Por que o Brasil tornou-se um país de baixo crescimento
Paulo R. Haddad*
A história da economia
brasileira no século 20 foi, predominantemente, uma história de crescimento
económico acelerado. De 1900 a 1980, a taxa de crescimento da economia foi de
4,9% ao ano. De 1948 a 1980, tivemos trinta e três anos de crescimento do PIB a
uma taxa de 7,5 por cento ao ano. Desde então, tornamo-nos um país de baixo
crescimento. De 2001 a 2019, enquanto o PIB per capita da China cresceu 345% no
acumulado do período, no Brasil o PIB per capita cresceu apenas 26%, segundo
dados estatísticos do Banco Mundial.
Na verdade, o Brasil
está imerso na “armadilha dos países de renda média”. Segundo Phillippe
Aghion, um dos maiores especialistas em teorias do crescimento econômico,
muitos países emergentes, em algum período de sua história, vivenciaram uma
fase de crescimento acelerado, convergindo para o padrão de vida das nações
mais ricas do Mundo. Entretanto, a maioria desses países permaneceu como países
de renda média. A existência da “armadilha” sugere que a transição de um país
de renda média para um país de economia avançada não se processa como um
subproduto cronológico de uma sequência de ajustes macroeconômicos ou de
inovações incrementais, que não têm intensidade suficiente para modificar o
patamar de desenvolvimento de uma economia.
Aghion cita o caso da
Argentina. Em 1890, o PIB per capita da Argentina era aproximadamente 40 por
cento do PIB per capita dos EE .UU., que tornava o país uma economia de renda
média, três vezes superior ao PIB per capita do Brasil e da Colômbia, e um
pouco maior do que o PIB per capita da França. A partir de 1938, o PIB per
capita da Argentina vem declinando em relação ao PIB per capita das economias
avançadas. A economia da Argentina entrou no rol dos países de baixo
crescimento, em um processo recorrente de decadência econômica, provocando uma
sequência interminável de crises sociais e políticas. Fica a pergunta: como
evitar que a população brasileira vivencie os atuais dramas sociais e
econômicos da população argentina e possa seguir a direção de uma economia
avançada como fez a Coreia do Sul?
Em 1936, Keynes
destacava que: “Os homens objetivos que se julgam livres de qualquer influência
intelectual são, em geral, escravos de algum economista defunto. Os insensatos,
que ocupam posições de autoridade, que ouvem vozes no ar, destilam seus
arrebatamentos inspirados em algum escriba acadêmico de certos anos atrás.
Estou convencido de que a força dos interesses escusos se exagera muito em
comparação com a firme penetração das ideias..., porém, cedo ou tarde, são
ideias, e não os interesses escusos, que representam um perigo, seja para o bem
ou para o mal”.
Há um consenso entre
muitos analistas da atual situação socioeconômica do Brasil de que, em momentos
de crise, as ideias importam e são poderosas. Elas têm a capacidade de dar
substância histórica à diversidade dos interesses dos diferentes grupos sociais
em termos de ações programáticas. Elas são capazes de determinar a forma e o
conteúdo das instituições que formulam e definem a trajetória histórica de um
país, de suas regiões e classes sociais.
Mas lembram também que
ideias equivocadas ou insuficientes, em termos do contexto histórico de cada
país, podem ser uma trava ou uma ilusão no processo das mudanças necessárias. É
o caso da ideia do atual modelo de equilíbrio fiscal expansionista que tem
fundamentado a formulação e a implementação da política econômica no Brasil,
desde 2014.
O atual ajuste fiscal,
realizado sem o projeto nacional de desenvolvimento, embora indispensável a uma
economia à beira da insolvência financeira, tem trazido enormes sobrecargas
para a população em termos de desemprego, da concentração da renda e da
riqueza, da perda da quantidade e da qualidade dos serviços públicos essenciais.
Essas sobrecargas têm promovido certo grau de fadiga e de impaciência na
população em relação ao atual estilo de ajuste fiscal com suas incertezas e
platitudes, com a promessa de que, com o equilíbrio das contas públicas, o
crescimento sustentado da renda e do emprego virá por acréscimo.
É preciso que a
retomada do crescimento econômico acelerado do País venha acompanhada de um
novo ciclo longo de expansão econômica. Não se trata da falta ou da limitação
de potencialidades para crescer. O Brasil dispõe de uma base ampla e
diversificada de recursos naturais renováveis e não renováveis, o que lhe dá
vantagens comparativas internacionais para um processo de crescimento acelerado
e para a formação de poderosas cadeias produtivas. O nível de desenvolvimento
das instituições políticas e das organizações econômicas no Brasil atingiu um
patamar que favorece a formação de ciclos de expansão, a partir de forças
endógenas. Da mesma forma, a mudança mais recente do papel do Estado na
economia, embora lenta e intermitente por indefinições ideológicas, tem criado
melhores condições e oportunidades de novos ciclos de crescimento. Se
consideramos a consolidação de um processo de reforma do Estado, a economia
brasileira tende a se tornar mais aberta, menos regulamentada, mais privatizada
e, portanto, mais propensa ao crescimento econômico. Nesse contexto,
continuamos a praticar a difícil arte de não crescer em um país
vocacionado para se tornar uma economia avançada.
Um novo ciclo de
crescimento acelerado tem condições de ser implementado por meio do Terceiro
Salto Científico e Tecnológico da Agricultura Brasileira, cujas inovações
reestruturantes são capazes de produzir alimentos saudáveis, sustentáveis e
resistentes às mudanças climáticas para a Humanidade, conforme vinha propondo
consistentemente o saudoso Ministro e Professor Alysson Paolinelli. Essas
inovações permitem dobrar a produção de alimentos sem derrubar uma árvore
sequer. É o poder da destruição criativa analisado pelo pensador austríaco Joseph
Alois Schumpeter.
*Paulo Haddad é Membro do conselho consultivo no Instituto Fórum do Futuro. Economista, com especialização em Planejamento Econômico no Instituto de Estudos Sociais de Haia – Holanda, Professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, ex-Ministro da Fazenda e do Planejamento. Presidente da PHORUM Consultoria e Pesquisas em Economia e Diretor da AERI – Análise Econômica Regional e Internacional.
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