Covid-19: “Boa parte da mortalidade hoje, no País, acontece por mau manejo do tratamento médico”, avalia especialista
Foto: Arquivo Pessoal |
O Brasil registrou 739 óbitos por causa da Covid-19 nas últimas 24 horas, de acordo com o Ministério da Saúde. De 12 de março de 2020 até esta segunda-feira (28), mais de 513 mil brasileiros morreram em decorrência da doença. E em meio às dúvidas que autoridades, profissionais de saúde e população enfrentam no combate à pandemia, ao menos uma certeza parece se consolidar: mais brasileiros poderiam fazer parte da “estatística do bem”, a de pessoas que se recuperaram do novo coronavírus.
A avaliação é do Dr. Fabricio da Silva, médico especialista em cardiologia, clínica médica e emergências clínicas pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pelo Instituto de Cardiologia do Distrito Federal. “Boa parte da mortalidade hoje, no País, acontece por mau manejo do tratamento médico da Covid-19. A doença é grave, sem sombra de dúvidas, mas a mortalidade precoce destes doentes é porque o manejo está sendo inapropriado”, afirma.
Pesquisa recente da Fundação Getulio Vargas (FGV), em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz e a Rede Covid-19 Humanidades, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), apontou que 70% dos profissionais de saúde se sentem despreparados para enfrentar a pandemia da Covid-19.
Para Fabrício, que também é especialista em Covid-19 na forma grave, o manejo correto dos pacientes em estado grave impacta diretamente na chance de sobrevida dessas pessoas, algo que o País não soube equalizar, até o momento. Ainda há tempo, ele diz.
“Estamos há mais de um ano de pandemia e o Brasil não fala uma língua única no tratamento do paciente grave com Covid. Isso é inadmissível. Claro que nós não sabemos curar a Covid, mas já sabemos tratá-la de maneira efetiva, reduzir significativamente a mortalidade e gerar menos danos com o tratamento. Então, criar um protocolo, uma cartilha ou, pelo menos, um eixo de tratamento para os pacientes graves, é fundamental”, indica.
Levantamento da Fiocruz intitulado “Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19” mostra como quem está na linha de frente do atendimento visualiza os problemas. Quase 40% dos profissionais de saúde alegaram ausência de estrutura adequada para realização das atividades, fluxos de internação ineficientes e despreparo técnico para atuar na pandemia.
Em entrevista exclusiva ao portal Brasil 61.com, o doutor Fabricio da Silva, que já atendeu mais de 500 pacientes com a Covid-19, entre eles autoridades políticas, como ministros de Estado, senadores e deputados, detalha o que já se sabe sobre a Covid-19 e sugere caminhos para um enfrentamento à pandemia mais efetivo.
Orientação
Para evoluir, é necessário aprender com os erros do passado. E não é diferente no combate à Covid-19. Autoridades de saúde e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) orientaram, por diversas vezes, no início da pandemia, que os cidadãos só deveriam procurar atendimento médico quando sentissem sintomas mais severos, como a falta de ar.
Segundo Fabricio, o “Fique em casa” para quem estava com o novo coronavírus teve impactos negativos no tratamento dessas pessoas. A recomendação, hoje, é diferente, inclusive do próprio Ministério da Saúde. Aos primeiros sintomas, a orientação é procurar uma unidade básica de saúde.
“A recomendação inicial era ‘uma vez com sintomas gripais, com diagnóstico da Covid-19, fique em casa e procure o hospital caso tenha queda de saturação ou piora na falta de ar’. Esse conceito caiu por terra. Hoje, a recomendação é cada vez mais, termos o acompanhamento de perto, o diagnóstico precoce”, diz.
O especialista indica que, quanto antes o quadro clínico for compreendido pelo profissional de saúde, mais fácil será se antecipar a uma eventual piora da doença.
Diagnóstico imediato
Entre tantas incertezas no trato com a enfermidade, algumas questões se tornaram previsíveis após as experiências dos que lidam com a Covid-19 na ponta, diariamente, e evidências científicas, diz o médico cardiologista. A principal delas é o ciclo da doença, explica.
“A Covid-19 tem um curso de evolução muito típico. Uma fase gripal, que dura de 3 a 5 dias. O paciente pode ter alguma melhora ou ficar estagnado na evolução após esse período. E a partir do 7º, 8º dia, há a fase onde a doença pode acometer o pulmão. O pico dessa evolução vai acontecer entre o 10º e o 12º dia após o início dos sintomas.”
Na corrida contra o tempo, cada dia faz a diferença. Por isso, ele reforça a importância de agilidade dos laboratórios na disponibilização dos exames de diagnóstico para o novo coronavírus. “Você demorar nesse diagnóstico, pode impactar, porque dia a dia a doença evolui.”
Acompanhamento
Fabricio destaca que, mesmo nos casos leves da Covid-19, é necessário o acompanhamento médico de perto. Descartar a possibilidade de a doença evoluir para uma forma grave após os primeiros exames não apontarem maior anormalidade e liberar esses pacientes é um erro grave, justamente por conta do ciclo da doença.
“Eu sempre sugiro que tenha uma reavaliação lá pelo oitavo, nono dia, justamente para definir se o paciente vai ter uma potencial chance de evoluir para uma forma mais grave, se vai começar a esboçar pneumonia”, aconselha.
Na maior parte dos casos, é no início da segunda semana após o surgimento dos primeiros sintomas, que os pacientes começam a apresentar comprometimento pulmonar. É nesta hora, ele detalha, que os profissionais de saúde podem lançar mão de um aliado importante: a tomografia. “Realizar tomografia nessa fase é importante para definir o paciente que vai evoluir com acometimento pulmonar, com pneumonia pela Covid e para tentarmos otimizar o tratamento medicamentoso. Eventualmente, envolver a fisioterapia nesse cuidado e já traçar o planejamento de reavaliação, entendendo que ele está entrando na curva de piora da inflamação, em que o pico vai se dar lá no 10º, 11º, 12º dias. Essa noção de evolução e acompanhamento de perto é fundamental”, pontua.
Complicações
Durante o bate-papo, o doutor Fabricio também comentou algumas das complicações em decorrência da Covid-19. Entre elas, a trombose, cujo risco é aumentado por doenças infecciosas. Um estudo comandado pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG) indicou que a trombose atinge um a cada três pacientes da Covid-19 internados em UTI’s.
A complicação pode ser fatal. “Isso agrava ou piora a capacidade do pulmão de fazer a oxigenação adequada. Se já temos o pulmão comprometido com doença grave e, de repente, agregado a isso, perdemos áreas efetivas do pulmão para realizar a oxigenação, porque elas estão obstruídas por coágulos, agrava a condição de maneira significativa”, explica o supervisor médico da UTI cardiológica do Hospital DF star - Rede D'or
O especialista e idealizador do projeto “CRITICOVID - Abordagens dos pacientes graves com COVID-19” comentou, também o conflito entre autonomia médica e capacitação para o tratamento dos pacientes com a doença, a importância do atendimento multiprofissional e as sequelas do novo coronavírus sobre as pessoas que se recuperaram.
Confira a entrevista completa abaixo.
Fonte: Brasil 61
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