Violência (oculta) contra a mulher
Por Ana Travassos
Nos últimos dias nos deparamos com
notícias que mais parecem sair de um mundo distópico ficcional, mas
infelizmente elas são reais. Segundo os dados do Fórum de Segurança Pública
Brasileiro de 2021, apenas entre março de 2020, mês que marcou o início da
pandemia de Covid-19 no Brasil, e dezembro de 2021, último mês com dados
disponíveis, foram 2.451 feminicídios e 100.398 casos de estupro e estupro de
vulnerável de vítimas do gênero feminino.
A Lei Maria da Penha prevê que a
violência contra a mulher pode ser física, psicológica, moral, sexual e
patrimonial. Casos como o do estupro durante cirurgia, feminicídio por ciúmes,
agressão em local de trabalho e tantos outros que se tornaram frequentes nos
noticiários são um alerta para a sociedade de que todas essas formas de
violência não podem passar despercebidas, nem aceitas ou ocultadas.
Como médica, em pronto atendimentos,
presenciava com alguma frequência esses acontecimentos que eram sempre
denunciados, mas e os que não chegam ao conhecimento de alguém que possa fazer
esse relato? E as mulheres que têm medo ou são chantageadas e, por algum tipo
de relação de dependência, não têm como fazer a denúncia?
Também devemos ter consciência que o
problema da violência vai além de fraturas, lesões, hematomas, cortes,
sangramentos, feridas e cicatrizes visíveis. As marcas ‘invisíveis’ podem ser
muito mais profundas e duradouras que as que conseguimos ver. Dados do
Ministério da Saúde mostram as consequências de abusos físicos e psicológicos:
mulheres vítimas de violência, seja física, sexual ou mental, têm um risco de
mortalidade oito vezes maior que o da população feminina geral e 11 vezes mais
risco de cometer suicídio.
Só teremos uma sociedade mais justa,
segura e com maior empoderamento feminino quando as pessoas, todas elas, derem
um basta nestas situações e delatarem todas as formas de violência.
Precisamos, como sociedade, ter
posicionamento e voz e não aceitar qualquer tipo de violência. Também vale
salientar que a mulheres violentadas repetidas vezes têm 7 vezes mais chances
de morte, de violência sexual 5,7 vezes e a psicológica 5,4 vezes, daí a
importância da denúncia, que pode ser anônima.
Se queremos um mundo melhor, precisamos
começar a transformação em cada um de nós, pois o mundo não muda sozinho, muda
quando somadas pequenas atitudes. Ela não é fácil e não é indolor, mas se
queremos evoluir, ela é necessária. Precisamos ter a coragem de nos posicionar,
de falar, de dizer não e de não aceitar o que é errado. Entre a escolha do que
é fácil e o que é certo e justo, precisamos escolher o certo.
*Ana Travassos é médica endocrinologista pediátrica e, como escritora de distopias, é conhecida por Anne C. Beker.
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