Enfrentando o desafio de adotar práticas de Medicina Baseada em Evidências nas universidades
Por Juliana Gomes
Historicamente, a medicina sempre foi
baseada em evidências. Ao longo da evolução médica, no entanto, estas
evidências foram aprimoradas e conquistaram níveis mais elevados, tornando-se
ainda mais essenciais no suporte à decisão clínica. O grande
desafio, neste sentido, é a sensibilidade de conseguir incutir nos estudantes
de medicina a aplicabilidade de critérios para análise dos níveis destas
evidências, principalmente neste momento em que as aulas remotas tornaram-se
inevitáveis e a transformação para o ensino online aconteceu de forma abrupta.
Neste sentido, desde os momentos iniciais
na universidade, é imperativo o ensino e a aplicação de noções básicas de
bioestatísticas, para que o conceito de
Medicina Baseada em Evidências (MBE) perpetue-se como uma realidade para os
estudantes. E, que estes, consigam avaliar o nível de determinada evidência,
sem vieses e sem distorções, para que não se afete a tomada de decisão clínica
e a conduta médica.
Nos últimos anos, observamos que alguns
profissionais reduziram o foco de aplicação da estatística no processo de
julgamento crítico dos níveis de evidência clínica, optando por seguir a
conduta médica conforme a indicação de artigos, muitas vezes, com descobertas
incipientes da indústria farmacêutica ou de acordo com a cultura da prática
cotidiana, sem a comparação consistente e olhar crítico ao que já existia por
consenso ou novos estudos que possam trazer um impacto eficaz com respaldo
científico. Este tipo de comportamento aumenta o risco de falhas, o que impacta
diretamente na qualidade da gestão da saúde como um todo.
Saber diferenciar o que interfere de forma
consistente ou não nas condutas e saber estratificar isto, a partir de estudos,
é a principal chave para garantir que a Medicina Baseada em Evidências se torne
uma regra e não uma exceção dentro da cultura médica. E, para que este processo
aconteça de maneira eficiente, é necessário que a preparação desta base de
conhecimentos e aptidões tenha início nas salas de aula das universidades.
Medicina Baseada em Evidências nas
universidades
Como visto anteriormente, um dos principais
obstáculos da Medicina Baseada em Evidências no universo acadêmico é torná-la
aplicável para o aluno. De modo geral, a chegada da pandemia trouxe diversos
desafios para os estudantes neste contexto, desde o ciclo básico até o
internato, uma vez que o ensino da MBE deve ser aplicado durante todo o
processo de aprendizagem, iniciando no ciclo teórico e difundindo-se no estágio
curricular obrigatório, ou internato médico.
O primeiro passo para a implementação desta
cultura é a aplicação de métodos que possibilitem o aprendizado teórico deste
conceito logo no início do curso, para garantir que o aluno entenda como é
estratificada a evidência e em que ela se baseia. Desta forma, é possível
desenvolver um raciocino crítico que suporte as tomadas de decisão do futuro
profissional, seja para a aplicação individual em um paciente, ou no cenário
clínico em um contexto geral.
Paralelamente, os projetos de iniciação
científica, coordenados por um professor, são essenciais para auxiliar na
fixação e construção de uma base de informações para o aluno, uma vez que o
assentamento do conhecimento é promovido a partir de processos práticos. Ou
seja, acontece a partir da criação de ambientes de atividades integradoras e de
situações problemas, em que os estudantes precisam centrar o raciocínio na
união e na relação desses conhecimentos.
Com a chegada da pandemia e a transformação
da rotina de ensino, as universidades precisaram se adaptar a novas ferramentas
para garantir que esse processo continuasse vigorando. A suspensão das aulas e
do atendimento realizado pelos internos interrompeu este processo justamente no
momento em que a aplicabilidade do conceito entrava em cena, uma vez que, no
internato, os desenhos de estudo e discussões de conduta são introduzidos na
prática clínica. Diante deste cenário, as universidades apostaram em plataformas
e recursos online para reforçar o processo de raciocínio e aplicabilidade da
Medicina Baseada em Evidências.
O papel da tecnologia como suporte à
Medicina Baseada em Evidências
Vivenciamos um momento em que nunca se
falou tanto em medicina baseada em evidências. As transformações resultantes da
COVID-19 foram muito além das universidades. A rotina de atendimento médico em
instituições hospitalares foi alterada como um todo. Em um primeiro momento, a
ausência de informações impactou diretamente na conduta clínica, já que as
poucas informações existentes não tinham respaldo de evidências de qualidade
que justificassem determinadas condutas. Em um segundo momento, o excesso de
informações dificultava a análise do profissional sobre qual a melhor evidência
a ser seguida.
Neste sentido, as tecnologias
transformaram-se em fortes aliadas, tanto para os alunos, quanto para os
profissionais da linha de frente. Ou seja, no que diz respeito à busca e
escolha das melhores evidências, alinhar o raciocínio crítico desenvolvido na universidade
à utilização de recursos tecnológicos garante mais agilidade e preparo durante
todo o processo de tomada de decisão.
No contexto acadêmico, as universidades
adotaram plataformas virtuais de discussão realística, com objetivo de reforçar
este processo de raciocínio, bem como a aplicabilidade da Medicina Baseada em
Evidências. Assim, do ponto de vista da formação do aluno, existem instrumentos
potentes para que ele desenvolva uma cultura que culmine na capacidade de
utilizar corretamente as informações que envolvam a Medicina Baseada em
Evidências, sem eximir, é claro, a responsabilidade do aluno de saber analisar
e aplicar estas informações da maneira mais adequada, a partir do aprendizado
adquirido nas salas de aula e estágios curriculares.
Do ponto de vista do profissional, a
situação é a mesma. As plataformas de suporte à decisão clínica mostram-se as
principais responsáveis por agilizar o processo de conduta médica, sinalizando
as evidências, com nível de qualidade elevado e que devem ser o norte para o
suporte na tomada de decisão mais assertiva.
Juliana Gomes é
líder de novos negócios e projetos da Wolters Kluwer, Health no Brasil.
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