Trava de 30% na compensação de prejuízos: o que tem a ver com a realidade das empresas?
Por Cristina Frota*
A trava de 30% na compensação de
prejuízos fiscais é utilizada para as empresas do regime tributário do lucro
real que tiveram perdas financeiras. Isso significa que, quando as empresas têm
prejuízo fiscal, a Lei n. 8.981/95 dispõe que estas somente podem compensar
esse prejuízo no percentual de 30% sobre o resultado positivo do ano
subsequente e em cada ano base seguinte. Essa limitação aplica-se, igualmente,
à apuração da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL).
E o que acontece na prática real das
empresas? Essa limitação de 30% é justamente para garantir que a União arrecade
e que, ao mesmo tempo, a pessoa jurídica contribuinte tenha o direito de
compensar parte do resultado negativo. A jurisprudência apresenta essa situação
como um benefício fiscal ao contribuinte, enquanto, na verdade, trata-se de
diferimento.
Exemplificando: uma empresa teve
prejuízo em um determinado ano. Diante disso, a postura do Estado, para não ter
prejuízo na arrecadação dos tributos devidos, é “parcelar” somente 30% daquilo
que o contribuinte tem direito de abater no resultado positivo nos anos
subsequentes do Imposto de Renda (IR) e da CSLL. Assim, o valor é dividido de
30% em 30% sobre o resultado positivo do ano para que a União consiga manter a
arrecadação e o contribuinte mantenha o direito de compensar o prejuízo nos
próximos anos.
No caso de empresas que encerram as suas
atividades, como em procedimentos de cisão, fusão e incorporação, discute-se se
esta trava de 30% não poderia ser mitigada. Por quê? Porque seria usado todo o
prejuízo na última declaração da empresa, afinal não haverá mais renda futura
para, de um resultado positivo, compensar 30% do prejuízo a cada período.
Portanto, findando as suas atividades, a empresa não deveria aplicar a trava,
pois já não há mais renda/lucro líquido. Nesse caso, se deixaria aberto para a
empresa tomar todo o prejuízo acumulado que obteve e abater do IR e da CSLL do
último ano do seu funcionamento.
A recente decisão da 1ª Câmara Superior
do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que afastou a trava de
30% para aproveitamento de prejuízo fiscal do IRPJ e base negativa de CSLL para
empresas encerradas, mostrou-se muito positiva para o contribuinte na medida em
que alterou o entendimento consolidado pelo Conselho, desde 2009, o qual
obstava a possibilidade de mitigação da aplicação da trava.
Em acórdão de setembro de 2021 (n.
9101-005.728-CSRF/ 1ª Turma), podemos observar o voto do relator desfavorável
ao contribuinte e amparado na argumentação de que a legislação vigente não
tratava de nenhum aspecto sobre o assunto, ou seja, não dispunha sobre a
mitigação da trava de 30% para as empresas que estariam se encerrando. Logo, se
a legislação não abordava a questão, a trava deveria ser aplicada, inclusive,
para as empresas que estariam findando as suas atividades.
Porém, o voto vencedor está fundamentado
no princípio da continuidade da pessoa jurídica, ou seja, a não perpetuação da
empresa no tempo consolidaria uma clara hipótese de mitigação da aplicação
trava, aproveitando-se a totalidade do prejuízo fiscal.
Dessa forma, ficou estabelecido que a
trava de 30% se aplica “apenas
enquanto for contínua a atividade da mesma entidade, permitindo a existência de
períodos posteriores de apuração tributária”, o que significa que a
trava deve ser afastada diante da extinção da pessoa jurídica, ainda que por
cisão, fusão ou incorporação.
Esse é justamente um ponto interessante
apresentado pelo relator ao declarar que, se no último IR da empresa não for
liberada a trava, haverá incidência de IR no balancete final, o que acaba
fazendo incidir o prejuízo não sobre o rendimento positivo da empresa, mas
sobre o patrimônio. Este ponto é uma consequência da não liberação da trava, ao
colocar o prejuízo sobre o patrimônio e não sobre a renda, o que desvirtuaria a
regra matriz da incidência do IR e do CSLL – renda e lucro líquido.
Pelo viés das empresas que terão encerradas
as atividades, não haveria lógica em permanecer com a trava. Por isso, o
entendimento recente do CARF é fundamental ao afirmar que, se a empresa não
continua, não há razão de manter a trava, afinal não haverá nada a ser
compensado no outro ano.
Trata-se, em suma, de uma questão de
Justiça tributária: há o direito de compensar os prejuízos até o ponto em que a
empresa e o Fisco não sejam prejudicados. A partir do momento em que se
encerram as atividades da empresa, é necessário compensar totalmente o
prejuízo.
Nessa seara, a assessoria jurídica pode
contribuir para que as empresas tenham os direitos tributários resguardados. O
primeiro ponto para essas organizações é se utilizar, a partir de uma tomada de
decisão do gestor, no último ano de IR, da compensação de todo o prejuízo
fiscal – tendo no horizonte a extinção seja por fusão, cisão ou incorporação.
Há risco? Há, porque o Fisco pode vir a autuar e, nesse caso, a assessoria
jurídica poderá atuar no momento da ação fiscal e em uma possível defesa e
recurso administrativo, demonstrando a necessidade de o prejuízo ser compensado
dentro da forma já realizada.
Em suma, é importante que o tema seja
discutido na seara do CARF e que o debate não ocorra, em primeiro momento, no
Judiciário, de preferência. A discussão no Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais é interessante e, ainda que conte com Câmaras, o entendimento tem uma
inclinação ao contribuinte. Temos decisões recentes que favorecem o cidadão e a
defesa consegue levar os argumentos para o processo administrativo de uma
melhor forma, com um diálogo mais proveitoso.
No Judiciário, ainda que haja uma
jurisprudência volátil, existe uma chance dessa esfera entender somente pela
aplicação da norma sem um olhar mais sensível. Ao não se obter uma vitória em
primeiro grau, o processo pode se arrastar por outras instâncias e se perpetuar
pelo tempo.
*Cristina Frota é advogada associada do
escritório Moreira Garcia. É especialista em Direito Tributário pela PUC de
Minas Gerais.
Sobre o Moreira Garcia e Weis Advogados Associados – Focado em advocacia trabalhista, tributária e empresarial/societária, o escritório Moreira Garcia Advogados Associados foi fundado em 2015 e apresenta aos clientes soluções por meio de estratégias consultivas e preventivas, além de oportunidades de negócio. A banca conta com profissionais com mais de 15 anos de experiência, apresentando amplo domínio em áreas do conhecimento que ultrapassam o campo jurídico e incluem contabilidade, tributação, acordos e negociações coletivas. A sede está localizada em Porto Velho, Rondônia, e a firma tem como sócios Flaviana Moreira Garcia e Diego Weis Júnior.
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