Comunicação Não-Violenta: como o diálogo pode ajudar a transformar o cenário social e promover os conflitos construtivos em ano eleitoral
* Por Liliane Sant’Anna e Nolah Lima, cofundadoras do Instituto CNV Brasil
Liliane Sant’Anna |
Nolah Lima |
Com a proximidade das eleições, as
discussões motivadas por ideologias políticas cresceram muito e com elas, os
desentendimentos familiares, os ataques em redes sociais, a divisão de grupos
no trabalho, brigas e em casos extremos até registros de homicídios.
Um levantamento feito pela UniRio
mostrou que os casos de violência política cresceram 335% no Brasil nos últimos
três anos. No primeiro semestre de 2022 foram identificados 214 registros,
enquanto no mesmo período de 2019, ano em que o estudo começou, foram
contabilizados 47 casos.
O aumento dos registros também acontece
se comparamos os números de 2022 com 2020, quando tivemos um período de eleição
de prefeitos e vereadores nas cidades. De janeiro a junho daquele ano, o país
teve 174 crimes cometidos contra políticos, aumento de 23%. O momento é
extremamente prejudicial para a população como um todo, não só pelo lado
criminal, mas, também pelo ponto de vista sociológico de desenvolvimento
humano.
A violência física é o ato final de uma
sequência de violências que acontecem na nossa comunicação, por isso é
imprescindível aprendermos a dialogar mais
O grande desafio de buscar um cenário de
paz é achar que isso significa não ter conflitos. Conflitos podem ser muito
saudáveis e importantes para as relações, mas, para que um conflito seja
construtivo, é preciso estar ciente, antes de começar, se há espaço para
escutar, falar e ser influenciado. A maioria das conversas que não acabam bem
já não começaram bem e é por isso que, como especialistas em Comunicação
Não-Violenta, destacamos aqui alguns pontos importantes para considerarmos em
conversas difíceis.
É uma conversa ou uma palestra?
Pergunte-se, antes de começar uma
conversa: estou disposto a de fato conversar? Somente depois de um sim
consciente para essa pergunta, será possível trazer a discussão para um lugar
construtivo. Percebemos que as pessoas entram, na maioria das conversas, com a
intenção de convencer, manipular ou estar certo. Estar ciente da sua intenção e
sair desse padrão, já pode aumentar as chances de você conseguir ter, de fato,
um diálogo e não dois monólogos.
Buscar a paz nos diálogos não significa
ser passivo ou concordar com o que o outro está falando, mas ver a humanidade
do outro e se manter aterrado na intenção do diálogo é essencial para seguir em
uma conversa saudável. Por isso, reforçamos a importância da intenção de
compreensão nas conversas e, sempre que possível, a busca por resultados de
benefício mútuo.
Reflita antes: o que foi feito ou quais
dados te levam a ter esta opinião?
O primeiro caminho, então, para aumentar
a probabilidade de uma conversa de sucesso, em que conseguimos nos entender, é
separar fatos de interpretações. O ideal é que possamos considerar o que de
fato aconteceu e não nos limitarmos aos rótulos e julgamentos de outras
pessoas. Por exemplo, corrupto é um rótulo, essa palavra conta de
interpretações que são feitas a partir de fatos. O ideal é que, procuremos por
esses fatos e conversemos sobre eles.
No entanto, hoje vivemos um cenário em
que a população não tem acesso a esses fatos, não sabemos onde encontrá-los ou
temos pouca informação sobre sua veracidade. Esse deveria ser o papel da mídia,
mas ela tem sido pouquíssimo informativa e se mostrado muito mais
interpretativa do que nos servido para esse propósito.
Pense que, em vez de receber a
informação sobre o que aconteceu, já recebemos a interpretação sobre essa
situação. Isso nos leva a conclusões enviesadas e reforça a polarização.
Enxergamos que boa parte do problema está aí, para que possamos despolarizar,
em primeiro lugar precisamos ter acesso aos fatos.
Quando falamos, então, em começar
diálogos abertos, mas sem acesso a fatos que fundamentam esses diálogos,
acabamos percebendo os eleitores, em conversas sobre política, sem lastro. A
política se torna mística - acreditamos porque me disseram e porque tenho a
impressão de que esse ou aquele candidato se parece mais com o que eu acredito
ou preciso, e não porque analisei o que de fato aconteceu e suas
propostas.
Reivindicar por fatos, informações
verídicas e abertas a consultas de fácil entendimento, se torna imprescindível
para que possamos voltar a ter a visão real sobre nossos políticos e a política
do Brasil. Talvez essa seja a maior busca que possamos fazer em conjunto nesse
momento, com todos os eleitores. Demandar informação e não interpretação.
Discorde de estratégias, mas experimente
o exercício de compreender motivações
Mas precisamos seguir as conversas com o
que temos. Então, o que pode apoiar que tenhamos conversas mais proveitosas?
Somos plurais e diversos como humanos,
mas também temos muito em comum. Na conversa sobre política, é importante que
possamos descobrir o que queremos cuidar com as estratégias e planos que
apoiamos. O que é comum entre nós? Queremos saber disso para conseguirmos nos
entender e quem sabe concordar em alguma alternativa que cuide do que é
importante para todos.
Se, acredito que a posse de armas é um
caminho para proteger minha família e meu amigo acredita que deveriam existir
mais regras e limitações para a posse de armas, isso pode me chegar como ameaça
a minha segurança. Mas, esta mesma pessoa talvez queira cuidar exatamente da
segurança de sua família ou comunidade, apenas por um caminho diferente.
Em um diálogo saudável eu sim quero
influenciar a perspectiva do outro, mas, também estou aberto a ser influenciado
por ele. E a maneira mais potente de conseguirmos chegar nesse lugar é
encontramos isso que nos une - "estamos preocupados com segurança, vamos
conversar sobre isso!". Se o diálogo não caminhar por esse lugar,
dificilmente conseguiremos aprender sobre outras experiências e perspectivas e
continuaremos alimentando a polarização.
Além dos rótulos temos pessoas
Muitas pessoas confundem partidarismo,
política, ideologia e religião; se tenho um pensamento focado em direitos
humanos, melhor distribuição de renda e justiça social, faço parte de um grupo,
se minhas ideias são mais liberais, ou inclinadas ao pensamento de que cada um
colhe o que planta, estou dentro de outro grupo. E essa categorização nos
afasta de ver o que há de comum entre nós.
A polarização está totalmente ligada a
rótulos. Temos a tendência de generalizar toda a complexidade de um pensamento
ou de uma pessoa em rótulos que reduzem pessoas a uma única versão estática.
Dizer que alguém é de esquerda ou direita é congelar a pessoa em um rótulo.
Dificilmente conseguirei me abrir a escutar se acredito que já sei o que aquela
pessoa tem a me dizer.
Se encaramos as conversas sobre política
como uma guerra, um debate onde sempre há alguém que ganha e alguém que perde,
vamos nos dividir cada vez mais. As certezas são resumos muito simplistas de
pensamentos muito complexos e, quanto maior a certeza, menor a profundidade da
conversa. Um bom exemplo disto são os debates de candidatos, as conversas têm
sido mais direcionadas para rotular uns aos outros ou para se defender, do que
para efetivamente falar sobre estratégias políticas.
Buscar quebrar esse ciclo nos permitirá
desfazer esse cabo de guerra constante, mas essa é uma construção que exige
maturidade, investimento de tempo e energia.
A sua liberdade de expressão pode
impactar a segurança física/emocional de alguém
Sim, existem limites para conversas e
conflitos, limites que tornam um diálogo destrutivo e não mais construtivo.
Mesmo que não seja sua intenção, esteja aberto e consciente de que suas
colocações podem ter impactos sobre o outro e que existem momentos em que esses
impactos superam a possibilidade do outro de te escutar. Há determinadas falas
e percepções que fortalecem violências e nem todos possuem consciência disso.
Saiba quando se abrir para escutar os impactos do que você está falando e
aprender formas de dialogar de outra maneira para que se sustente o diálogo sem
reforçar padrões que machucam ou ameaçam a segurança de outras pessoas.
E, se foi você que escutou algo que toca
em um limite seu, busque nomear a fala específica que causou isso, como isso te
impacta e evite julgar o outro. Mostre as consequências que a fala dessa pessoa
pode causar. Se isso não for possível para você no momento, pare a conversa
como forma de cuidar da sua saúde emocional e da relação.
Para além das eleições
A política vai muito além das eleições, ela está no nosso cotidiano como cidadãos. As conversas não precisam ser apenas sobre o voto ou sobre um candidato ou partido, mas devem ser direcionadas aos desafios que vivemos diariamente como humanidade. Não adianta ter um argumento lacrador e perder a chance de seguir conversando, agindo e criando com as pessoas que me cercam. O espaço de conexão e compreensão mútua que tanto desejamos na política está 10 conversas à frente e não numa única discussão na mesa do jantar.
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