Quer saber sobre um dos maiores problemas que você gestor tem e não sabe?
* Por Martinelli, fundador da Duomo
Ser um bom gestor não significa ser um bom líder. E ser um bom líder também não significa ser um bom gestor. São conceitos diferentes, mas complementares. Existe um contrassenso entre os consultores, pois alguns dizem que o importante é ter liderança. Há glamour em ser líder e um certo menosprezo pelo gestor. Eu discordo. Acredito que tão importante quanto ter liderança é saber fazer gestão. Uso a analogia de que são duas pernas e ambas devem ser bem desenvolvidas para o profissional poder correr.
Durante os treinamentos que realizei nestes mais de 30 anos em atividade, conheci excelentes gestores, que sabiam organizar as tarefas, distribuir o trabalho, fazer o acompanhamento estratégico, mas que não tinham a capacidade de inspirar as pessoas. E o inverso também acontece. Pessoas com uma capacidade de influenciar incrível, mas não sabem como fazer a gestão e as equipes ficam desorganizadas, sem processos e métodos que poderiam facilitar muito o trabalho.
Hoje vou me dedicar a uma dificuldade comum em todas as empresas em que já trabalhei. E é um universo bem amplo: foram mais de cinco mil treinamentos de presidentes, diretores e gerentes com atuação nos mais diversos segmentos, do financeiro ao automotivo. Todas, sem exceção, compartilham do mesmo problema: a obstrução do pipeline de liderança. Em linhas gerais, a pessoa promovida é muito boa no que faz, no operacional, mas tem pouquíssima habilidade em liderar uma equipe.
O livro Pipeline de Liderança** já tem muitos anos, mas não está ultrapassado, porque o problema persiste. Nele, Ram Charam descreve um dos sintomas da falta de repertório para liderar e quais são os impactos na empresa. Segundo o conceito, existem passagens de liderança, com níveis de complexidade diferentes. O primeiro é o “líder de si”, é o colaborador que tem que gerenciar ele mesmo para o trabalho sair, ou seja, depende de seu próprio esforço para fazer entregas e atingir os objetivos propostos. Quando esse profissional é promovido, ele passa ao segundo nível, “líder dos outros”, e é neste ponto que geralmente começam os maiores problemas.
Uma promoção é normalmente motivo de comemoração. Ser reconhecido pelo bom desempenho é sempre positivo. Porém, poucas companhias preparam os colaboradores para este momento. O mesmo estudou na faculdade, fez pós-graduação, tem MBA, experiência de muitos anos em sua área de atuação, mas ao ocupar um cargo de gestão, suas atribuições mudam e a principal delas passa a ser gerir pessoas e, na maioria das vezes, ele não se preparou para isso.
Ao assumir essa nova posição, há uma grande pressão por resultados imediatos e avaliações por todos os lados: a organização quer saber se foi uma boa escolha; os colegas do mesmo nível querem saber se o “novato vai dar conta”; a equipe de onde ele foi promovido se questiona “por que ele e não eu?” e o seu superior direto, que também será cobrado. Soma-se à pressão, a complexidade de lidar com pessoas, com pensamentos, personalidades, atitudes e formas de lidar com o trabalho únicas.
Nas primeiras demandas distribuídas, o novo gestor percebe que não vai ser tão simples e que nem todos são comprometidos como ele era. Pensando em suas entregas, nos prazos a serem cumpridos e considerando que sabe fazer o operacional, e é a sua zona de conforto, ele não pensa duas vezes: faz!
É o que Charam descreve como obstrução do pipeline. Quando o líder começa a trabalhar “no nível de baixo”, ou seja, fazer as tarefas que fazia antes da promoção. Às vezes ele não faz com as próprias mãos, mas transforma a equipe na extensão de seus braços. As pessoas executam exatamente o que ele pede, o pensamento crítico continua com ele, que diz o que cada um deve fazer. Não incentiva o time a pensar, a resolver as questões, ele toma para si todas as decisões.
O que a princípio parece simples, é uma questão complexa que reflete no desempenho de toda a organização. Começando pelo próprio time, que fica acomodado e não se desenvolve profissionalmente. Uma expressão comumente utilizada para descrever essa situação é a “síndrome de Branca de Neve”: ela é tão maravilhosa que ao redor dela só tem anões, ou seja, o gestor é tão bom para resolver as coisas que ele não precisa de pessoas maduras ao redor dele, só de executores. Este colaborador terá menos empregabilidade, pois não desenvolveu outras capacidades, não foi exposto a problemas diversos. Esse time tende a ser menos engajado, pois é mais difícil dar significado ao quando se está apenas obedecendo, sem refletir. E outro problema é o desenvolvimento de sucessores: em uma próxima oportunidade de promoção, ninguém estará preparado para assumir novos desafios.
O próprio gestor começa a ficar sobrecarregado. Ao invés de se dedicar a nova função, continua boa parte do seu tempo na antiga, deixa a parte estratégica em segundo plano e atua resolvendo o que é urgente e não o que é importante. Nunca consegue finalizar todas as tarefas que planejou para o dia, porque assume todas as questões que o seu time poderia resolver, mas passa para ele.
E quem cobre o “buraco” deixado em suas funções? O seu superior imediato. Mais um que desce do pipeline para preencher a lacuna e assim sucessivamente. Com o passar do tempo, a empresa toda está atuando no pipeline de baixo, o que reflete diretamente nas entregas e na velocidade de execução. A empresa consegue, mesmo assim, ter lucro? Provavelmente sim, mas não no potencial máximo que poderia. E as metas serão atingidas com um esforço muito maior do que seria necessário.
Essa dinâmica já gerava consequências e com a pandemia e a aceleração da transformação digital, tornou-se ainda mais preocupante. O crescimento no número de startups, com um modelo diferenciado de negócio, com uma metodologia ágil, evidenciou a necessidade de mudança nas companhias que querem se manter competitivas. Mas uma das principais razões pelas quais elas não conseguem ser ágeis é porque as decisões que deveriam ser tomadas nos níveis mais baixos sobem a hierarquia, sobrecarregando o topo da empresa e deixando tudo mais demorado.
Sem contar as distorções de comunicação entre os níveis hierárquicos! Geralmente, os problemas ocorridos com o cliente são amenizados para a diretoria e a resolução apresentada nem sempre atende ao ponto inicial. Quem deveria ser incentivado a resolver é o atendimento direto, quem fica à frente e lida com o cliente diariamente.
Isso é a antítese do que imaginamos ser uma empresa ágil e inovadora. Ela não é inovadora porque quanto mais age dessa forma menos as pessoas pensam. Elas não precisam pensar. Apenas apresentam o problema e executam a solução, o que diminui a accountability, ou seja, assumir a responsabilidade pelo resultado da ação, pelo seu próprio trabalho. A accountability, habilidade tão valorizada e comentada atualmente, só vai acontecer se o colaborador está sendo responsabilizado. Se o gestor é quem resolve tudo, ele está demonstrando que a responsabilidade é dele e não de sua equipe.
Chega então o momento de fazer a pergunta que não quer calar: como resolver isso? Como mudar essa dinâmica? O primeiro passo é não naturalizar esse tipo de liderança e reconhecer que há um problema. O segundo é iniciar a mudança, criando mecanismos para cair menos nesse ciclo e aprender técnicas para o desenvolvimento da equipe, que incentivem o protagonismo, para que assim o gestor saia da operação e, consequentemente, todos os pipelines superiores se ajustarão para trabalhar em seus respectivos níveis e executarão as entregas com autonomia.
É um processo dialético e todos precisam seguir juntos, aprendendo a trabalhar em um novo ritmo. Sabemos, pela neurociência, que quando nos comportamos da mesma forma por anos, e somos reforçados positivamente, conseguindo resultados, isso vira um hábito. Por isso, o colaborador que não sabe tomar decisões sofre um impacto emocional se a mudança for repentina. A construção deve ser conjunta e gradual. O desenvolvimento da competência de liderança aliada ao desenvolvimento do protagonismo do colaborador é a chave para iniciar a transformação e ressignificar a relação entre a cadeia de liderança e os colaboradores.
** Pipeline de liderança: O desenvolvimento de líderes como diferencial competitivo (original: The Leadership Pipeline), de Ram Charan, Stephen Drotter e James Noel.
* Martinelli é consultor com mais de 30 anos de experiência no desenvolvimento de líderes em renomadas empresas. Gestor de pessoas desde os 23 anos, é reconhecido por ser “cirúrgico” em seus diagnósticos e pela sua fala assertiva e estratégica. Com diversas especializações na área da Psicologia Social, é coautor do livro Team & Leader Coaching, possui Certificado no Global Leadership for the 21st Century Program, pela Universidade de Saybrook (Seattle), e é homologado para atuar com a metodologia de empreendedorismo pela MSI (Washington) e pela ONU. Martinelli fundou a Duomo Aprendizagem Corporativa há 22 anos, consultoria premiada que atende empresas como Bosch, Renault, Burger King, Volvo e Votorantim. Em 2021, um programa voltado para o desenvolvimento de lideranças realizado pela Duomo ganhou o ouro na categoria tecnologia do GlobalCCU Awards, considerado o Oscar das universidades corporativas.
Durante os treinamentos que realizei nestes mais de 30 anos em atividade, conheci excelentes gestores, que sabiam organizar as tarefas, distribuir o trabalho, fazer o acompanhamento estratégico, mas que não tinham a capacidade de inspirar as pessoas. E o inverso também acontece. Pessoas com uma capacidade de influenciar incrível, mas não sabem como fazer a gestão e as equipes ficam desorganizadas, sem processos e métodos que poderiam facilitar muito o trabalho.
Hoje vou me dedicar a uma dificuldade comum em todas as empresas em que já trabalhei. E é um universo bem amplo: foram mais de cinco mil treinamentos de presidentes, diretores e gerentes com atuação nos mais diversos segmentos, do financeiro ao automotivo. Todas, sem exceção, compartilham do mesmo problema: a obstrução do pipeline de liderança. Em linhas gerais, a pessoa promovida é muito boa no que faz, no operacional, mas tem pouquíssima habilidade em liderar uma equipe.
O livro Pipeline de Liderança** já tem muitos anos, mas não está ultrapassado, porque o problema persiste. Nele, Ram Charam descreve um dos sintomas da falta de repertório para liderar e quais são os impactos na empresa. Segundo o conceito, existem passagens de liderança, com níveis de complexidade diferentes. O primeiro é o “líder de si”, é o colaborador que tem que gerenciar ele mesmo para o trabalho sair, ou seja, depende de seu próprio esforço para fazer entregas e atingir os objetivos propostos. Quando esse profissional é promovido, ele passa ao segundo nível, “líder dos outros”, e é neste ponto que geralmente começam os maiores problemas.
Uma promoção é normalmente motivo de comemoração. Ser reconhecido pelo bom desempenho é sempre positivo. Porém, poucas companhias preparam os colaboradores para este momento. O mesmo estudou na faculdade, fez pós-graduação, tem MBA, experiência de muitos anos em sua área de atuação, mas ao ocupar um cargo de gestão, suas atribuições mudam e a principal delas passa a ser gerir pessoas e, na maioria das vezes, ele não se preparou para isso.
Ao assumir essa nova posição, há uma grande pressão por resultados imediatos e avaliações por todos os lados: a organização quer saber se foi uma boa escolha; os colegas do mesmo nível querem saber se o “novato vai dar conta”; a equipe de onde ele foi promovido se questiona “por que ele e não eu?” e o seu superior direto, que também será cobrado. Soma-se à pressão, a complexidade de lidar com pessoas, com pensamentos, personalidades, atitudes e formas de lidar com o trabalho únicas.
Nas primeiras demandas distribuídas, o novo gestor percebe que não vai ser tão simples e que nem todos são comprometidos como ele era. Pensando em suas entregas, nos prazos a serem cumpridos e considerando que sabe fazer o operacional, e é a sua zona de conforto, ele não pensa duas vezes: faz!
É o que Charam descreve como obstrução do pipeline. Quando o líder começa a trabalhar “no nível de baixo”, ou seja, fazer as tarefas que fazia antes da promoção. Às vezes ele não faz com as próprias mãos, mas transforma a equipe na extensão de seus braços. As pessoas executam exatamente o que ele pede, o pensamento crítico continua com ele, que diz o que cada um deve fazer. Não incentiva o time a pensar, a resolver as questões, ele toma para si todas as decisões.
O que a princípio parece simples, é uma questão complexa que reflete no desempenho de toda a organização. Começando pelo próprio time, que fica acomodado e não se desenvolve profissionalmente. Uma expressão comumente utilizada para descrever essa situação é a “síndrome de Branca de Neve”: ela é tão maravilhosa que ao redor dela só tem anões, ou seja, o gestor é tão bom para resolver as coisas que ele não precisa de pessoas maduras ao redor dele, só de executores. Este colaborador terá menos empregabilidade, pois não desenvolveu outras capacidades, não foi exposto a problemas diversos. Esse time tende a ser menos engajado, pois é mais difícil dar significado ao quando se está apenas obedecendo, sem refletir. E outro problema é o desenvolvimento de sucessores: em uma próxima oportunidade de promoção, ninguém estará preparado para assumir novos desafios.
O próprio gestor começa a ficar sobrecarregado. Ao invés de se dedicar a nova função, continua boa parte do seu tempo na antiga, deixa a parte estratégica em segundo plano e atua resolvendo o que é urgente e não o que é importante. Nunca consegue finalizar todas as tarefas que planejou para o dia, porque assume todas as questões que o seu time poderia resolver, mas passa para ele.
E quem cobre o “buraco” deixado em suas funções? O seu superior imediato. Mais um que desce do pipeline para preencher a lacuna e assim sucessivamente. Com o passar do tempo, a empresa toda está atuando no pipeline de baixo, o que reflete diretamente nas entregas e na velocidade de execução. A empresa consegue, mesmo assim, ter lucro? Provavelmente sim, mas não no potencial máximo que poderia. E as metas serão atingidas com um esforço muito maior do que seria necessário.
Essa dinâmica já gerava consequências e com a pandemia e a aceleração da transformação digital, tornou-se ainda mais preocupante. O crescimento no número de startups, com um modelo diferenciado de negócio, com uma metodologia ágil, evidenciou a necessidade de mudança nas companhias que querem se manter competitivas. Mas uma das principais razões pelas quais elas não conseguem ser ágeis é porque as decisões que deveriam ser tomadas nos níveis mais baixos sobem a hierarquia, sobrecarregando o topo da empresa e deixando tudo mais demorado.
Sem contar as distorções de comunicação entre os níveis hierárquicos! Geralmente, os problemas ocorridos com o cliente são amenizados para a diretoria e a resolução apresentada nem sempre atende ao ponto inicial. Quem deveria ser incentivado a resolver é o atendimento direto, quem fica à frente e lida com o cliente diariamente.
Isso é a antítese do que imaginamos ser uma empresa ágil e inovadora. Ela não é inovadora porque quanto mais age dessa forma menos as pessoas pensam. Elas não precisam pensar. Apenas apresentam o problema e executam a solução, o que diminui a accountability, ou seja, assumir a responsabilidade pelo resultado da ação, pelo seu próprio trabalho. A accountability, habilidade tão valorizada e comentada atualmente, só vai acontecer se o colaborador está sendo responsabilizado. Se o gestor é quem resolve tudo, ele está demonstrando que a responsabilidade é dele e não de sua equipe.
Chega então o momento de fazer a pergunta que não quer calar: como resolver isso? Como mudar essa dinâmica? O primeiro passo é não naturalizar esse tipo de liderança e reconhecer que há um problema. O segundo é iniciar a mudança, criando mecanismos para cair menos nesse ciclo e aprender técnicas para o desenvolvimento da equipe, que incentivem o protagonismo, para que assim o gestor saia da operação e, consequentemente, todos os pipelines superiores se ajustarão para trabalhar em seus respectivos níveis e executarão as entregas com autonomia.
É um processo dialético e todos precisam seguir juntos, aprendendo a trabalhar em um novo ritmo. Sabemos, pela neurociência, que quando nos comportamos da mesma forma por anos, e somos reforçados positivamente, conseguindo resultados, isso vira um hábito. Por isso, o colaborador que não sabe tomar decisões sofre um impacto emocional se a mudança for repentina. A construção deve ser conjunta e gradual. O desenvolvimento da competência de liderança aliada ao desenvolvimento do protagonismo do colaborador é a chave para iniciar a transformação e ressignificar a relação entre a cadeia de liderança e os colaboradores.
** Pipeline de liderança: O desenvolvimento de líderes como diferencial competitivo (original: The Leadership Pipeline), de Ram Charan, Stephen Drotter e James Noel.
* Martinelli é consultor com mais de 30 anos de experiência no desenvolvimento de líderes em renomadas empresas. Gestor de pessoas desde os 23 anos, é reconhecido por ser “cirúrgico” em seus diagnósticos e pela sua fala assertiva e estratégica. Com diversas especializações na área da Psicologia Social, é coautor do livro Team & Leader Coaching, possui Certificado no Global Leadership for the 21st Century Program, pela Universidade de Saybrook (Seattle), e é homologado para atuar com a metodologia de empreendedorismo pela MSI (Washington) e pela ONU. Martinelli fundou a Duomo Aprendizagem Corporativa há 22 anos, consultoria premiada que atende empresas como Bosch, Renault, Burger King, Volvo e Votorantim. Em 2021, um programa voltado para o desenvolvimento de lideranças realizado pela Duomo ganhou o ouro na categoria tecnologia do GlobalCCU Awards, considerado o Oscar das universidades corporativas.
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