Tudo está bem quando termina bem
*Por Luis Otavio Leal
Sempre que um documento do Banco Central
do Brasil (BCB) é divulgado, começa a discussão sobre se ele foi hawkish ou dovish. No caso da Ata da última reunião do
COPOM divulgada no dia 21, a resposta a essa pergunta depende do horizonte que
você está observando. No parágrafo 16 do documento, o BCB escreve: “Dessa
forma, a estratégia de convergência para o redor da meta exige uma taxa de
juros mais contracionista do que a utilizada no cenário de referência por todo
o horizonte relevante”. Para entender o que isso representa para a política
monetária e a nossa discussão hawkish/dovish, temos que, primeiro, ver o que
nos diz o tal “cenário de referência”.
O BCB diz na Ata que esse cenário
considera que os juros fechem 2022 a 13,25% a.a., 2023 em 10,00% a.a. e 2024 em
7,5% a.a. Ou seja, a interpretação direta do texto acima é que o COPOM trabalha
com uma curva de juros superior àquela projetada pelo mercado. Aqui entra a
questão temporal. Sobre a próxima reunião, o BCB diz: “Para a próxima reunião,
o Comitê antevê um novo ajuste, de igual ou menor magnitude”. Portanto,
considerando que 13,25% a.a. são os juros atuais depois da alta da última
reunião, dizer que o cenário do BCB estima um nível acima deste para o final do
ano pouco nos diz sobre o que vai acontecer na reunião de agosto (03/08). Tanto
13,50% a.a. (aumento de menor magnitude) quanto 13,75% a.a. (aumento de igual
magnitude) preencheriam este “requisito”. Dessa forma, para essa janela de
curto prazo, podemos dizer que a Ata foi neutra. Tanto que a palavra mais
ouvida nos comentários sobre a interpretação do final do ciclo após a leitura
do documento foi “reforça”. Ou seja, quem estava com 0,25 p.p. de alta em
agosto manteve a sua projeção, o mesmo acontecendo com que previa 0,50
p.p.
Entretanto, se isso é verdade para o fim
deste ano, o mesmo não se pode dizer para 2023 e 2024. Ao escrever que “(...) a
estratégia de convergência para o redor da meta exige uma taxa de juros mais
contracionista do que o utilizado no cenário de referência por todo o horizonte
relevante”, o BCB mexe com as quedas esperadas nas taxas para os próximos anos,
com duas implicações básicas. A primeira seria uma estratégia de comunicação.
Dizendo que vai manter os juros elevados por um período longo de tempo, e acima
do que o está precificando, o BCB induz o mercado a elevar os juros para os
prazos mais longos, exatamente aqueles que são relevantes para a formação das
taxas de crédito. Portanto, o BCB aperta as condições financeiras sem precisar
mexer nos juros básicos.
A segunda implicação é reforçar a
estratégia, já externada por alguns dirigentes do BCB, de fazer um ciclo
monetário mais suave. Ou seja, subir menos os juros, mas, em contrapartida,
mantê-los altos por um período mais longo de tempo. A nossa percepção de que a
elevação da Selic em agosto será de 0,25 p.p., e não de 0,50 p.p., chegando à
13,25% a.a., patamar no qual deverá permanecer durante boa parte de 2023. Mas,
a despeito da indicação de parada na próxima reunião, ele poderia surpreender e
continuar o processo de alta de juros? Não acreditamos nessa
possibilidade.
Uma “regra” não escrita pelos banqueiros
centrais é que não se aumentam os juros perto de eleições. Isso vale tanto para
um BC noviço na independência formal como o nosso quanto para um que tem
décadas de operação dentro desse arcabouço institucional, como o BC americano,
que só “quebrou” essa regra apenas uma vez em toda a sua história, em
2004.
Outra questão que também poderá ser
levantada é se o ciclo de altas, interrompido em setembro, não poderia ser
retomado após as eleições? No Brasil já tivemos precedentes anteriores com
Henrique Meirelles (2010) e Alexandre Tombini (2014). A nossa resposta seria
não. Já dissemos que, “ao contrário do passado, dessa vez acreditamos que o BCB
vai se beneficiar de uma política monetária mais apertada nos EUA. Quanto mais
rápido eles debelarem a inflação deles, melhor para nós”. O que embala esse
vaticínio é a certeza de que boa parte da inflação brasileira é importada,
conclusão essa que dividimos com o BCB em carta enviada ao ministro da
Economia, Paulo Guedes, para explicar o porquê da inflação em 2021 ter ficado
acima do teto da meta de inflação. O BCB,entre várias justificativas, afirma
que 69,4% do desvio do IPCA com relação ao teto da meta deveu-se à inflação
importada. Obviamente que, dentro da “inflação importada”, estão itens como
combustível, que tem um “quê” de independência com relação à política monetária
mundial, mas outros, como os Bens Industriais, têm tido impacto relevante tanto
na inflação local quanto na externa.
No Brasil, esse grupo acumula 13,98% nos
últimos 12 meses, número não muito longe dos 13,70% da Zona do Euro e dos 8,7%
dos EUA. Ou seja, a questão da inflação dos Bens Industriais é mundial e tem
relação com a combinação de uma demanda aquecida com problemas nas cadeias de
suprimentos. Portanto, a partir do momento em que questões como a dos Bens
Industriais começam a ser endereçadas pelos principais BCs mundiais, o BCB será
beneficiário e terá aliados de peso no combate à inflação local.
A conclusão final é que, apesar de a Ata
não ser um documento “definitivo” para determinar para onde vão os mercados, no
fim ela trouxe algumas indicações importantes. A primeira, que já transparecia
nos documentos anteriores do BCB, é que ele acredita que já fez o que tinha que
fazer em termos de alta dos juros. Por isso vemos um viés para baixo na
indicação de que ele vai subir as taxas em magnitude igual ou menor do que os
0,50 p.p. da reunião de junho. Com isso, mantemos a nossa projeção de que o BCB
vai elevar os juros em mais 0,25 p.p., para 13,50% a.a., na reunião de agosto,
sendo esta a última elevação desse ciclo. Talvez, mais importante do que isso:
a confirmação de que o BCB prefere subir menos os juros e mantê-los elevados
durante um período significativo de tempo muda a nossa projeção para os juros
em 2023. Anteriormente, acreditávamos que ele poderia iniciar o processo de
redução das taxas a partir do segundo trimestre do ano, fechando 2023 a 10,00%
a.a. Entretanto, com essa indicação da Ata, acreditamos que ele só irá iniciar
a redução dos juros no segundo semestre, fechando o ano em 11,50% a.a.
*Luis Otavio Leal é economista-chefe do Banco Alfa
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