
Estas
questões são analisadas na pesquisa educacional “Aprendizagem
Hibrida? Orientações para a regulamentação e adoção com qualidade, equidade e
inclusão”, realizada por pesquisadores brasileiros do
Transformative Learning Technologies Lab (TLTL), da Universidade de Columbia
(EUA), em parceria com a Fundação Telefônica Vivo, Dados para um Debate
Democrático na Educação (D3e) e Centro Lemann.
O
estudo alerta para a urgência da discussão sobre a aprendizagem híbrida e a
integração das tecnologias à educação. Diz que o acesso às plataformas
tecnológicas é um direito educacional básico para o pleno exercício da
cidadania e para o mundo do trabalho. Entretanto, esse acesso não mudará a
relação que estudantes têm com a escola, caso esteja dissociado dos demais
componentes do sistema, como a qualidade da pedagogia e dos materiais
didáticos, avaliação, conectividade e formação de professores.
Os
pesquisadores destacam os esforços da comunidade educadora brasileira durante a
pandemia e lançam um desafio: como passar das práticas emergenciais adotadas
durante a pandemia para o uso efetivo desses recursos tecnológicos em regime
permanente na escola.
Para
o diretor do TLTL, Paulo Blikstein, o que está acontecendo em muitas redes de
ensino hoje em dia é o risco de usar crianças e adolescentes como cobaias de
experiências tecnológicas, além de uma perda de qualidade disfarçada de
transformação digital.
"Nossas
crianças não podem ser cobaias de um grande experimento na educação híbrida.
Existem muitas organizações que estão usando essa linguagem da educação híbrida
para vender soluções ineficazes, que ainda são muito experimentais e que podem
terminar por destruir os nossos sistemas de educação, que já não estão tão bem
assim”, alerta.
Na
opinião dele, a educação híbrida depois da pandemia não pode ser “uma educação
à distância glorificada, não pode substituir a hora-aula na escola; ela tem que
realmente complementar a educação na escola". Segundo ele, é preciso ter
cuidado se não "a educação híbrida poderá aprofundar as desigualdades
educacionais no Brasil.
"O
que nós temos visto no Brasil é um desastre sem precedentes com a pandemia,
onde crianças perderam dois anos de escolaridade, o aumento significativo do
analfabetismo das crianças. Me preocupa a ideia de o aluno vai recuperar tudo
com uma tecnologia mágica, que vai ensinar três anos em um ano", afirma.
Blikstein
defende ações coordenadas de tecnologia, de formação de professores e formas
criativas e alternativas de tutoria nas próprias famílias e comunidades.
"Isso não é um esforço tecnológico. É um esforço de política pública que
vai demorar anos", diz.
O
estudo “Aprendizagem Hibrida? Orientações para a
regulamentação e adoção com qualidade, equidade e inclusão”
sugere três condições para uso da aprendizagem híbrida na educação brasileira:
- emergencial
com componente remoto: estratégias para situações de emergência, quando
a ida à escola não for possível. O objetivo é reduzir possíveis perdas de
aprendizagem e manutenção de vínculo com a comunidade escolar.
- recomposição
da aprendizagem com componente remoto: estratégias usadas após emergências
e/ou em cenários em que a recomposição da aprendizagem seja fundamental. A
finalidade é retomar e recompor a aprendizagem após situações emergenciais que
causem alterações significativas na rotina escolar ou em casos de grande
defasagem na aprendizagem, tal como vivemos atualmente, com a volta às aulas
presenciais durante a pandemia de Covid-19.
- períodos
regulares com foco na ampliação da oferta e inovação pedagógica: Utilizada em
momentos de estabilidade, aplicada sempre que possível. Nesse caso, a ideia é
permitir que os alunos trabalhem em projetos, experimentos e outras
experiências autênticas possibilitadas pela tecnologia.
Paulo
Blikstein adverte ainda que se o Brasil quiser uma aprendizagem híbrida de
qualidade terá que investir mais. "A educação híbrida é mais cara que que
a educação presencial porque é preciso fazer a educação presencial e a educação
adicional híbrida. É preciso construir dois sistemas", diz.
O
diretor do TLTL critica casos em que redes públicas implementem em massa novas
tecnologias sem base científica. "Vamos precisar de muito experimento, de
pesquisa, de coleta de dados, de análise objetiva criteriosa de dados, afirma.
“Muitas instituições vendem serviços para as redes públicas com o disfarce da
transformação digital, de que é moderno, é ótimo e empurram produtos que não
tem nenhuma evidência que funcionam", adverte. Segundo ele, antes de
adotar novas tecnologias, as redes precisam formar os professores, redesenhar
currículos e avaliar se as crianças estão aprendendo.
A
íntegra do estudo Aprendizagem Hibrida? Orientações para a
regulamentação e adoção com qualidade, equidade e inclusão pode
ser lida em
https://fundacaotelefonicavivo.org.br/wp-content/uploads/pdfs/Relatorio_AprendizagemHibrida.pdf
Nenhum comentário