Mandela e a Copa do Mundo
Marco Antonio Spinelli*
Ainda fico emocionado
quando vejo uma das cenas culminantes do filme de Clint Eastwood, “Invictus”,
de 2009. Matt Damon faz o papel de François Pienaar, capitão do time de Rugby
da África do Sul. O time está reunido em círculo para combinar a jogada que vai
decidir o jogo. François aponta para as arquibancadas, cantando em uma só voz e
pergunta: “Vocês estão ouvindo isso? Esse é seu país! Esse é o nosso destino!
Vamos buscá-lo!”. Os caras saem gritando, enlouquecidos, para ganhar de um time
até hoje imbatível, o All Blacks da Nova Zelândia e ganharem o título mundial.
O que não parecia, ERA impossível. Mas para Nelson Mandela, nada era
impossível.
Invictus parece um
filme sobre um esporte não muito popular no Brasil, o Rugby. Eu cheguei a jogar
Rugby no torneio Interclasses, na faculdade de Medicina. O jogo me ajudou a
desenvolver muito minha velocidade: nunca corri tanto para ficar longe daquela
bola oval e daqueles brutamontes. Se a bola passava perto, eu dava uma bicuda
para o lado que estava virado. E saia correndo na direção contrária. Não fui
mais convocado depois dessa atuação. Mas, voltando para o filme: Invictus é
muito mais do que um filme sobre esporte. Ele conta a transição na África do
Sul durante o primeiro ano de governo de Nelson Mandela, depois de ter sido
libertado da prisão, onde ficou por vinte e sete anos. E sua libertação só
ocorreu por pressões e sanções econômicas internacionais que estrangularam o
país e obrigaram a minoria branca a revogar o regime do Apartheid. O que foi o
Apartheid?
No final da década de
noventa, o Brasil foi jogar na África do Sul, mas não foi Rugby. Foi Futebol
mesmo. Amaral, volante brasileiro nos conta que ao chegar foi entrevistado pela
TV brasileira, e perguntado o que ele achava do regime do Apartheid. Respondeu
de pronto que a oportunidade tinha sido dada, e que se o tal do Apartaide fosse
bom de bola, ele iria grudar no cara o jogo todo. Isso em rede nacional.
Explicaram para o Amaral que Apartheid era o regime de segregação racial
imposto pela minoria, a elite branca, aos não brancos, sobretudo negros. Isso
se manteve durante décadas de violência. Amaral depois pregou uma peça em todos
os jogadores que não sabiam o que era Apartheid. Com ares de sabido.
Em tempos de Copa do
Mundo, algumas pessoas estão soltando memes tirando sarro e torcendo contra
Neymar Jr, que apoiou Bolsonaro na eleição. Militantes ainda bloqueiam
estradas. Muita gente afirma com ares professorais que a eleição foi fraudada e
que um golpe de estado está a caminho. Não dá para deixar de comparar com o
clima de ódio que reinava na África do Sul em 1995, quando se passa o filme,
com o Brasil nessa Copa do Mundo. A minoria branca odiava Mandela, a quem
chamava de Terrorista. Os negros, por sua vez, queriam a forra das décadas de
sofrimento e exclusão. Queriam, inclusive, acabar com o time de Rugby dos
Springboks, o que representava a dominação dos colonizadores. Os negros odiavam
esse time. Mandela também odiava. Mas teve a visão de que, através daquele time
de brancos, poderia começar a cicatrizar as feridas da alma lanhada da África
do Sul. Ele não só impediu o ministério de acabar com o time como virou amigo
pessoal do capitão do mesmo, interpretado por um bombado Matt Damon, François
Pienaar. Ele sai da reunião com Mandela boquiaberto. Sua mulher pergunta,
ansiosa: “E aí? Como foi?” Ele responde: “Acho que ele quer ganhar a Copa do
Mundo!”. Parecia impossível. Como parecia impossível um homem que passou vinte
e sete anos preso sair da cadeia pronto para perdoar seus perseguidores e criar
um país de perdão.
Durante a reunião com o
jogador, Mandela deu para ele um poema vitoriano, de William Henley, que o
ajudava a levantar quando ele não conseguia mais levantar: “Eu agradeço aos
deuses pelo meu espírito invencível/ Eu sou o Mestre do meu Destino / Eu sou o
capitão da minha Alma”. Por isso quando Pienaar aponta a arquibancada com negros
e brancos cantando por um só país, ele grita: “Esse é o seu país! Esse é nosso
Destino!”
Eu torço pelo meu país,
que é um só. Torço por Neymar e seus companheiros. E espero que a Copa ajude a
lamber as nossas feridas.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
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