Artigo - Por que ensinar letra cursiva para a criança?
Janaína Spolidorio
Quem estudou até os
anos 70 ou 80 do século passado foi alfabetizado direto com a letra que
chamamos de cursiva. Em finais dos anos 80, começo dos 90, ela saiu de cena e
ficou durante pouco mais de duas décadas pertencendo ao lado “obscuro” das
salas de aula.
Os professores que eram
a favor ensinavam praticamente escondido e os que não gostavam muito do tempo
dispendido em ensiná-la, porque era realmente trabalhoso, acharam a novidade
interessante. Na ocasião, e ainda hoje, o argumento é o mesmo: para que ensinar
cursiva se os alunos têm mais contato com a letra imprensa ou bastão para
leitura nas mídias? Não poderiam estar mais enganados os que assim o
colocavam...
Na época estávamos com
uma abertura do país a novas possibilidades e uma delas foram novas teorias
educativas que, infelizmente, demoraram muitos anos para serem realmente
compreendidas. Entre os mitos que surgiram, o banimento da cursiva ser
favorável ao aluno foi um deles.
Se ela não tivesse
saído de cena, talvez não saberíamos atualmente o que sabemos hoje sobre a
letra cursiva. O tempo que ela ficou em “stand-by” ajudou estudiosos e
professores a compreenderem que ela fazia falta sim e era ela, tão trabalhosa e
aparentemente dispensável, que ajudava o aluno a ser desenvolvido na escola de
várias maneiras.
Veja a seguir alguns
fatos que contribuíram para seu retorno às escolas:
- Melhora as
conexões neurais: nunca o
cérebro foi tão relacionado antes à aprendizagem como agora. A letra
cursiva estimula o cérebro de uma forma que a digitação e a letra bastão
não conseguem. Ela consegue desenvolver uma relação entre os hemisférios
direito e esquerdo, promovendo inputs que aprimoram a atenção, a linguagem
e a memória de trabalho.
- Contribui
para as habilidades motoras:
com o uso da cursiva, a criança aprende a força necessária na relação
lápis/papel, o ângulo e melhor posição para executar a escrita manual e
ainda desenvolve um senso motor expressivo para que a escrita tenha a
fluência da esquerda para a direita.
- Aprimora a
retenção de memória:
o ato de escrever em letra cursiva promove a reflexão sobre o que está
sendo escrito. O processo envolve ainda a interpretação e a retenção de
informações. Se comparada à digitação, por exemplo, por levar maior tempo,
faz o processamento do conteúdo ser melhor absorvido, dando o período que
o cérebro necessita para interpretar. Ativa o processamento de imagens,
por ter um traçado pré-definido e desenhado, reforçando ainda mais a
retenção de memória.
- Melhora a
interpretação e a ortografia:
o fato de ser sempre escrita da esquerda para a direita, ter uma cadência,
com o devido espaçamento entre palavras, facilita a leitura. A atenção
usada para fazê-la desenvolve a atenção e contribui ainda para o uso da
memória muscular por causa do traçado tão específico e rebuscado das
letras, ajudando na ortografia. Compara-se ainda, em estudos, a memória
muscular da cursiva ao ato de tocar um piano. Assim como um pianista cria
memória muscular pela repetição de movimentos, o aluno também o faz, mas
aliando à linguagem.
- Facilita a
aprendizagem para alunos com dificuldade: alguns transtornos de aprendizagem se beneficiam com
a letra cursiva. Crianças com dislexia, por exemplo, costumam ter
dificuldade em diferenciar p e b, por conta de sua grafia visual. Na letra
cursiva o traçado dessas letras é bastante diferente, o que facilita sua
distinção.
Outros benefícios ainda
são explorados no uso deste tipo de letra em todas as fases da alfabetização,
entre eles: melhoria da coordenação viso-motora, o aprimoramento da
criatividade e da produção autoral, melhoria dos resultados em avaliações e
diminuição dos erros de escrita.
Para surtir o efeito
desejado, é preciso que seja estimulada desde a educação infantil, ainda antes
da alfabetização da criança, porque estimula o lobo occipital, responsável pelo
reconhecimento das letras, e primeiro contato da alfabetização do ponto de
vista neural. No início, as letras e movimentos devem ser integrados a
atividades lúdicas e em menor quantidade, passando progressivamente para algo
mais formal. Crianças que aprendem a letra cursiva, independentemente do ponto
de alfabetização, uma vez que se busca resultados neurais e não da
alfabetização em si, até antes do segundo ano, apresentam melhores resultados
escolares.
Especialista em
neuroeducação, Janaína Spolidorio é formada em Letras, com pós-graduação em
consciência fonológica e tecnologias aplicadas à educação e MBA em Marketing
Digital. Ela atua no segmento educacional há mais de 20 anos e atualmente
desenvolve materiais pedagógicos digitais que complementam o ensino dos
professores em sala de aula, proporcionando uma melhor aprendizagem por parte
dos alunos e atua como influenciadora digital na formação dos profissionais
ligados à área de educação.
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