Últimas

Com US$ 26 Trilhões transacionados, Stablecoins já formam uma nova infraestrutura de pagamentos mundial


*Por Marcelo Oliveira, Diretor de Estratégia na Verity


A consolidação das stablecoins como infraestrutura de pagamentos global atingiu um ponto de inflexão em 2024. O volume transacionado por esses ativos alcançou US$ 26,1 trilhões, um valor que, pela primeira vez, supera o volume combinado processado pelas 2 principais bandeiras internacionais de cartão (estimado em US$ 25,5 trilhões).


Com uma capitalização de mercado que se aproxima de US$ 290 bilhões em outubro de 2025*, essa adoção não é primariamente especulativa; é impulsionada pela utilidade. O mercado migra para esses novos trilhos de liquidação por sua eficiência operacional: são globais, programáveis e operam de forma ininterrupta (24/7).


A adesão de participantes financeiros tradicionais é o sinal claro dessa maturação. O PayPal emite sua própria stablecoin (PYUSD), a Visa testa a liquidação direta em USDC e o JPMorgan processa volumes bilionários diariamente em sua rede permissionada JPM Coin. O mercado reconheceu a tecnologia como uma evolução na movimentação de valor.


No Brasil, o Banco Central do Brasil (BCB) demonstra um entendimento claro desse cenário. A autoridade monetária não ignora a eficiência da nova infraestrutura, mas faz uma distinção estratégica. Em recente declaração na Digital Assets Conference (set/2025), Antonio Marcos Guimarães, consultor do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do BCB, foi preciso: “Na ausência de uma CBDC, a stablecoin é o instrumento financeiro de maior excelência no mercado financeiro”.


Essa declaração sinaliza a estratégia dual do BCB: o reconhecimento da superioridade tecnológica da tokenização, mas uma objeção fundamental à dominância de ativos privados lastreados em dólar. O risco da "dolarização digital" e a perda de soberania monetária são as preocupações centrais do regulador.


A resposta estratégica do Brasil não é a proibição, mas o desenvolvimento de uma infraestrutura soberana e competitiva: o DREX.


O modelo proposto pelo BCB é híbrido, visando aplicar a regulação adequada a cada segmento:


1. Ecossistema DREX (Trilho Soberano): O DREX funcionará como a infraestrutura basilar (uma CBDC de atacado). Nela, instituições financeiras autorizadas poderão emitir seus próprios "tokens de depósito" — efetivamente, stablecoins de Real lastreadas 1:1. Esta abordagem materializa o conceito de "tokenização do sistema bancário", como definido pelo ex-presidente do BCB, Roberto Campos Neto.


2. Ativos Privados (Trilhos Globais): Para as stablecoins já em circulação (como USDT e USDC), o BCB sinaliza um enquadramento regulatório baseado na Lei 12.865 (moeda eletrônica) e na Lei 14.478 (ativos virtuais).


O ponto mais sensível da futura regulação é a intenção de submeter as transações domésticas com stablecoins de moeda estrangeira às normas de câmbio. Trata-se de um mecanismo de controle para mitigar riscos de evasão e garantir a conformidade regulatória, alinhando a operação desses ativos às regras do sistema financeiro tradicional.


A abordagem brasileira está alinhada às diretrizes internacionais do G20, do Financial Stability Board (FSB) e do BIS, que convergem para o princípio de "mesmo risco, mesma regulação". A preocupação do FMI com a "criptoização" de economias emergentes valida a cautela do BCB.


Contudo, como o próprio FSB apontou em relatório de outubro de 2025, existem "lacunas significativas" na implementação dessas regras globais, colocando o Brasil em uma posição de definir seu modelo em paralelo à regulação internacional.


O país se encontra em um ponto de inflexão. O DREX é o projeto estratégico para criar um trilho soberano competitivo. O desafio será calibrar a regulação dos trilhos privados globais: é preciso garantir a estabilidade sem impor fricção excessiva que torne o ecossistema regulado menos eficiente que a infraestrutura global.


Como aponta o relatório "State of Crypto 2025" da AndreessenHorowitz (a16z), 2025 é o "ano da adoção institucional". A arquitetura regulatória que o Brasil definir agora determinará seu posicionamento estratégico nesta nova economia tokenizada.

 

*A capitalização de mercado (ou market cap) das stablecoins representa o estoque de moedas em circulação. Ou seja, o total de tokens emitidos e lastreados por reservas reais (em dólar, títulos públicos, etc.). Esse número (US$ 290 bilhões, em outubro de 2025) é um retrato do saldo existentenaquele momento, como se fosse o total depositado em “contas digitais” no mundo. Já o volume transacionado (US$ 26 trilhões/ano) mede o fluxo — o quanto esses tokens mudaram de mãos ao longo do tempo. Cada vez que uma stablecoin é usada em uma troca (compra, venda, empréstimo, liquidação, etc.), o sistema registra uma transação.


*Marcelo Oliveira é Diretor de Estratégia na Verity.

Nenhum comentário