A (in)segurança jurídica no Brasil: o que isso tem a ver conosco?
*Alexandre Aroeira Salles
Imagine que você acaba de ser eleito
Presidente da República e precisa começar a trabalhar. Quais seriam as suas
prioridades?
Incontáveis pequenos e médios honestos comerciantes, no Brasil e no mundo,
sofrem instabilidades há dois anos com os tristes e graves efeitos da pandemia
e, mas nada se pode comparar com a secular violência cotidianamente infligida
aos comerciantes e aos trabalhadores brasileiros, por toda sorte de canalhas,
nas grandes e médias cidades dessa nação.
Um país que não protege mulheres e
homens honestos contra os desonestos não pode ser considerado um Estado de
Direito, muito menos um Estado Democrático. Que sociedade livre é essa em que
os cidadãos estão obrigados a conviver cotidianamente com descumprimentos de
contratos, roubos, achaques, extorsões e agressões por parte de traficantes,
milicianos, autoridades e vizinhos?
A violência no Brasil tem uma dimensão
horrenda e abrangente, pois ela captura nossas vidas, corpos, psiques, saúde,
educação, recursos financeiros, bens imóveis, bens móveis e contratos. Em
síntese, podemos descrever que aqui se assassinam cerca de 60.000 pessoas por
ano, se lesionam e estupram milhões de homens e mulheres; se tem um dos maiores
índices de roubos e furtos do globo terrestre, desferidos contra cidadãos,
empresas, fazendas, indígenas e transportes de carga; os contratos são frágeis,
porque é quase impossível obrigar aquele que descumpre um contrato a cumpri-lo,
salvo se esperarmos anos e anos em burocráticas e ineficientes ações judiciais;
na fila do SUS se percebe o descaso com a saúde de nossos concidadãos; no banco
das escolas o fracasso do sistema
educacional brasileiro que além de não proteger as
crianças contra a violência parental, de colegas e da sua comunidade, é capaz
de manter sistematicamente 92% da população sem proficiência na língua pátria,
com altíssimo índice de analfabetismo funcional.
Tendo, caro leitor, a imaginar que o
dito acima é conhecido por todos. Nenhuma novidade, certo? Mas se assim o é,
por que há décadas e décadas não conseguimos resolver e mudar de página?
Em minha visão, a resposta é: nunca
houve verdadeira, sistemática, ampla e uniforme vontade política de se consolidar
o Estado de Direito brasileiro, de modo a combater sem trégua os desonestos
(assassinos, ladrões, traficantes, estupradores, milicianos, contrabandistas,
invasores de terra e de reservas indígenas, corruptos e corruptores) que
grassam, roubam e sangram diariamente a nação. Os políticos e governantes
desperdiçam energia e atenção com discussões, leis, autarquias, empresas
estatais, órgãos públicos, contratações de servidores, troca de favores,
populismo eleitoreiro, corrupção. Debates inúteis e infrutíferos entre aqueles
falsamente tidos como progressistas e conservadores, esquerda e direita.
De que adianta ao país gastar uma
fortuna de impostos dos brasileiros para sustentar, no âmbito da União, Estados
e Municípios, prédios suntuosos dos órgãos dos legislativos, judiciários e
executivos, pagando salários altíssimos aos seus membros, entre cafezinhos e
carros à disposição, se não é capaz de prover (i) polícia eficiente que atue
preventiva e repressivamente contra tais violências; (ii) sistema qualificado
de educação pública e (iii) bons serviços de saúde? Os recursos são finitos e
têm que ser alocados em prioridades, pois cada centavo vale e muito.
Mas a culpa não pode ser colocada apenas
no colo da fracassada política. É também da sociedade, que entorpecida aprendeu
a viver nesse péssimo estado de coisas, aceitando as sujas regras do imundo
jogo. Isso faz com que parte do empresariado e da sociedade brasileira jogue
o game da
corrupção, do pagamento de propina para obter favores, subsídios tributários,
empréstimos no BNDES, cartelização, sonegação fiscal, emissão de nota-fiscal
falsa ou sua subtração; assim como aceita se submeter aos achaques de
autoridades municipais, estaduais e federais, a fim de fugir de uma
fiscalização aqui, de outra autuação ali, de uma multa acolá.
Não se pode deixar de citar aqui os
grandes positivos esforços e avanços da sociedade e muitas empresas ao se
organizarem, implantarem sistemas de integridade, aprimorarem governança e
apoiarem instituições educacionais, ambientais, de saúde e responsabilidade
social.
Quando se analisam os países mais bem
sucedidos do mundo, se verifica que há enorme correlação entre segurança
jurídica e desenvolvimento humano. Quanto maior a segurança jurídica implantada
em uma nação, maior é o seu índice de desenvolvimento humano. Canadá, Austrália
e Alemanha são ótimos exemplos, pois neles é inconcebível permitir a
prevalência dos desonestos sobre os honestos.
A acomodação do brasileiro a esse
horroroso estado de coisas deve ser revertida. Para tanto é necessário um
enorme esforço para mudar os hábitos nacionais. Se a grande maioria da
população se sentisse segura para se locomover, escolher sua profissão e
empreender, haveria uma silenciosa e rápida revolução, intenso desenvolvimento
social e econômico, com pujante inovação e prosperidade para todos. Seriam
essas as prioridades para um bom e eficiente presidente da República?
* Alexandre Aroeira Salles é doutor em Direito e sócio - fundador da banca Aroeira Salles Advogados
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