Os impactos da mudança da tarifa de intercâmbio para o mercado
Por Marilyn Hahn*
Cerca de um ano após
lançar uma consulta pública sobre o tema, o Banco Central editou no final de
setembro a Resolução BCB nº 246, limitando a tarifa de intercâmbio de cartões
pré-pagos a 0,7%. Acredita-se que esse movimento pode gerar prejuízos sérios ao
modelo de negócio de inúmeras fintechs, players
que detêm o produto pré-pago majoritariamente em seu portfólio e que costumam
operar taxas de intercâmbio entre 1,5% e 2%.
Para entender a
dicotomia que gira em torno da discussão, é preciso, inicialmente, entender os
modelos de negócios das fintechs. Bancos digitais nativos apostam basicamente
em duas estratégias para poderem competir com os grandes bancos: experiência do
usuário e tarifas próximas de zero. É muito difícil encontrar no mercado um neobank que cobre tarifa de
manutenção da conta ou taxas estratosféricas de envio de transferências. Dessa
forma, uma das linhas de receita que suporta a operação é a taxa de
intercâmbio, ou seja, tarifas negociadas com as bandeiras (por exemplo, Visa ou
Master) e pagas ao emissor cada vez que um consumidor utiliza o cartão.
De acordo com a Zetta,
associação fundada pelo Nubank e pelo Mercado Pago, e que agrega as fintechs
mais relevantes do Brasil, as receitas de intercâmbio foram fundamentais para
que essas companhias tenham oferecido mais de 90 milhões de contas digitais
gratuitas nos últimos anos, trazendo uma parte importante dos brasileiros ao
sistema financeiro e à inclusão digital. A preocupação é que, tirando essa
fatia importante da receita, seja necessário ponderar de outro lado para manter
o modelo de negócio, como por exemplo, criar uma taxa de manutenção de conta.
Estimativas da Zetta
também apontam que, em 2021, as empresas associadas geraram R$ 60 bilhões em
economia de mensalidades e anuidades para seus clientes. Caso essas novas
regras de intercâmbio já estivessem valendo no ano passado, esses mesmos
clientes teriam pagado em torno de R$ 24 bilhões em taxas e cerca de 34 milhões
de pessoas poderiam perder o acesso a produtos financeiros.
Outro ponto é que,
apesar de ainda ser a modalidade menos utilizada pelo brasileiro em comparação
com o cartão de crédito e débito, o cartão pré-pago foi o que mais cresceu em
quantidade de transações comparado ao período do ano anterior, segundo a Abecs
(Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços),
totalizando um aumento de 155%. Acredita-se que o cartão pré-pago é um
mecanismo importantíssimo para a educação financeira, para evitar o
endividamento precoce das famílias e para incluir parte da população
marginalizada do sistema nacional que não consegue adquirir de bate-pronto um
cartão de crédito.
É importante ressaltar
a importância desse tipo de player
na contribuição do aumento da competitividade e da inclusão
financeira que o país vivenciou nos últimos anos. As fintechs foram capazes de
trazer a inovação com foco nas necessidades e dores dos consumidores. Isso se
reflete na própria pesquisa de satisfação dessas empresas. Segundo a Cantarino
Brasileiro, a média do NPS de banco nativos digitais é de 33,3 em 2022
comparado com 17,8 pontos dos bancos tradicionais.
Além disso, no momento
de inovação que o sistema financeiro nacional vive, as fintechs têm tido papel
essencial para a distribuição de novos produtos, como o PIX e agora o Open Finance, por exemplo.
Afinal, essas organizações conseguem chegar a públicos e lugares que muitos
bancos não conseguiriam por questões geográficas, trazendo uma riqueza gigante
de informações ao ecossistema.
Lado B?
Segundo o Banco
Central, as motivações para regular o valor da TIC giram em torno de prover
maior equilíbrio nas relações entre agentes de mercado e beneficiar outros players, como por exemplo,
os estabelecimentos comerciais. Nessa leitura, o segmento pode se tornar mais
competitivo com meios de pagamento mais baratos e até repassar essa diminuição
dos custos ao consumidor final.
Experiências
internacionais e estudos acadêmicos, porém, mostram que o efeito não é tão
linear quanto parece. Destacam que em um ambiente altamente competitivo, como é
o caso do varejo, o uso de maquininhas é o “must-have”
da operação, e a tomada de decisão de incorporar esse meio na operação
independe da taxa de intercâmbio, fazendo o comerciante considerar o cálculo da
margem do seu produto independentemente da taxa de utilização.
Outro fator importante
que devemos considerar para tropicalizar nossa análise é a existência do PIX.
Quando se trata especificamente do varejo, o brasileiro ainda prefere pagar
suas compras com cartão de crédito devido à facilidade de parcelamento e aos programas
de benefícios. Porém, quando comparamos o PIX ao cartão pré-pago, já é possível
notar migração no uso: segundo reporte do último trimestre do Banco Central, o
PIX continua sendo o meio de pagamento que mais cresce, enquanto o cartão
pré-pago tem perdido tração em relação ao primeiro trimestre de 2022.
Talvez ainda seja cedo
para avaliar os impactos da mudança no ecossistema, mas aposto em um cenário de
sutil alteração para os merchants,
pouco efeito para o consumidor final e o fortalecimento cada vez maior do PIX
como meio de pagamento.
*Marilyn Hahn é
cofundadora e COO do Bankly, solução de Banking as a Service que descentraliza a oferta de serviços
financeiros no país
Sobre a Bankly
Bankly é uma plataforma de Banking as a Service com sua própria licença bancária. Seu propósito é descentralizar a oferta de serviços financeiros, permitindo que cada empresa possa virar uma fintech e criar e escalonar suas próprias soluções financeiras. Para mais informações, acesse https://www.bankly.com.br/
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