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Fim do limite, mas manutenção da mordaça: o que podemos refletir sobre as recentes decisões da ANS


Recebi com entusiasmo a informação de que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ajustou o rol de procedimentos a fim de garantir a cobertura de sessões ilimitadas das terapias necessárias aos pacientes portadores de transtornos. A nova resolução passará a valer a partir de 1º de agosto de 2022.

Decisão acertada e que deve ser creditada ao movimento das famílias dos pacientes, que não medem esforços desde que o Superior Tribunal de Justiça decidiu manter o caráter taxativo do rol de coberturas obrigatórias dos planos de saúde. As famílias vêm dando visibilidade para a situação delicada na qual estão inseridas, uma vez que a decisão elevou a insegurança pelo acesso aos tratamentos oferecidos aos pacientes. Foram elas, ainda, que conseguiram ampliar a cobertura dos planos para usuários com transtornos globais do desenvolvimento, como Transtorno do Espectro Autista.

Agora, a restrição foi minimizada com a possibilidade das sessões ilimitadas. É, sem dúvida, um ganho. A limitação era incompatível com a complexidade do tratamento. Éramos, por exemplo, limitados a 12 sessões anuais de terapia ocupacional em um dos planos mais conhecidos, uma quantidade incompatível para garantir êxito. A decisão vai contribuir ainda para o fim da judicialização. Recorrer à Justiça é o recurso usado pelas famílias em busca de um número maior de sessões. Isso ocorre porque no Brasil o Estado não dá o que deveria dar: atendimento amplo e irrestrito à saúde. O gargalo foi entregue aos planos de saúde, que priorizam o lucro e focam na redução de custos.  

Mas muitas dúvidas ainda estão em curso, já que a decisão contempla apenas os portadores de doença ou condição de saúde listadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Além disso, quero chamar a atenção para o fato de a decisão reiterar a prescrição sob exclusividade do médico, o que retira dos terapeutas ocupacionais, psicólogos, fisioterapeutas a competência profissional de determinar a quantidade e o tipo de terapia a ser usada no tratamento.

A ANS foi taxativa: o atendimento passará a considerar a “prescrição do médico assistente”. Portanto, uma parcela significativa do grupo de profissionais responsável pelo atendimento global do paciente continua sem autonomia. Nós, terapeutas, continuamos amordaçados. Eu pergunto: se nós temos uma profissão validada, temos um conselho de classe regulamentador e ativo, por que sofremos tantas restrições assim? Deixo essa pergunta para que possamos refletir, principalmente agora que teremos sessões ilimitadas, que tornam nossa atuação muito mais próxima do paciente.

 

* Syomara Cristina Szmidziuk atua há 32 anos como terapeuta ocupacional, e tem experiência no tratamento e reabilitação dos membros superiores em pacientes neuromotores. Faz atendimentos em consultório particular e em domicílio para bebês, terapia infantil e juvenil, para adultos e terceira idade. Desenvolve trabalho com os métodos RTA e terapia da mão, e possui treinamento em contenção induzida, Perfetti (introdutório), Imagética Motora (básico), Bobath e Baby Course (Bobath avançado), entre outros.

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