Herança Digital: quem tem direito e o que fazer para protegê-la?
Advogado, especialista em Direito da Família e Sucessões, fala sobre os projetos de Lei e os direitos dos herdeiros em relação às contas do falecido
Guilherme da Mata Vasconcellos*
Senhas, contas, aplicativos, filmes,
livros digitais, todos os dados utilizados, publicados ou armazenados na
internet podem compor o que chamamos de herança digital. Ela
consiste em bens ou direitos utilizados, armazenados em servidores
virtuais ou plataformas, sendo possível serem acessados de modo
online e offline. Neste caso, não diz respeito aos bens e materiais
físicos.
Parte do nosso acervo
digital não tem valor econômico, como, por exemplo, as conversas privadas,
postagens pessoais, as curtidas e os comentários. Esses elementos podem ser
chamados de “personalíssimos” e, em geral, não se transferem com a
morte do titular. Por outro lado, os aplicativos pagos, assinaturas de streamings, livros ou filmes digitais já comprados, fazem parte
do nosso acervo com valor econômico.
No caso de contas influentes no
Instagram, YouTube, TikTok, com alto número de seguidores e
monetização, por exemplo, os usuários podem utilizar contas do Google Drive ou iCloud para armazenar seus acervos produzidos para
publicação, como músicas e vídeos. Assim, tudo o que tem valor
patrimonial integra a herança e será transmitido aos herdeiros.
Como o testamento pode ter conteúdo
extrapatrimonial, é possível prever, por exemplo, se desejamos que nossas
contas pessoais sejam excluídas ou transformadas em memorial. Nesse último
caso, podemos indicar quem gostaríamos que fizesse a administração e quais
poderes essa pessoa teria.
Com ou sem valor econômico, há um
interesse crescente por definir o destino dessas informações. Para
assegurar que todos esses interesses sejam reconhecidos e contemplados, a
melhor postura, então, é a de precaução: optar por elaborar um consistente
plano sucessório e ter um bom planejamento patrimonial.
Projetos de Lei
No Brasil, ainda não há uma Lei que
regule especificamente a matéria da herança digital. Atualmente, tramitam
iniciativas para suprir essa falha. São três projetos de Lei em
debate na Câmara dos Deputados, os de número 1.689/2021, 3.050/2020 e
5.820/2019, e um tramitando no Senado Federal, de número 6.468/2019.
A valoração econômica é elemento
unânime em todos os projetos, mas o detalhamento sofre algumas variações.
São indicados, entre os diversos projetos, conteúdos, contas ou arquivos
digitais, vídeos, fotos, livros, senhas de redes sociais, dados e demais
publicações de redes sociais usadas para fins econômicos, divulgação de
atividade científica, literária, artística ou empresária, direitos autorais e
dados financeiros.
Quais são os
poderes dos herdeiros em relação às contas deixadas?
Um dos problemas é autorizar
somente a transmissão dos elementos com valor econômico, pois não é
suficiente para isolar o que tenha caráter personalíssimo. Quando a Lei
prevê a possibilidade de transferir a senha, o acesso do herdeiro será tão
abrangente quanto o acesso do titular, incluindo as conversas
privadas. Da forma como estão propostos, estes projetos não
protegem a privacidade do falecido.
Os projetos atuais também discorrem
sobre o destino das contas após a morte do titular. Busca-se
autorizar o cônjuge e os parentes até o segundo grau a exigir a
exclusão da conta, mas isso só será possível caso o falecido não tenha deixado
instruções contrárias. Em contrapartida, quando o titular da conta decide pela
não exclusão, ele deve indicar, em vida, quem gostaria que administrasse as
suas contas.
As soluções propostas ainda não são
completas e nem coerentes. O debate ainda precisa ser muito aprofundado. Na
ausência de definição legal, a posição mais prudente é delinear, em vida, o
plano sucessório. Quando há interesse econômico envolvido, a política de
gestão da herança digital deve ser cuidadosamente analisada e integrada em um
plano sucessório seguro e consistente, para garantir o interesse do usuário.
Como proteger a
herança digital?
Cada rede social tem, nos seus termos de
uso, as regras para lidar com a herança digital quando um usuário
falece. Para não depender dos termos de uso e para alcançar a melhor
solução possível, o ideal é fazer um planejamento sucessório.
Nele, é possível fazer um
testamento e incluir o que tem valor econômico, como as postagens
patrocinadas e assinaturas, por exemplo. Também é possível
fazer disposições quanto ao que tiver valor subjetivo, como o futuro das
contas sem conteúdo econômico, das postagens já feitas e mensagens
já enviadas.
Herança digital
das redes sociais: Instagram e Facebook
Quando um usuário do Instagram falece,
a conta só será removida por solicitação de um familiar e poderá ser
transformada em memorial também a pedido dos familiares ou de outros usuários
da rede. Nos dois casos, os dados para login e senha não serão divulgados para
os familiares e, quando a conta é transformada em memorial, não é
mais possível alterar nenhuma das postagens ou configurações anteriores. O
perfil não será mais exposto em espaços públicos, como na seção
“explorar”.
O Facebook também permite que a conta de um usuário falecido
seja removida ou transformada em memorial. Ele autoriza que o
usuário escolha um contato herdeiro para administrar sua conta caso
ela seja convertida em memorial. O contato herdeiro pode mudar a foto do
perfil, fixar postagens e aceitar solicitações de amizade, mas não poderá fazer
novas postagens, nem ver ou enviar mensagens.
Em geral, a lógica das plataformas é
preservar a privacidade do usuário falecido. Quando, no entanto, as contas têm
aspectos econômicos, como assinaturas ou mesmo monetização, essa solução pode
acabar desconstruindo os frutos conquistados do trabalho do
usuário. Dessa forma, é importante se prevenir e fazer um
planejamento sucessório para balancear melhor os interesses.
*Guilherme
da Mata Vasconcellos é Coordenador Jurídico e especialista
em Direito da Família e Sucessões no escritório Marcelo Tostes
Advogados.
Sobre o
escritório Marcelo Tostes Advogados: Escritório comprometido em fazer a interconexão entre
a inovação, a tecnologia e o Direito. Com foco na advocacia empresarial e em
negócios, busca especialização constante e conta com uma equipe
multidisciplinar, formada por cerca de 500 colaboradores. Esse time atua para
solucionar problemas dos clientes com agilidade e responsabilidade, de forma
customizada por meio do uso dos mais recentes recursos tecnológicos, o que faz
do escritório uma referência no mercado. Com mais de 20 anos de atuação em
diversas áreas do Direito, Marcelo Tostes Advogados aposta na segmentação e
personalização para a prestação de um serviço de excelência aos clientes dos
mais diversos segmentos. Possui sede em São Paulo e unidades em mais 6 estados
brasileiros (Distrito Federal, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul,
Santa Catarina e Espírito Santo), além de contar com um setor de
correspondentes que permite atuação nacional. Recentemente, as sócias do
escritório – Dra. Camila Morais e Leite e a Dra. Patrícia Freitas Pires – foram
reconhecidas pelo ranking “Análise Advocacia Mulher”, da Análise Editorial,
como as melhores profissionais em suas respectivas áreas. A Dra. Camila ganhou
em terceiro lugar no setor Tributário e em quarto lugar no setor de Construção
e Engenharia. Já a Dra. Patrícia, teve destaque como a terceira advogada do
setor de Petróleo e Gás e a quinta mais renomada em Previdenciário.
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