O Legislativo que queremos e o Brasil precisa
Samuel Hanan*
Muito se cobra dos
ocupantes do maior cargo do Executivo nacional – a Presidência da República –
as medidas necessárias para o Brasil retomar o ritmo do desenvolvimento
socioeconômico, de forma mais justa, consistente a ambientalmente responsável,
para oferecer condições de vida digna aos cidadãos. Erroneamente, porém, muito
pouco se exige dos ocupantes do Parlamento – deputados federais e senadores – a
respeito do cumprimento de seu papel constitucional.
É inegável que os
parlamentares podem, nos limites de suas atribuições, dar importante
contribuição para a transformação que o País reclama, diante do quadro atual de
aumento da pobreza e das desigualdades sociais e regionais, do agravamento da
violência, da corrupção irrefreada, da depauperação da qualidade de vida.
Tão importante quanto o
papel fiscalizador do Executivo que lhes cabe, deputados federais e senadores
detêm o poder de propor e aprovar mudanças legislativas. E o Brasil precisa de
muitas delas, em caráter urgente, para a correção de distorções implantadas ao
longo do tempo e que se transformaram em verdadeiros entraves ao
desenvolvimento e cristalizaram sérios prejuízos ao cidadão.
Uma das mais
importantes seria propor a redução drástica da tributação sobre consumo de
gêneros alimentícios, medicamentos, produtos de higiene e limpeza, vestuário,
materiais básicos de construção, energia elétrica, óleo diesel e gás de
cozinha, todos de grande impacto no bolso do brasileiro. É possível reduzir em
20% a tributação sobre esses produtos, por meio da compensação com outras
receitas na ordem de R$ 125 bilhões/ano, considerando-se que atualmente 44% das
receitas públicas são oriundas do consumo e que a esses produtos correspondem a
45% da arrecadação desse segmento.
Sempre respeitando as
competências constitucionais, outra proposta relevante seria a de obrigar o
governo federal a fazer a correção anual das tabelas do Imposto de Renda da
Pessoa Física. Na verdade, isso significaria cumprir a Constituição, uma vez
que é vedado aumentar tributos sem lei autorizativa e, ademais, deve ser
respeitada a capacidade financeira dos contribuintes, o que hoje é ignorado.
O Congresso também precisa enxergar o prejuízo causado pelas renúncias fiscais
da forma como são concedidas atualmente – com desrespeito à previsão
constitucional de servir à redução das desigualdades sociais e regionais -,
proibindo essa prática totalmente discricionária, sem temporariedade e sem
transparência.
Não faltam argumentos
em favor dessas mudanças. O custo estimado da corrupção, somado ao custo do
funcionalismo – hoje de 13,4% do PIB – e acrescido dos gastos tributários e do
valor das renúncias tributárias ilegítimas atinge a gigantesca cifra de R$ 800
a R$ 900 bilhões/ano. Isso é suficiente para compensar em algumas vezes o
montante necessário para a redução da tributação sobre o consumo e para pagar a
correção anual das tabelas do Imposto de Renda da Pessoa Física.
Fora do âmbito
tributário, o Legislativo Nacional deveria atuar para eliminar a possibilidade
de reeleição para cargos executivos, admitindo-se a ampliação dos mandatos dos
atuais 4 anos para 5 anos. A reeleição é uma experiência que se mostrou
desastrosa, uma vez que o vencedor da eleição começa a pensar em sua recondução
já no primeiro dia em que assume o cargo. Isso leva, inevitavelmente, à
construção de governos de cooptação, nos quais acordos políticos espúrios são
mais frequentes que planos de metas. Mandatos mais longos, sem o instrumento da
reeleição, seriam mais eficientes e dariam aos governantes tempo suficiente
para executarem seus planos de governo, seus projetos e suas obras, o que nem
sempre é possível no mandato de 4 anos.
Outra medida
fundamental seria a aprovação de lei proibindo que parentes de primeiro, segundo
e terceiro graus figurem como suplentes na chapa de candidatos a senador, e
vices na chapa de candidatos a prefeito, governador e presidente. A permissão
legal hoje em vigor é convite ao nepotismo e favorece a corrupção porque em
caso de afastamento do titular do cargo em razão de improbidade administrativa,
a família – potencialmente beneficiada pelos malfeitos - continua no poder; um
contrassenso.
No mesmo sentido, os
parlamentares deveriam propor e aprovar a tipificação como crime de
responsabilidade a geração de déficit público primário por chefes do Poder
Executivo. É evidente que tal prática de maus gestores comprometem as receitas
públicas e inviabilizam investimentos em áreas prioritárias como educação,
saúde, saneamento, segurança e habitação. Tal tipificação, com vigência após
quatro anos – a título de adaptação – e pena de inelegibilidade por 20 anos
depois disso, seguramente inibiria uma prática hoje bastante comum em todo o
território nacional.
De igual modo, muito
salutar seria proibir gastos com funcionalismo público (ativos e inativos) que
ultrapassem 10% do Produto Interno Bruto nacional, percentual semelhante à
média dos 37 países da OCDE, também com enquadramento penal e pena de
inelegibilidade em caso de descumprimento.
É preciso exigir dos
parlamentares menos corporativismo e mais coragem para se dedicar a temas
sensíveis à nação, como a proibição de orçamento secreto e de qualquer outro
mecanismo que não seja transparente.
Um Parlamento
verdadeiramente preocupado com os principais gargalos do desenvolvimento faria
uma mudança legislativa para restringir drasticamente o instituto do foro
privilegiado, hoje escudo de impunidade que protege cerca de 55.000 ocupantes
de cargos públicos, abrangência sem similar no mundo. O ideal seria limitar o
instituto aos chefes dos Três Poderes e, ainda assim, excluindo os crimes
praticados contra a administração pública. Ou mesmo aprovar proposta de emenda
constitucional que tramita desde 2017 e restringe o foro privilegiado apenas
para cinco cargos: presidente da República, vice-presidente da República, o
chefe do Poder Judiciário e os presidentes da Câmara e do Senado Federal, e
apenas para crimes ocorridos durante o exercício do mandato e em decorrência do
próprio mandato.
Deputados e senadores
precisam trabalhar para reduzir a sensação de impunidade que permeia a
sociedade brasileira e estimula práticas criminosas. Um bom caminho é legislar
para restabelecer a possibilidade de prisão em segunda instância após
condenação por decisão colegiada do Judiciário. É necessário, ainda, criar lei
proibindo a candidatura a cargos públicos de qualquer pessoa que seja ré
(também por decisão colegiada) em razão de prática de crime contra a
administração pública, seja por corrupção, peculato ou participação em organização
criminosa.
São medidas
imprescindíveis para o Brasil mudar o rumo e se transformar em uma nação menos
injusta socialmente, com maior responsabilidade administrativa, menos
corrupção, menos fome, mais segurança, mais emprego e maior poder de consumo das
classes hoje com menor poder econômico.
Não há dúvidas de que
haveria reflexos muito positivos para o crescimento consistente do PIB, para oi
aumento do PIB per capita, para o aumento do consumo, para a geração de emprego
e renda, para a melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e do
coeficiente GINI, modelo matemático utilizado para medir a desigualdade social.
O período eleitoral, no
qual os candidatos se apresentam aos eleitores, é um momento propício a essa
reflexão. O processo de tornar o Congresso uma instituição muito melhor do que
é exige o olhar mais atento da grande mídia e, principalmente, o mea-culpa da
própria classe política. Critérios mais rígidos nas exigências para a filiação
partidária e maior austeridade na homologação de candidaturas ao Legislativo,
aliás custeadas com dinheiro público por meio do Fundo Eleitoral, seriam muito
benéficos ao país. Olhar o passado é um bom termômetro para avaliar o presente.
E construir o futuro com bases mais criteriosas resgataria a credibilidade
popular nos políticos e fortaleceria a democracia.
O Legislativo precisa,
enfim, assumir o compromisso definitivo de apoio ao desenvolvimento nacional
sem desviar um milímetro de suas funções constitucionalmente definidas. Mas,
para isso, deputados e senadores necessitam enxergar os brasileiros como
detentores de direitos e não apenas como eleitores em potencial.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
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