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Mínimas e o máximo de humano que em ti repousa, em Astrid Cabral

Por Alexandra Vieira de Almeida – Escritora e Doutora em Literatura Comparada (UERJ)

Astrid Cabral consegue a difícil proeza nestes pequenos contos (Mínimas, 2016), uns mínimos flagrantes da vida, mostrar o máximo da humanidade que repousa em cada ser, que é feito também de desumanidades. Neste livro que reúne 25 breves contos, temos para cada texto um excepcional desenho bem trabalhado em preto e, utilizando o espaço livre do livro, em cor clara, da própria página, ilustrado pela artista plástica Mariana Félix, filha da autora. É como o se o desenho preenchesse os espaços vazios deixados pelo branco das páginas ou das lindas histórias aqui presentes. Uma forma de leitura figural em meio à palavra.

Nós, os leitores, duplos leitores dos textos e das ilustrações. Nestes pequenos instantâneos, pequenos fragmentos da vida, temos o trabalho com a sugestão, o que as palavras poderiam revelar num primeiro momento, e sua outra face, oculta, epifânica, mascarada. O outro lado da máscara é o que o leitor deve decifrar com sua fina argúcia em meio ao enigma que a narradora destas breves histórias propõe. Rir de nossa própria humanidade, pois há intensa ironia mesclada com sutilezas nestes contos maravilhosos.

O nosso valoroso Araripe Júnior disse: “O conto é sintético e monocrômico; o romance é analítico e sincrônico”. A autora aqui em questão sintetiza as suas pequenas grandes histórias em um tom revelador de proezas dos seres humanos, suas faces num único relampejar. Uma riqueza estratégica de Astrid de fazer qualquer inveja nos escritores desavisados. Segundo Faulkner, “quando seriamente explorada, a história curta é a mais difícil e disciplinada forma de escrever prosa.” A escrita desta autora singular nos mostra as singularidades de seu virtuosismo narrativo, encantar o leitor num átimo de pequenas inspirações e expirações, até trazer à tona um canto do ser, a suas faces claras e, ao mesmo tempo enigmáticas, um “claro enigma”, como diria Drummond.

No primeiro conto, “Fábula”, ela diz: “...cada história contada não passa de um pequeno apanhado do rio da vida.” Astrid Cabral sabe captar estas metáforas da vida, apanha do rio, o seu punhado mais essencial e o leitor, só ganha com isto, percebendo sua própria face líquida e múltipla. Em “A invasora”, temos a sugestão e a epifania. Na expressão “janelas abertas”, deste conto avassalador, ela nos sugere, instiga-nos ao enigma da literatura, o que se esconde em cada ser humano, seus medos, valores e vícios. Num curto espaço de tempo, o que ela sugere se traduz como o máximo da expressão poética.

Neste livro excepcional, com suas doses de risos, tristezas e filosofias, temos fatos cotidianos, mostrando o lado da crônica nestes pequenos contos, misturando os estilos e revelando a riqueza do literário em sua gama multifacetada. Temos, por exemplo, em “Voo vermelho”: “Notícia do jornal no dia seguinte...” Ainda expressa em seus textos os revezes da vida, como vemos em “A casa imprensada”, reiterando a força da expressão numa tensão de contrários, de opostos que se dinamizam em contenda. O desenho maravilhoso de sua filha Mariana Félix representa este poder do capital e predial que dilui nossos sonhos e valores maiores. Uma casa imprensada com suas magníficas árvores, encolhida em meio a dois prédios com suas antenas artificiais.

Mas não é só de fatos crônicos e cotidianos de que a escritora lança mão. Ela faz um verdadeiro estudo sobre temáticas universais e sempre presentes nos grandes livros, como o amor, a morte, a velhice, o tempo, a beleza que se traduz em ruína e caos, a família etc. A autora amazonense une em poucos respiros o lado mais cotidiano da vida, como nosso eterno Drummond, aos temas mais universais, como nosso incomensurável Guimarães Rosa, que tratava de temas complexos e profundos sobre o que se tem na humanidade. Unindo o particular, o pormenorizado, ao grandioso e pleno, Astrid Cabral nos brinda com esta joia rara que é seu livro monumental, “Mínimas”, que de mínimo não tem nada, só em sua extensão, mas não em sua valoração.

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