A base de cálculo do ITBI e a autoridade da decisão do Superior Tribunal de Justiça
O ITBI, Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis inter vivos, de competência Municípios, tem como critério material (fato gerador) a transmissão, a qualquer título, de bens imóveis.
Com efeito, Dispõe a Constituição
Federal:
Art. 156. Compete aos Municípios
instituir impostos sobre:
(…)
II – transmissão “inter vivos”, a
qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão
física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como
cessão de direitos a sua aquisição;
Sua base de cálculo foi determinada no
artigo 38 do Código Tributário Nacional:
Art. 38. A base de cálculo do imposto é
o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.
Mas, para a determinação da base de
cálculo do ITBI, o que seria o “valor venal”?
“É o valor de venda, ou o valor
mercantil, isto é, o preço por que as coisas foram, são ou possam ser
vendidas”.
Para Hugo de Brito Machado, o valor
venal é aquele que o bem alcançaria se fosse posto à venda, em condições
normais. “O preço, neste
caso, deve ser o correspondente a uma venda à vista, vale dizer, sem incluir
qualquer encargo relativo a financiamento.”
Entende-se, pois, como base de cálculo
do ITBI o valor do bem transmitido, que, em última análise, significa o valor
de mercado bem. Ou seja, a base de cálculo desse imposto deve refletir e corresponder
ao valor real da venda ou o valor do imóvel em condições normais de mercado.
E, a base de cálculo de um tributo tem
suma relevância. Alfredo Augusto Becker considerava-a o núcleo em torno do qual
gravitam os demais critérios formadores do fato jurídico tributário:
“Resumindo, o espectro atômico da
hipótese de incidência da regra de tributação revela que em sua composição
existe um núcleo e um, ou mais, elementos adjetivos. O núcleo é a base de
cálculo e confere o gênero jurídico ao tributo.
Os elementos adjetivos são todos os
demais elementos que integram a composição da hipótese de incidência. Os
elementos adjetivos conferem a espécie àquele gênero jurídico de tributo.”
Vários Municípios brasileiros, porém,
passaram a adotar como base de cálculo do ITBI valores diversos.
De início, ignoram as informações
prestadas pelos contribuintes quanto aos valores envolvidos nas transações
imobiliárias.
Desrespeitando as normas constitucionais
e legais voltadas ao ITBI, os Poderes Executivos Municipais criaram procedimentos
e pautas fiscais, estabelecendo o “valor venal” para o ITBI de ofício. Criaram,
pois, base de cálculo fictícia, amparando-se em critérios discricionários, sem
qualquer fundamento técnico.
Quase sempre, esses “procedimentos”
acabam por elevar o “valor venal” acima do valor real da transação imobiliária,
o que implica na majoração ilegal da base de cálculo do ITBI.
Essa situação acaba por gerar grave
conflito entre os contribuintes e os Fiscos Municipais.
Nesse caso, razão assiste aos contribuintes.
Como já dito, a base de cálculo do ITBI é o valor real da venda do imóvel ou de
mercado. Os Municípios não podem criar, ex
officio, tabela de valores para definir a base de cálculo do ITBI.
Diante do desrespeito às normas
constitucionais e legais que tratam desse imposto pelos Municípios, os
contribuintes passaram a buscar o afastamento dos valores estabelecidos pelas
Prefeituras, por meio da tutela jurisdicional.
De fato, milhares são os processos
judiciais tramitando que têm por objeto a base de cálculo do ITBI
estabelecida ex officio pelo
Poder Executivo Municipal.
Chamado a exercer sua competência
constitucional, o Superior Tribunal de Justiça julgou Recurso Especial
Repetitivo representativo da controvérsia (RESP 1.937.821/SP – DJe 03.03.2022),
por meio de sua 1.ª Seção, sendo Relator o Ministro Gurgel de Faria.
Nele, ficou decidido que “Em face do princípio da boa-fé
objetiva, o valor da transação declarado pelo contribuinte presume-se
condizente com o valor médio de mercado do bem imóvel transacionado, presunção
que somente pode ser afastada pelo fisco se esse valor se mostrar, de pronto,
incompatível com a realidade, estando, nessa hipótese, justificada a
instauração do procedimento próprio para o arbitramento da base de cálculo, em
que deve ser assegurado ao contribuinte o contraditório necessário para
apresentação das peculiaridades que amparariam o quantum informado (art. 148 do
CTN).”
Quanto à tabela de valores determinada
pelas Prefeituras, o Superior Tribunal de Justiça decidiu ser esta ilegal, por
violação ao art. 148 do CTN. Disse a Corte Superior: “A prévia adoção de um valor de
referência pela Administração configura indevido lançamento de ofício do ITBI
por mera estimativa e subverte o procedimento instituído no art. 148 do CTN,
pois representa arbitramento da base de cálculo sem prévio juízo quanto à
fidedignidade da declaração do sujeito passivo.”
O STJ firmou as seguintes teses: a) a
base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de
mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode
ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo
contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que
somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo
administrativo próprio (art. 148 do CTN); c) o Município não pode arbitrar
previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por
ele estabelecido unilateralmente.
Contudo, no dia 14.09.2022, o portal
“JOTA” (https://www.jota.info/) publicou
notícia de que os Grandes Municípios, como São Paulo e Rio de Janeiro, não tem
obedecido à decisão do STJ.
Os argumentos dos Municípios, explanados
por meio da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais
(Abrasf) são: 1. a decisão do STJ valeria apenas para o caso de arrematação de
imóveis em hasta pública, já que o processo analisado como repetitivo trata
deste tema; 2. não há trânsito em julgado, uma vez que pende de julgamento
Recurso Extraordinário interposto objetivando a reforma do Acórdão proferido no
RESP 1.937.821/SP.
Há de se destacar, aqui, a fundamentação
do Acórdão proferido pelo STJ no RESP 1.937.821/SP. Esta diz respeito à base de
cálculo do ITBI. Não se limita apenas aos casos que envolvam arrematação. Foi
realizado o exame da legislação nacional para se concluir pela ilegalidade das
pautas fiscais estabelecidas pelos Municípios, para fins de definir a base de
cálculo do ITBI.
No mais, após a decisão do STJ, não há
qualquer questão constitucional envolvida. O Supremo Tribunal Federal, em
várias oportunidades, decidiu ser a questão da base de cálculo do ITBI matéria
infraconstitucional. Inclusive, em 2018, decidiu, a respeito, o Tema 993 da
Repercussão Geral (ARE 1.122.122/SP).
Confira-se sua Ementa:
“Recurso extraordinário com agravo.
ITBI. Base de cálculo. Princípio da legalidade. Súmula 636/STF. Interpretação
da legislação local. Súmula 280/STF. Matéria infraconstitucional. Ausência de
repercussão geral.
É infraconstitucional, a ela se
aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa
à base de cálculo aplicada ao ITBI fundada na interpretação da legislação
local, no Código Tributário Nacional e no princípio da legalidade.”
Afastada a questão constitucional, nada
mais resta a ser decidido.
A postura dos Municípios em não observar
a decisão do Superior Tribunal de Justiça implica em grave desrespeito à
autoridade de suas decisões. Ora, se a Administração Publica deve obedecer aos
“princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência”, conforme determinado no art. 37 da Constituição, deve, também,
observar e obedecer à decisão proferida pelo STJ, cuja missão constitucional é,
justamente, dar a última palavra em matéria infraconstitucional.
*Cristiano Scorvo Conceição, advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2001. Milita na área Tributária há 20 anos. Conselheiro titular da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, desde 1.º de janeiro de 2022
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