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Como lidar com a nova geração de filhos que enfrentam seus pais?

Por Prof. Dr. Mario Louzã, médico psiquiatra e psicanalista. Doutor em Medicina pela Universidade de Würzburg, Alemanha. (CRMSP 34330)


O comportamento agressivo de crianças (“child-to-parent”) ou adolescentes (“adolescent-to-parent”) direcionadas aos pais vem se tornando um importante tema no contexto da violência doméstica. Entende-se aqui comportamento agressivo ou violento como qualquer tipo de expressão verbal ou física que ameaça os pais ou visa o controle de sua autoridade parental. O objetivo final (intencional ou não) é inverter a regra usual, segundo a qual os filhos obedecem aos pais.

Não se tratará aqui de comportamentos agressivos em portadores de transtornos mentais graves (espectro do autismo, esquizofrenia, retardo mental etc.), uma vez que estes fazem parte dos sintomas destes transtornos.

Também não é o caso de chamar toda criança ou adolescente com comportamento agressivo de portador de “transtorno de oposição e desafio”, pois esta é uma saída “fácil”, reducionista, e não contribui para aprofundar a compreensão do problema.

O comportamento agressivo é inerente ao ser humano. É uma característica da espécie. Em parte, relacionada à própria sobrevivência; em parte, ao comportamento que visa hierarquizar os membros do grupo. A criança nasce potencialmente capaz desse comportamento. À medida que cresce, seu desenvolvimento neuropsicomotor, gradualmente, permite que expresse tal comportamento.

A criança nasce sem noção de limites. Tão logo começa a engatinhar e dar os primeiros passos, avança na exploração do meio ambiente, na tentativa de compreendê-lo e dominá-lo. A partir desse momento, precisa que os pais (e adultos, em geral) exerçam o papel de impor limites, uma vez que essa necessidade de exploração pode colocar a criança em situações de risco. Além do perigo, a imposição de regras permite que a criança adquira valores para convívio social.

Esse aprendizado precisa começar logo cedo (nos primeiros meses de vida). O estabelecimento de regras e limites claros facilita a vida da criança, pois ela não tem maturidade para julgar o que deve e o que não deve fazer. O exemplo dos pais também é fundamental, já que a criança tem tendência em imitar o comportamento deles. A medida que cresce, ela incorpora tais regras, aprende gradualmente a tolerar frustrações e, aos poucos, vai respeitando os limites por si mesma, desenvolvendo sua capacidade de autocontrole.

Há ainda poucos estudos sobre os fatores que levam ao comportamento agressivo das crianças em relação aos pais. No entanto, parece haver um certo consenso de que a violência doméstica, seja entre os pais, seja entre os pais com as crianças; é um importante fator que influencia no comportamento dos filhos. Inversamente, pais excessivamente indulgentes e permissivos, com dificuldade para colocar limites nos filhos, favorecem as reações agressivas.

Um fator cultural recente, que também justifica o aumento destes atritos, é a mudança na autoridade dos pais em relação aos filhos. Hoje, vemos com frequência pais e filhos no mesmo patamar hierárquico. E há diversos motivos que contribuíram para esta mudança: uso de drogas, depressão, exposição à violência nas diversas mídias eletrônicas (TV, filmes, videogames, internet etc.), pressão de colegas que podem afetar a personalidade do jovem, entre outros.

Então, o que fazer? Seria possível prevenir ou evitar que os filhos se tornem agressores dos pais? Embora não haja uma garantia de sucesso, algumas regras mínimas podem ajudar a reduzir o risco dessa situação:

1. O primeiro passo é a conscientização dos pais de que é sua responsabilidade educar os filhos. A educação se dá pelas orientações e explicações dadas aos filhos, e também pelo próprio modo como os pais se comportam. Os pais são os primeiros modelos que os filhos observam e procuram se espelhar.

2. Devem também se conscientizar de que há uma hierarquia na relação pais-filhos, sendo que os pais estão num patamar superior em relação aos filhos. Pode, e deve, haver amizade entre pais e filhos, mas é preciso deixar claro que esta amizade é diferente daquela que eles têm com seus amigos e colegas.

3. Não há como educar sem impor limites. E a colocação de limites começa cedo, tão logo a criança começa a explorar o ambiente.

4. Os limites devem ser tão claros quanto possível, de modo a não deixar dúvidas para a criança. Ela tentará ultrapassar o limite, mas saberá direitinho qual é o limite e saberá que está testando os pais quanto à colocação do limite.

5. Não adianta querer poupar a criança da colocação de limites. Se os pais não fizerem isso, a vida real (o mundo “lá fora”) o fará, de forma muito mais dura e sem piedade.

6. Pais devem estar de acordo quanto ao limite. Se um diz “não” e o outro diz “sim”, a criança aproveita a brecha e “deita e rola”. A incoerência entre os pais (um diz ‘sim’ o outro diz ‘não’) é frequente quando estes são separados, uma vez que muitas vezes a criança é usada para provocar o ex-cônjuge.

7. Os limites podem variar gradualmente, conforme a idade da criança; da mesma forma, as recompensas e as punições, se o limite é cumprido ou não. Os elogios, quando a regra é cumprida, e as repreensões, quando não é cumprida, também fazem parte desse processo.

8. É importante conversar com a criança sobre suas reações à frustração, para que ela aprenda a expressá-las de modo verbal, e não fisicamente.

9. Se a situação começa a sair do controle, procure logo ajuda psiquiátrica ou psicológica. Não espere, pois quanto mais tarde é a intervenção terapêutica, mais difícil conseguir um bom resultado.

Em uma situação de agressão já estabelecida, será necessário também buscar ajuda especializada para uma avaliação detalhada da criança/adolescente e da família nuclear. Em geral, já se estabeleceu uma certa dinâmica de interação patológica entre os membros da família, o que sugere a necessidade de intervenções não apenas para tratar a criança/adolescente agressivo, mas para trabalhar e modificar a dinâmica familiar.

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