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A era dos ativos líquidos: tokenização e blockchain no mercado imobiliário


*Por Manuel Arrey

Durante séculos, o mercado imobiliário foi sinônimo de solidez. “O tijolo nunca perde valor” era o mantra que sustentava famílias, fundos e bancos. Mas essa solidez tem um preço: a iliquidez. Comprar ou vender um imóvel exige tempo, capital elevado, intermediários, cartórios, registros e uma burocracia que parece pertencer a outro século. Num mundo em que bilhões circulam em milissegundos, em que ações, moedas e até obras de arte podem ser negociadas em tempo real, o setor imobiliário permanece engessado em estruturas lentas e caras. Essa contradição tornou-se insustentável. E é exatamente nela que a tokenização surge como ruptura inevitável.

Tokenizar significa transformar um ativo físico em unidades digitais registradas em blockchain. Cada token representa uma fração do imóvel, como se fosse uma ação, mas com a vantagem de estar lastreado em um ativo real e único. Isso abre um campo de possibilidades radicais: o investidor que antes precisava de milhões para comprar uma sala comercial em São Paulo, agora pode deter uma fração dela por alguns milhares. Mais do que democratizar, a tokenização liquefaz um setor historicamente rígido.

A disrupção não é apenas financeira, é cultural. O imóvel deixa de ser propriedade estática e passa a ser um ativo programável. Contratos inteligentes podem automatizar pagamentos de aluguel, distribuição de dividendos, transferências de propriedade. Um fundo imobiliário pode funcionar de forma quase autônoma, com governança transparente e sem a necessidade de intermediários tradicionais. Os cartórios, historicamente responsáveis por dar segurança jurídica aos registros, poderão ganhar novos aliados com o avanço de tecnologias como o blockchain. Um registro descentralizado, imutável e auditável amplia a eficiência e a transparência do processo, funcionando de forma complementaraos mecanismos tradicionais.

Os impactos vão além do investidor individual. Fundos, incorporadoras e gestoras de ativos podem reconfigurar portfólios com uma flexibilidade inédita. Imagine um shopping center tokenizado, com milhares de investidores participando diretamente de sua valorização. Ou uma incorporadora financiando um novo projeto por meio da emissão de tokens vinculados às futuras unidades. O mercado imobiliário, que sempre foi visto como travado, se tornaria um mercado líquido, dinâmico e global.

Claro, os desafios são grandes. Regulação, segurança jurídica e a própria mudança de mentalidade do investidor ainda são barreiras. Mas como vimos com o PIX ou com o avanço das fintechs, a resistência cai diante de uma experiência radicalmente mais eficiente. O investidor acostumado a esperar meses para registrar um imóvel em cartório dificilmente recusará a possibilidade de transferi-lo em minutos com plena segurança.

O que está em jogo é a financeirização plena do imóvel. Mais do que vender paredes, o setor precisará aprender a vender liquidez. No futuro, o símbolo de segurança não será o terreno registrado em cartório, mas o token registrado em blockchain. O ativo físico continuará sólido, mas sua essência será líquida, digital e circulante.

Esse deslocamento é inevitável. A questão não é se o mercado imobiliário será tokenizado, mas quando. E quando isso acontecer, a lógica do setor mudará para sempre: construir será apenas o começo. 

Manuel Arrey é Fundador do Grupo Arrey, com mais de 40 anos de experiência nos setores industrial, imobiliário e hoteleiro, e idealizador do Sophia Riviera - condomínio resort que traduz na prática essa visão de integração entre sofisticação, sustentabilidade e estilo de vida global

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