A retomada do crescimento
Paulo R. Haddad*
Um dos fatores
determinantes para a consolidação da democracia no Brasil é que haja uma gestão
eficiente e eficaz dos graves problemas socioeconômicos e socioambientais, a
partir do novo mandato presidencial. Essa consolidação passa necessariamente
pela retomada do crescimento econômico do País. O Brasil se encontra há quase
quatro décadas, desde 1980, com sua economia semiestagnada. Nas duas primeiras
décadas do século 21, o Brasil teve um crescimento acumulado do seu PIB per capita
de apenas 26,3%, 13 vezes menor do que o crescimento do PIB per capita da China
(334%).
Nesse contexto de
crescimento econômico interrompido, houve um avanço da crise social e da crise
ambiental que assolam o País: as taxas de desemprego e de subemprego se
elevaram; ocorreu o aumento das desigualdades sociais e regionais de
desenvolvimento; ampliou-se o atraso científico e tecnológico; avançou o
processo de empobrecimento da classe média; prevaleceu o intenso uso predatório
dos nossos recursos ambientais etc. Enfim, o Brasil precisa passar por um
processo de reconstrução de sua identidade histórica e cultural, pivotado por
um processo de retomada do crescimento econômico.
A nossa história mostra
que os problemas socioeconômicos e socioambientais podem ser mais bem
resolvidos quando o País está crescendo - e crescendo de forma sustentada e
acelerada. Quando a economia cresce, dependendo do modelo de desenvolvimento
adotado, é relativamente mais fácil utilizar o excedente econômico em expansão
para financiar programas e projetos de um processo de planejamento do
desenvolvimento sustentável (= crescimento econômico globalmente competitivo +
inclusão social + sustentabilidade ambiental), tendo como ponto de partida a
construção e implementação de um novo ciclo de expansão.
Em números: com o PIB
atual de 10 trilhões de Reais, se a economia voltar a crescer a 8% ao ano como
cresceu nos dois ciclos de expansão no pós-Guerra (Plano de Metas de JK e “o
milagre econômico” dos anos 1970), o PIB teria um excedente anual de 800
bilhões, dos quais 264 bilhões tenderiam a ser alocados nos orçamentos
dos três níveis de governo. Um valor que o Presidente percebeu, ainda antes da
posse, que irá faltar para sua gestão enfrentar, de forma não inflacionária, a
avalanche das mega despesas que estão no horizonte do processo de reconstrução
do Brasil. Neste sentido, é fundamental que se resgatem as experiências
bem-sucedidas de planejamento no pós-II Grande Guerra, as quais estão
sacramentadas no Artigo 165 da Constituição de 1988. Peter Drucker nos lembra que
o planejamento não diz respeito às decisões futuras, mas às implementações
futuras das decisões presentes.
Um novo ciclo de
expansão como base para promover a grande transformação do Brasil no maior
produtor mundial de alimentos, visando a alavancar o Terceiro Ciclo de Expansão
da economia brasileira no pós-II Grande Guerra, faz todo sentido histórico do
ponto de vista econômico. O agronegócio brasileiro dispõe de pelo menos duas
das pré-condições para alavancar um novo ciclo de crescimento de longo prazo:
- O Terceiro Salto da
Agropecuária Brasileira, que se estrutura sob a liderança de Alysson Paolinelli,
presidente do Instituto
Fórum do Futuro, se baseia nas cinco inovações
schumpeterianas: a introdução de um novo bem (alimentos saudáveis,
sustentáveis e resistentes às mudanças climáticas) ou de uma nova
qualidade de um bem (estratégias empresariais de diferenciação de
produtos); a introdução de um novo método de produção (plantio direto,
biotecnologia, agricultura de precisão, agropecuária de baixo carbono
etc.); abertura de um novo mercado (Sudeste Asiático, com a redução dos
custos de acessibilidade aos mercados que mais crescem no Mundo);
estabelecimento de uma nova fonte de matérias-primas ou de bens
semimanufaturados (adensamento das cadeias produtivas de produtos
passíveis de elevada replicabilidade); estabelecimento de uma nova
organização industrial (o modelo organizacional de clusters produtivos,
com empresa-âncora, que permite a integração dos interesses da grande empresa
com a pequena produção familiar);
- A promoção econômica da
produção de alimentos, dentro dos padrões científicos e tecnológicos
modernos, tem a intensidade, o sequenciamento e a cadência de acumulação
de capitais tangíveis e intangíveis necessários para o espraiamento em
poderosas cadeias de valor (minero-metalúrgico-mecânica, fármaco-químico,
tecnologia de informação e conhecimento etc.) em regiões tradicionais de
base econômica agropecuária consolidadas ou nas regiões da fronteira
dinâmica (Balsas no Maranhão, Oeste da Bahia, Sul de Rondônia, Rio Verde
em Goiás, Gurguéia no Piauí, Centro Norte do Mato Grosso etc.) nas quais
se viabilizou a revolução verde dos cerrados.
Dará certo integrar um plano de longo prazo visando à retomada do crescimento com as políticas de estabilização dentro do estilo bem-sucedido de Roberto Campos e Gouveia de Bulhões, em 1965? O processo de desenvolvimento é uma sequência de desequilíbrios que trazem incertezas. É uma aposta da geração presente no seu futuro e no futuro das novas gerações. Como nos lembra Alice no País das Maravilhas: “a única forma de chegar ao impossível é acreditar que é possível”.
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