Os desafios acerca da regulamentação da cannabis no Brasil
Por Thiago Dessena Cardoso
No Brasil, ainda há pouco apoio e
pressão necessários para a aprovação de novas regulamentações envolvendo a cannabis.
Isso porque, há anos, convivemos com uma ideia errônea de que a planta faz com
que as pessoas se tornem violentas, percam neurônios, ou até mesmo de que é uma
porta de entrada para outras drogas. A regulamentação não avança no país por
diversos fatores, mas podemos dizer que o principal deles é o estigma em torno
do tema.
Hoje, o cenário em relação aos
medicamentos derivados da cannabis no Brasil é complexo. O tratamento médico à
base desses produtos não é proibido, contudo, a matéria-prima não pode ser
cultivada em solo brasileiro, tendo que ser importada de outros países. Isso
foi determinado pela Anvisa por meio das primeiras RDCs 17/2015, 327/2019 e
335/2020.
Ainda há muita resistência nesse próprio
órgão e no Congresso Nacional em relação ao cultivo, pois muitos acreditam que
isso abriria portas para uma regulamentação do uso adulto no Brasil, e que não
existe um preparo estrutural no país para controlar o funcionamento dessas
plantações. Os exemplos de outras nações que implementaram o cultivo para fins
medicinais, além da descrição do PL 399 que visa viabilizar o plantio no país,
mostram como essas duas suposições são precipitadas.
É uma pena que tenham tantas limitações,
porque todas as esferas da sociedade poderiam ser impactadas com uma regulamentação
mais ampla. A cannabis para uso medicinal, por exemplo, atingiria diretamente
milhares de pessoas e famílias, trazendo mais saúde e melhores condições de
vida. Economicamente, poderia proporcionar um mercado capaz de movimentar
bilhões de reais, podendo ser revertidos para políticas públicas sociais,
ambientais, educacionais, entre outras.
O mercado legal de maconha movimentou,
ao menos, R$130 milhões no Brasil, valor que se refere apenas aos medicamentos
auditados pela Anvisa, o que representa uma parte dos produtos vendidos em
território nacional.
Plantar cannabis no Brasil poderia
significar democratizar o tratamento à base do ativo. O cultivo seria uma forma
de tornar os produtos à base de cannabis mais financeiramente acessíveis,
porque os insumos seriam fabricados do zero no país. Hoje, a maioria dos
pacientes precisa importar derivados ou comprar aqueles que estão disponíveis
nas farmácias, mas que ainda são produzidos com insumos do exterior. Esse
processo encarece os produtos, já que há uma taxa de importação e é preciso
considerar a moeda de conversão, que costuma ser desfavorável para o
brasileiro.
Mas, para haver avanços na
regulamentação, precisamos enfrentar outros problemas além do estigma. Ainda
não há um amplo conhecimento sobre as propriedades terapêuticas da cannabis,
especialmente em relação àquelas proporcionadas pelo tetrahidrocanabinol (THC)
— principal substância psicotrópica encontrada na planta –, o que é
consequência de uma população carregada de preconceitos sobre o tema, que acaba
por não buscar informações corretas Além disso, o conservadorismo, por vezes
regido por crenças religiosas, presente na sociedade e nos poderes Legislativo,
Judiciário e Executivo, apesar da laicidade do Estado, impede o desenvolvimento
de propostas e leis acerca da cannabis.
Por outro lado, vemos um movimento claro
de países vizinhos querendo entrar ou se desenvolver no mercado da cannabis,
como Colômbia, Chile e Paraguai. O Brasil vem percebendo esses sinais e,
eventualmente, deve acabar cedendo às mesmas mudanças, já que seria uma perda
econômica enorme para o país por conta de seu potencial de cultivo e fabricação
de produtos à base do ativo.
Até então, é preciso desconstruir o
preconceito que existe acerca da cannabis, algo que cientistas, ativistas e
alguns governos vêm tentando fazer. Afinal, é importante lembrar que a planta
faz parte da humanidade desde a antiguidade, quando já era usada de forma
medicinal, recreativa e industrial.
Thiago Dessena Cardoso é cofundador e CIO da Kaya Mind, primeira empresa brasileira
especializada em dados e inteligência de mercado no segmento da cannabis, do
cânhamo e de seus periféricos. Atua como chefe do time de inteligência de
mercado e dados, além de ser o Data Protection Officer da companhia.
Formado em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, sempre trilhou sua carreira profissional guiado por dados, análises e evidências para orientar as melhores decisões em diferentes contextos.
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