Últimas

O envelhecimento vai além da idade cronológica



Por Maristela Negri

De repente, ao observarmos nossos filhos, netos, levamos um susto. Nossa, como o tempo passou, parece que eu nem percebi, mas eles já criaram asas! Gosto muito de Mario Quintana, especificamente essa reflexão sobre O Tempo:

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são seis horas!

Quando se vê, já é sexta-feira!

Quando se vê, já é Natal...

Quando se vê, já terminou o ano...

Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.

Quando se vê, passaram 50 anos! [...]

Muita atenção, a vida não precisa de ensaio, ela já está acontecendo e o tempo passando tanto para quem busca e para quem se omite; para quem está alegre e para quem está triste; para quem está na luz e para quem está na escuridão; para quem os pássaros cantam e para quem os pássaros não cantam!

A vida flui, é dinâmica, traz consigo a passagem do tempo e, com isso, a chegada da última fase da vida: a velhice.

Acreditamos que essa fase vai além da idade cronológica, poderíamos chamar de idade existencial, a qual diz respeito à existência humana na complexidade das dimensões física, biológica, psicológica, funcional, social e cultural, associada a uma nova concepção do tempo:

1. Um tempo subjetivo pertencente a cada um;

2. Que pode ser compreendido como totalidade da existência;

3. Como possibilidade do Ser em sua existência;

4. Como possibilidade de transformação, como Ser único em seu tempo vivido.

A idade cronológica é um conceito neutro, lembra o dia de nosso aniversário, servindo apenas para sabermos que número colocar nos formulários. É uma escala numérica, não parece ser um meio legítimo para situar as pessoas no tempo, pois como nos diz Martins, “o homem não está no tempo, é o tempo que está no homem”. A idade existencial se refere ao tempo vivido, é uma pertença existencial e subjetiva, ou seja, os anos vividos dizem respeito somente ao sujeito que os vive.

Assim sendo, chegamos à conclusão de que não somos somente Cronos, um tempo determinado, marcação quantitativa do tempo em dia, meses, anos, horas, mas também Kairós, energia acumulada pelas experiências vividas, atento ao instante, ao momento, ao presente, que, sem negar a dimensão do Cronos, imprime ao tempo um novo significado, o qual se ocupa do aspecto qualitativo e é capaz de, igualmente, imprimir uma nova significação ao nosso existir.

Rubem Alves vem nos alertar que “Chronos é um tempo sem surpresas: a próxima música do carrilhão do relógio de parede acontecerá no exato segundo previsto. Kairós, ao contrário, vive de surpresas. Nunca se sabe quando sua música vai soar. Quem sabe somar e multiplicar tem a chave para entender as medições de Chronos. Além disso, há o espelho. Na sua imagem refletida estão as marcas da passagem do tempo, inclusive o cabelo, já branco antes da hora. Mas o coração não entende Chronos. Coração entende vida”.

Pensar em idade existencial é pensar no ser humano na dimensão biopsicossocial, a partir de uma concepção Kairós, que significa romper com entendimento de velhice como um estigma e de se pensar no idoso como um sujeito pleno de desejos, e também sujeito de seu próprio destino.

Pois bem, como vimos, o tempo tem um nível de subjetividade e isso significa que ele parte do sujeito. Então, vamos refletir juntos a que estamos dedicando o nosso tempo, de qual forma? Estamos vivendo de acordo com as melhores escolhas possíveis ou será que estamos presos ao devia ter, como cantam os Titãs? “Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer, devia ter arriscado mais e até errado mais. Devia ter feito o que eu queria fazer”.

Façamos agora o que queremos fazer, pois como nos alerta Mario Sérgio Cortella “o nível de gratificação ou de remorso dependerá muito de como se despendeu esse precioso recurso chamado tempo”.

Maristela Negri é sócia-diretora do Clap (Centro de Longevidade e Atualização de Piracicaba), mestre em Educação Física e pós-graduada em Neurociências aplicada à Longevidade.

Nenhum comentário