Cannabis medicinal: hora de discutir sua importância e avançar, não retroceder
*Por Dra. Mariana Maciel
A cannabis medicinal já é utilizada no
Brasil na terapêutica de mais de 20 doenças, mas, para o Conselho Federal de
Medicina, ela só poderia ser aplicada no tratamento de portadores de epilepsias
na infância e adolescência refratárias às terapias convencionais, aos pacientes
com Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e do Complexo de Esclerose
Tuberosa.
Esse é, em resumo, uma grande tentativa
de retrocesso que a nova resolução do CFM representa.
É nítida a vontade do Conselho de tentar
restringir o acesso à saúde e o esforço para ameaçar a autonomia médica –
condição esta, aliás, assegurada pelo Código de Ética Médica da entidade.
Somente esses dois fatos já tornaram esta resolução 2324 altamente
questionável. Ocorre que o impedimento em si não é legal. O CFM pode
aconselhar, mas não proibir o uso do canabidiol. A decisão é inconstitucional,
como muitos juristas já alertaram. A Anvisa, inclusive, já comunicou que as
regras para os fármacos continuam as mesmas.
Por isso, nesse momento, é importante
deixar claro: a resolução não muda em nada o acesso ao tratamento à base de
cannabis por pacientes, nem a prescrição por médicos. Saúde é um direito
constitucional, e o bem-estar do paciente está resguardado por esse princípio
básico.
O que acontece é que a resolução confunde.
E muitos estão vendo este posicionamento como um obstáculo (mais um) para o
acesso aos produtos de boa procedência. Eu a vejo como uma mola propulsora.
Analisando todos os posicionamentos das entidades, associações, médicos
prescritores, comunidade e pacientes nos últimos dias, não pude deixar de
refletir sobre um exemplo vindo de fora.
No Canadá, onde o cultivo da cannabis
medicinal legalizada já completa mais de duas décadas, o uso de tratamentos à
base de canabidiol avançou ao longo dos anos. Em 2008, já havia comprovação
médica de seus efeitos e demanda suficiente para que fosse instituída a figura
dos plantadores designados, em complemento à produção para uso próprio.
Em 2014, porém, houve uma tentativa
legal de frear esse processo. A repercussão foi tão negativa que o assunto foi
parar nas mais altas esferas judiciárias do país. Diante da reação de médicos e
pacientes, a Justiça canadense decidiu que a proibição da cannabis medicinal
trazia danos evidentes para pessoas que por anos tiveram sua saúde
controlada.
No mesmo ano, depois de uma forte
movimentação da sociedade, uma nova deliberação ampliou o modelo existente,
permitindo que empresas também pudessem atuar na oferta do medicamento. Ou
seja, o que começou como uma tentativa de proibição, acabou sendo o pontapé
inicial para que uma maior regulação fosse feita. O direito à saúde prevaleceu
e o retrocesso – que muitos estavam apreensivos – não ocorreu.
Agora a história se repete no Brasil e
impõe a mobilização de todos os que dependem do tratamento com a cannabis
medicinal para viver com dignidade, qualidade de vida e ter uma vivência sem
dor.
Só enquanto eu escrevia este texto, em
apenas um dia, a mídia já havia noticiado que o Conselho Federal de Medicina
pressionava a Anvisa para rever normas de venda dos fármacos e, poucas horas
depois, a autarquia informou, por meio de seu site e redes sociais, que abrirá
consulta pública sobre o assunto para a população. Nossa movimentação está
funcionando. É hora de participar, não desistir e virar o jogo.
Dra. Mariana Maciel é médica, especialista em Medicina
Canabinóide, membro da Society of Cannabis Clinicians,CEO da Thronus Medical -
biofarmacêutica canadense focada no desenvolvimento de fármacos inovadores à
base de cannabis – e educadora médica da Thronus Education.
Liderou pesquisas sobre a Power Nano -
nanotecnologia que transforma as moléculas de cannabis em menores partículas
fitocanabinóides existentes no mercado, potencializando, assim, os princípios
ativos da planta. A tecnologia Power Nano rendeu a primeira linha de fármacos à
base de nanomoléculas de fitocanabinóides do mundo.
Foi recentemente listada pela Kaya Mind - entidade que é autoridade quando o assunto são dados e informações sobre o mercado de cannabis no mundo - como executiva referência no setor.
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