Entendimento e Compreensão
Marco Antonio Spinelli*
O Perdão é um grande
mistério na vida e na prática clínica. Temos, na formação de nossa Consciência,
uma série de traumas e microtraumas que se acumulam em nossa história. Podemos
levar nossos ressentimentos por décadas, sem perdão.
Nossa Memória tem um
viés particular e negativo: precisamos, para nossa proteção, lembrar mais das
experiências negativas que as positivas. O jovem neurologista Sigmund Freud
descobriu, atendendo pacientes com diversos tipos de distúrbios mentais, que
acessando experiências passadas, através da Hipnose, apareciam imagens e flash
backs de experiências traumáticas. Os pacientes reviviam a experiência e
liberavam uma grande carga de emoções, que ele chamou de Catarse. Essa Catarse
permitia aos pacientes um grande alívio de seus sintomas, mas, depois de um
tempo de melhora, as neuroses se reorganizavam e voltavam com tudo. Era
necessário um tempo maior de análise e de compreensão para uma melhora mais
consistente. Mas o caminho estava aberto: essas experiências, ou fragmentos de
Memória, exerciam uma função no que hoje chamamos de Redes Neurais e Conectomas
gerando sintomas, conflitos e mal funcionamentos que podemos levar para a vida
toda. Como disse uma terapeuta conhecida, podemos estar sendo comandados por
crianças de seis, sete anos de idade. As lembranças e as interpretações
gravadas em nosso Inconsciente nessa fase de nossa vida podem estar mais
ligadas ao nosso comportamento e aos nossos gatilhos do que conseguimos
imaginar.
Nas Redes Sociais tem
muito material gravado sobre nossas “Crenças Limitantes”. Algumas pessoas
prometendo livrar os humanos de suas crenças limitantes com meia hora de
determinada técnica. Como no caso de Freud em seu começo de carreira, essas
técnicas podem oferecer uma melhora inicial interessante, mas que se perde com
o tempo. Os workshops de final de semana também podem gerar esses micro insights.
Na empresa, ao final das mobilizações, as pessoas podem sair abraçadas jurando
que tudo vai ser diferente para, em alguns dias, voltarem às disputas, boicotes
e sabotagens que faziam antes.
Mas alto lá: isso
desvaloriza todo o esforço de quem busca melhorar e quem busca ajudar a
libertar as psiques dessas crenças falsas ou esses núcleos de memórias
disfuncionais? É evidente que não. Buscar entender, tentar melhorar, refletir
sobre seu funcionamento é infinitamente melhor do que passar a vida cometendo
os mesmos erros e dizendo: “Eu sou assim mesmo, não vou mudar”. Essa é uma
atitude que gera nada em nosso desenvolvimento. O que esse texto tenta destacar
é que a mudança verdadeira se dá no decorrer do tempo, na detecção dos erros e
na melhora dos processos, tanto fora quanto dentro da gente. Dentro de um
grupo, pela construção longa de visões compartilhadas e busca de alternativas
quando os problemas se apresentam. Isso demanda tempo, prática e paciência. Em
nossa época, onde todo mundo quer elaborar um aplicativo para resolver tudo
imediatamente e sem esforço, falar sobre algo que se implanta com tempo e
compreensão fica muito fora de moda.
- L. Mencken proferiu uma frase
que foi a primeira postagem de meu Instagram, psiquiatra.de.estimaação:
“Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e
completamente errada”.
Ela não poderia ser
mais atual. Problemas complexos exigem compreensão. E a compreensão vem depois
do entendimento. Ou vamos achar uma solução simples, lógica e completamente
errada.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
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