"Great times are coming": os desafios dos veículos elétricos no Brasil e no mundo
Antonio Ticianeli - Especialista em Regulação e Mercado
de Petróleo de Derivados
Divulgação
“Great times are coming” é uma expressão
da língua inglesa que significa que grandes acontecimentos estão por vir;
normalmente em um curto espaço de tempo. Esta conotação faz com que a expressão
abarque consigo uma aura de altas expectativas, causando um furor no grande
público, ou seja, ansiedade ou frenesi.
É o que se pode constatar com a chegada
dos veículos elétricos, tão em alta no mercado global, em substituição aos
veículos convencionais a combustão. Obviamente, em um primeiro momento, os
ganhos que esse tipo de veículo podem ofertar ao meio ambiente em relação à
redução das emissões atmosféricas é algo extremamente substancial e totalmente
alinhado às diretrizes internacionais como o NETZERO1, os ODS2
e da Agenda 2030 da ONU (Organização das Nações Unidas). Entretanto, seriam os
carros elétricos uma solução imediata e remida de efeitos adversos ao meio
ambiente? E além disso, estaria o mundo atual pronto para aplicar essa solução
na escala requerida para atendimento dessas demandas ambientais?
Seria uma total insensatez dizer que o
futuro do nosso planeta não passará pelos veículos elétricos, mas - e aqui cabe
um “MAS” com letra maiúscula, talvez o mundo não esteja pronto para recebê-los
e não entenda na completude os seus eventuais impactos ambientais.
Os governos e as grandes corporações
cada vez mais têm se direcionado no sentido de, a curto prazo, reduzir
substancialmente as emissões e, a longo prazo, atingir as emissões de nível 0,
ou carbono neutro. Porém, esses avanços não estão caminhando lado a lado com a
infraestrutura mínima necessária para a implementação em larga escala dos
veículos elétricos, especialmente no Brasil.
As tecnologias mais atuais dos veículos
elétricos têm autonomia de 400 a 630 km, segundo o ranking da Webmotors, sendo
os veículos de maior autonomia aqueles de valores muito elevados e fora do
poder de compra de grande parte da população nacional. Dessa forma,
apresentam-se aqui dois grandes desafios.
O primeiro, de cunho econômico, pois
mesmo diante do incentivo do governo federal, através do programa Rota 2030 que
incentiva a fabricação e aquisição de veículos elétricos com impostos
reduzidos, (variando entre 7% e 20%), esses veículos mantém o preço de venda
bem acima dos veículos a combustão. Um veículo elétrico custa hoje a partir de
140 mil reais e um veículo a combustão simples a partir de 60 mil reais. Ou
seja, a questão econômica é um grande impeditivo para que esses carros sejam
adquiridos em larga escala. Essa dificuldade de aquisição faz com que a lei da
escalabilidade da tecnologia demore a ser aplicada, retardando a sua
pulverização e retendo os preços dos carros em alta.
O segundo, de cunho operacional, repousa
sobre os grandes trajetos rodoviários brasileiros, que facilmente atingem
distâncias superiores a 400 km. Para se ter uma ideia, o Brasil tem hoje cerca
de 75.500.000km de rodovias espalhadas em todo o território, dos quais 13% são
rodovias não pavimentadas. O incremento na utilização de veículos elétricos
requer a instalação de pontos de carga rápida ao longo das rodovias que, em sua
maioria, já se encontram a ermo, carecendo de manutenções mínimas. Agora,
imagine a complexa implantação de uma rede de recarga ao longo dessa extensa
malha viária.
Além disso, existe um ponto importante
diretamente ligado à questão ambiental. E, para esta análise, vamos retirar a
lente de aumento do mercado brasileiro e vamos voltar ao mercado global. O tema
ambiental referente aos carros elétricos é um tema multicamadas. O que isso
significa? Significa que existem algumas ponderações que transladam em sua
órbita e se relacionam diretamente ao futuro desta tecnologia. A camada mais
externa se relaciona propriamente com as matrizes energéticas. No Brasil, o
carro elétrico sem dúvida alguma seria uma grande alternativa; quase metade da
nossa matriz energética é de fonte renovável e a maioria avassaladora da
eletricidade gerada no país vem de hidrelétricas. Neste caso, as emissões de
carbono seriam reduzidas de forma substancial, porque o combustível fóssil
seria substituído por emissões zero, não demandando subsídios adicionais de
fontes energéticas fósseis. Contudo, se analisarmos a matriz energética
mundial, em que 85% vêm de fontes não renováveis e a sua matriz energética vem
de fontes geradores de emissões, o aumento dos carros elétricos não surtiria o
mesmo efeito. Isso demandaria que mais emissões de carbono fossem geradas para
suprir a necessidade energética adicional desses veículos.
Em uma camada mais interna, temos a
questão dos elementos metálicos que compõem as baterias de íon lítio como, por
exemplo, o cobre, cobalto e neodímio. Estes metais em sua extração impactam o
meio ambiente através da sua exploração, pelo desmatamento de áreas e
potenciais contaminações de solos e águas. Posteriormente, em sua produção, as
baterias de íon lítio liberam consideráveis quantidades de monóxido de carbono,
um importante contribuinte do efeito estufa. Segundo o IFEC (Instituto de
Fraunhofer de Física de Construção), cada kw/h de capacidade elétrica da bateria
de íon Lítio corresponde à emissão de 125 kg de CO2 (Dióxido de
Carbono) na atmosfera. Outro problema latente do consumo dessas baterias é
relativo ao descarte e reciclagem, que geram substanciais quantidades de
emissões atmosféricas no seu processo de recuperação, produzindo quantidades
consideráveis de gases poluentes.
Evidentemente, o que se deseja não é
desestimular ou pregar contra os veículos elétricos e tecnologias alternativas
de baixas emissões atmosféricas. Mas sim, demonstrar que todas as tecnologias
apresentam seus prós e contras e, desta forma, cabe à sociedade compreender a
plenitude do seu microverso e como isso pode ser aplicado sem que haja maiores
danos ao meio ambiente ou na criação de problemas adicionais e/ou inéditos.
O pensamento para o futuro próximo é que
se utilizem as más experiências como métrica das ações futuras, permitindo que
haja uma implementação gradativa e responsável de novas tecnologias.
Talvez, o mais adequado para este
momento, enquanto não se consegue resolver esses problemas latentes aos
impactos dos veículos elétricos, seja o investimento em “green fuels”, que são
combustíveis de baixo impacto ambiental e mais eficientes energeticamente,
sendo provenientes de fontes carbônicas, renováveis ou não, ou até combustíveis
hidrogênicos.
Definitivamente, é algo a se pensar, mas
com muito ainda a se concluir!
* Antonio Ticianeli - Engenheiro
Químico e Especialista em Energia, Regulação e Mercado de Petróleo de
Derivados
- Net zero é o compromisso de
reduzir as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. A expressão
completa é net zero carbon emissions (zero emissões líquidas de carbono,
em tradução livre).
- Os objetivos de Desenvolvimento Sustentável são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade.
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