Nova lei que reduz os quóruns das deliberações de sócios das sociedades limitadas traz autonomia mas podem impactar relações já constituídas
* por Manoela Darcy de Oliveira Miranda
e Nina Souza Costa de Brito
No último dia 22 de setembro, foi
publicada a Lei Federal nº 14.451, que reduziu substancialmente o quórum de
aprovação de matérias relevantes para o dia a dia de sociedades limitadas no
Brasil. As mudanças têm especial impacto para sócios minoritários relevantes
que contam apenas com os dispositivos do Código Civil para assegurar seus
atuais direitos de veto em determinadas matérias, os quais serão suprimidos em
decorrência da alteração legal, exceto se de outra forma expressamente
previstos no Contrato Social ou pacto parassocial entre os sócios.
A regra entra em vigor a partir do
próximo dia 22 de outubro e, com isso, o quórum legal de deliberação em
sociedades limitadas será a maioria absoluta (i.e. 50% mais 1) – em linha com o
previsto na Lei nº 6.404/76 para sociedades anônimas – exceto no caso de
eleição de administrador não-sócio enquanto o capital social não estiver
totalmente integralizado (que passa a ser de 2/3).
Será reduzido de 75% para mais da metade
do capital social o quórum para aprovar a modificação do contrato
social; as operações de incorporação e fusão; dissolução da
sociedade; e a cessação do estado de liquidação da sociedade limitada. Além
disso, o quórum exigido para eleger administradores não-sócios passará da
unanimidade dos sócios para 2/3 do capital social, enquanto o capital social
não estiver totalmente integralizado; e de 2/3 do capital social para maioria
absoluta, após a sua integralização.
Na prática, tais mudanças significam
que, exceto quando o contrato social (ou pacto parassocial, tal como Acordo de
Quotistas) fixar um quórum superior ou reproduzir expressamente o quórum legal,
o sócio detentor de participação minoritária relevante agora perderá
efetivamente o seu direito de obstar a aprovação de determinadas deliberações
societárias para a sociedade. É o caso, por exemplo, de um sócio detentor de
40% do capital social de uma sociedade limitada, que não poderá mais impedir a
modificação do contrato social ou sequer a aprovação de sua dissolução.
Como determinadas matérias são
indisponíveis por força de lei, como é o caso da redução dos quóruns mínimos
legais, é usual no mercado que as partes se limitem a dispor no contrato sobre
as matérias que não são tratadas pelo ordenamento jurídico, pressupondo que as
normas postas serão incorporadas por referência ou meramente por imposição
legal. Mudanças como a introduzida pela Lei Federal nº 14.451 têm como
consequência a aplicação automática de uma nova regra, materialmente diferente
da anterior, mudando a regra do jogo para uma gama de indivíduos e sociedades
que possivelmente contrataram entre si adotando como premissa um cenário
jurídico completamente diferente, o que pode trazer insegurança jurídica e
potenciais litígios iminentes.
O sócio majoritário, com mais de 50% do
capital social, poderá passar a ter automaticamente, na manhã do dia 22 de
outubro, o poder decisório para alterar o objeto social, a sede, a forma
representação da sociedade e todas as demais matérias previstas no contrato
social, a seu exclusivo critério, independentemente da aprovação dos demais
sócios, cabendo aos sócios minoritários apenas o direito de retirar-se da
sociedade que lhes é garantido pelo artigo 1.077 do Código Civil nas hipóteses
e nas condições ali previstas.
Se, por um lado, as mudanças geram um
certo desconforto às sociedades já constituídas e, em especial para os sócios
minoritários, por outro, permitem que as partes tenham maior flexibilidade para
fixar os quóruns de aprovação, garantindo maior liberdade contratual e
permitindo arranjos contratuais mais robustos. Permaneceria a possibilidade de
majoração dos quóruns legais (e não redução abaixo do mínimo legal), conforme
entendimento majoritário da doutrina, permitindo que tais mudanças sejam
afastadas, se assim for da vontade dos sócios, mediante expressa disposição no
contrato social. No silêncio do contrato, ou havendo a mera citação ao
dispositivo legal, sem a sua reprodução no contrato social, entende-se que as
novas regras serão automaticamente aplicadas quando da entrada em vigor da
referida Lei, devendo os sócios se atentarem à mudança.
É imperativo, portanto, que os sócios
que tiveram seus direitos reduzidos negociem a revisão das estruturas de
controle e governança interna, com a avaliação individual de cada contrato
social e acordo de quotista vigente, a fim de garantir a manutenção e
reequilíbrio das relações atuais entre os sócios e refletir a dinâmica de voto
e poder que funcione para cada caso. Contudo, a alteração do contrato social
para reequilibrar e manter as relações de controle e vetos existentes é uma
faculdade dos sócios. A negativa por parte do sócio majoritário pode
eventualmente ferir princípios gerais de boa-fé e a intenção das partes considerada
no momento da celebração do contrato, mas não há qualquer garantia de êxito no
pedido de renegociação.
Portanto, apesar da redução do quórum
legal previsto no Código Civil poder ser vista como um passo importante na
consolidação dos princípios de liberdade contratual e autonomia da vontade,
fortalecidos recentemente com o advento da Lei da Liberdade Econômica, mudanças
na legislação também podem gerar insegurança jurídica, especialmente quando
impactam direitos previamente assegurados a relações já constituídas.
* Manoela Darcy de Oliveira Miranda é
sócia e Nina Souza Costa de Brito é advogada associada do Cescon Barrieu
Advogados nas áreas de Fusões e Aquisições, Private Equity, Societário e
Governança Corporativa.
Sobre o Cescon Barrieu
O Cescon Barrieu é um dos principais escritórios de advocacia do Brasil, trabalhando de forma integrada em cinco escritórios no Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Brasília) e, também, em Toronto, Canadá. Seus advogados destacam-se pelo comprometimento com a defesa dos interesses de seus clientes e pela atuação em operações altamente sofisticadas e muitas vezes inéditas no mercado. O objetivo do escritório é ser sempre a primeira opção de seus clientes para suas questões jurídicas mais complexas e assuntos mais estratégicos. www.cesconbarrieu.com.br
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