Não se brinca com causas sociais
Por Francisco Gomes Júnior - Sócio da OGF
Advogados. Presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor
(ADDP)
Estamos em plena Copa do Mundo na Catar,
um país com leis rígidas, comandado por uma monarquia absolutista e com
histórico de desrespeito de direitos humanos. Antes do início da competição,
foi amplamente noticiado mundialmente que milhares de trabalhadores que
ergueram os estádios para a Copa morreram por maus tratos e condições de
trabalho análogos à escravidão.
Além das mortes, o Catar é um país onde
a comunidade LGBTQIA+ não tem seus direitos humanos respeitados. Para começar,
ser gay no Catar é crime, de acordo com o Código Penal do país, punível com
prisão de até 5 anos, além de outros castigos.
A situação das mulheres não é muito
diferente, só podem realizar certas atividades, como dirigir ou viajar, com
autorização do marido. E mulheres que denunciaram nos últimos anos terem sido
vítima de assédio sexual foram condenadas a chibatadas, enquanto o abusador
saiu ileso.
Este cenário de desrespeito a direitos
humanos básicos já era conhecido quando a FIFA, de forma duvidosa, escolheu o
Catar para sediar a competição, em detrimento dos EUA que concorria para ser a
sede e teve que contentar-se com sediar parcialmente a Copa de 2026. E, se o
país apresenta esse modo de vida, tendo seus hábitos e costumes no que para nós
soa como práticas medievais, o que nos resta é não compactuar com tal postura.
Marcas que se associaram à Copa do Catar
foram bastante criticadas, uma vez que defendem em suas publicidades a
diversidade e a inclusão e patrocinam evento em um país onde isso não é
respeitado. Cientes da contradição, buscam minimizar as perdas à sua imagem.
E se a imagem de uma marca é fundamental
no mundo corporativo, muito mais importante atualmente é a marca pessoal que
cada celebridade carrega. O mundo evoluiu em seus conceitos e atualmente não
basta uma atitude ser respaldada legalmente, ela deve ser ética e moral. No
mundo das empresas essas práticas são conhecidas como “Compliance”, e, na
esfera individual, a credibilidade de artistas, influenciadores de mídias
sociais é determinada pelos seus atos.
Por esse cenário, artistas como Dua
Lipa, Rod Stewart, Mel C. e Shakira recusaram-se a apresentar-se no Catar
durante a Copa do Mundo, mantendo a coerência com as posições que defendem em
seu dia a dia. Do lado brasileiro, Ludmilla aceitou fazer show no país, apesar
de ser habitualmente militante da causa LGBT e casada há três anos com a
dançarina Brunna Gonçalves.
A cantora vem recebendo uma crescente
onda de críticas nas redes sociais, onde se aponta a contradição entre seu
discurso e a prática adotada. Ludmilla posicionou-se dizendo então que durante
o ano de 2023 auxiliará cinco instituições sociais que defendam a diversidade
sexual e inclusão, buscando com isso reduzir eventuais danos que sua imagem
possa sofrer.
Mas, como se disse, embora não se tenha
nenhum problema legal apresentar-se no Catar, o público atual dá muito valor à
conduta do artista fora do palco e não aceita de forma passiva a contradição
entre o que se fala e o que se faz. Os danos à imagem serão inevitáveis, fica a
impressão de que em nome de prestígio e vaidade próprios, houve a concordância
em negociar princípios que até então se defendia.
Francisco Gomes Júnior - Sócio da OGF Advogados. Presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP). Autor do livro Justiça Sem Limites. Instagram: https://www.instagram.com/franciscogomesadv/
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