Reeleição, continuísmo a qualquer preço
Samuel Hanan*
Dentre as mudanças que o Brasil precisa avaliar para a retomada do rumo do
desenvolvimento, uma das principais é o fim da reeleição para cargos
executivos. Os textos das Constituições Federais de 1891, 1934 e 1988 proibiam
a reeleição do Chefe do Executivo e do seu vice para o pleito imediatamente
seguinte. A emenda constitucional nº 5, de 1997, alterou essa regra e logo de
cara beneficiou o presidente da época, Fernando Henrique Cardoso, que pode
concorrer a um novo mandato e venceu.
Cabe, aqui, avaliar o
que aconteceu desde então. Fernando Henrique Cardoso deixou o Palácio do
Planalto com baixíssima popularidade. Em seus dois mandatos, o crescimento do
PIB foi pífio, com média de apenas 2,42% ao ano. A carga tributária, que
correspondia a 28,3% do PIB quando ele assumiu, atingiu 32% no final de seu
segundo governo. Nesse período de 8 anos, o Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) do Brasil não evoluiu, permanecendo o país na 71ª posição mundial. O
coeficiente Gini, que mede o nível da diistribuição de renda no Brasil, era de
0,601 no início do mandato e terminou com 0,589. Depois disso, o PSDB de FHC
nunca mais conseguiu eleger um presidente.
Luiz Inácio Lula da
Silva, o sucessor de Fernando Henrique, também se reelegeu. Ele recebeu o País
na 71ª posição de IDH, entregando-o em 88º lugar. Iniciou o mandato com a carga
tributária comprometendo 32% do PIB nacional, percentual que subiu para 34,3%
ao final de seu segundo mandato. No coeficiente de Gini, assumiu o Brasil com
0,589 e terminou o mandato com 0,534. Fora do governo, foi alvo da Operação
Lava Jato, que investigou o maior esquema de corrupção da história brasileira,
com reflexos na Petrobras e outras empresas estatais, acabou preso e condenado
em primeira e segunda instâncias, e posteriormente, por filigranas jurídicas,
teve os processos anulados pelo STF.
Dilma Rousseff, eleita
na sequência, igualmente conquistou um segundo mandato. Em seu governo, o
crescimento médio do PIB foi de 0,55%. Acusada de pedalada fiscal, sofreu
impeachment e não terminou o mandato. Nunca mais exerceu cargo público, tendo
sido derrotada para senadora em seu estado, Minas Gerais. Michel Temer,
vice-presidente que assumiu no lugar de Dilma, não conseguiu desempenho melhor
e sequer se candidatou. Enfrentou várias acusações de corrupção em seu governo
e chegou a ser detido.
Jair Bolsonaro, eleito
em 2018, tenta novo mandato, mas enfrentou instabilidade institucional que
ameaçou a governabilidade. Nesses quatro anos, o crescimento do PIB não passou
de 0,80% e nenhum outro índice importante apresentou melhora.
Ou seja: com todos os
presidentes pós-reeleição, o Brasil apresentou baixo crescimento, nenhum avanço
no IDH e no coeficiente de Gini, e apenas um não enfrentou denúncias de corrupção
sistêmica, mas foi acusado de compra de votos para aprovar a emenda da
reeleição.
A história mostra que a
reeleição, no Brasil, não deu certo. As razões são diversas, porém duas se
sobressaem. Uma delas é que o tradicional governo de coalização se transforma
rapidamente em governo de cooptação. A outra está ligada à primeira porque no
dia seguinte à posse o governante concentra seu pensamento e sua energia na
reeleição, uma meta a ser alcançada a qualquer preço.
Reeleição para cargos
do poder executivo não fez bem ao nosso país. Notadamente porque já vivemos um
quadro sombrio com o foro privilegiado protegendo milhares de agentes públicos,
com a proibição da prisão em segunda instância mesmo após decisão colegiada e
em razão de crimes cometidos contra a administração pública (peculato,
corrupção, e participação na formação de organização criminosa, com o número
exagerado de partidos políticos, todos sem ideologia programática, e, sem
nenhuma menção à defesa da ética e da moral.
Soma-se tudo isso a
excrescência do horário eleitoral, gratuito apenas no nome porque custa muito
aos cofres públicos, além do fundo partidário eleitoral, que retira do
contribuinte mais de R$5 bilhões e tem gerado uma concentração de poder
imperial nas mãos dos presidentes de poucos partidos políticos. Como se não
bastasse, a legislação permite que um réu, assim definido por colegiado do
Tribunal Superior, apesar de responder por crimes contra administração pública
pode ser considerado ficha limpa e, consequentemente, habilitado a concorrer um
novo mandato para manter-se protegido pelo foro privilegiado. Quem paga por
isso não é a elite política, verdadeiros “imperadores” de legendas, e tampouco
os governantes, verdadeiros “imperadores” da política. A conta recai sempre sobre
quem não deveria pagar nada: o povo.
Ademais, não há dúvidas
de que o instituto da reeleição contraria um dos mais nobres princípios
republicados: a alternância do poder. Além disso, desequilibra o processo
eleitoral, na medida em que o governante sempre tem nas mãos, a seu favor, a
máquina da Prefeitura, do Estado ou da Presidência.
O Brasil está cheio de
casos de governantes que conseguem romper todos os mecanismos de controle,
nomeando assessores de todos os escalões não pelo critério da competência, mas
por puro compadrio, a fim de garantir a reeleição e, dessa forma, manter o
benefício do foro privilegiado, necessário para buscar a prescrição de
eventuais crimes praticados no exercício do mandato.
O fundamento de que a
possibilidade de reeleição premia o bom administrador público também deve ser
encarado com reservas. Ainda que a continuidade do mandato ofereça ao reeleito
uma oportunidade de dar continuidade aos seus projetos a reeleição não pode se
tornar um fim em si mesmo. De fato, o mandato executivo de quatro anos pode ser
curto para a implementação de projetos de governo, mas não se pode perder de
vista que Juscelino Kubitschek transformou o Brasil em cinco anos. Assim, a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) apresentada pelo senador Jorge Kajuru
(GO), emperrada no Congresso, merece ser analisada com atenção porque acaba com
a reeleição no Executivo e estende para cinco anos os mandatos de prefeitos,
governadores e presidente da República.
Barrar o
“superpresidencialismo” é uma necessidade que o Brasil precisa enxergar. A
reeleição é uma anomalia que se soma aos despudorados Fundo Partidário e Fundo
Eleitoral – alimentados pela elevada carga tributária que penaliza sobremaneira
os cidadãos mais necessitados, e que financiam um assombroso número de
partidos, além de privilegiar candidatos dispostos a tudo para se perpetuar no
poder.
É urgente para o País
recuperar o mais legítimo espírito republicano para fortalecer a própria
democracia.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
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