Covid-19: Responsabilidade civil extrajudicial e a Lei nº 14.128/2021
Por Dr. Felipe Anderson Gomes da Silva
Em 26 de março de 2021, entrou em vigor a lei nº 14.128/2021. Ela dispõe sobre compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais e trabalhadores de saúde que, durante o período de emergência de saúde pública decorrente da disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), trabalharam no atendimento direto a pacientes acometidos pela Covid-19 ou realizaram visitas domiciliares em determinado período de tempo.
No caso de agentes comunitários
de saúde ou de combate a endemias tornarem-se permanentemente incapacitados
para o trabalho ou venham a óbito, a lei dispõe a compensação financeira ao
cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários.
A lei em comento, iniciativa do
Deputado Federal Reginaldo Lopes (PT- MG), nasceu com a intenção de criar o
Programa Apoio aos profissionais de saúde e trabalhadores que atuavam na linha
de frente do combate à pandemia gerada pela Covid-19.
Trata-se, evidentemente, de uma
medida do mais alto grau de preocupação com o servidor da saúde pública, que se
viu diante de uma pandemia mais mortal que outras doenças que apavoraram o
mundo neste século, como H1N1 e SARS . Porém, a providência não seria assim se,
segundo os dados de março de 2021 não falecesse um profissional da saúde a cada
19h, um número absolutamente assustador que justifica a concessão de uma
garantia aos profissionais ou a seus familiares em caso de óbito.
Diante da triste realidade em
que vivemos, a redação aprovada na Lei nº 14.128/2021 estabelece que os
profissionais da saúde (art. 1º p. único, inciso I da Lei) que vierem a ter
incapacidade permanente no trabalho ou vierem a óbito, receberão, ou seus
dependentes, uma indenização composta de:
I – Uma única prestação em
valor fixo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), devida ao profissional ou
trabalhador de saúde incapacitado permanentemente para o trabalho ou, em caso
de óbito, ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus
herdeiros necessários, sujeita, nesta hipótese, a rateio entre os
beneficiários;
II – Uma única prestação de
valor variável devida a cada um dos dependentes do profissional ou trabalhador
de saúde falecido, menores de 21 ou 24 anos, se estiverem cursando curso
superior. O valor é calculado mediante a multiplicação da quantia de R$
10.000,00 pelo número de anos inteiros e incompletos que faltarem para cada um
deles, na data do óbito do profissional ou trabalhador de saúde, para atingir a
idade de 21 anos completos, ou 24 anos, se estiver inscrito em curso superior.
Contudo, a concessão da
indenização só será aprovada na forma de um regulamento a ser editado pelo
Presidente da República, que até o momento não o fez.
Vale destacar que a lei nº
14.128/2021 só entrou em vigor após a derrubada do veto presidencial pelo
Congresso Nacional. Entendia, o chefe do executivo, tratar-se de medida dotada
de vícios formais que tornariam o então projeto inconstitucional.
Com este histórico, podemos prever
que a regulamentação pela via presidencial será uma medida política de difícil
ocorrência. Além de um possível questionamento junto ao STF (Supremo Tribunal
Federal) da constitucionalidade da lei em vigor.
De toda forma, é importante
destacar que a Lei nº 14.128/2021 facilita a concessão de uma indenização por
uma via extrajudicial e administrativa, de maneira que tornaria mais célere o
recebimento de indenização daqueles profissionais – e de seus dependentes – que
sofreram em razão da atividade fundamental que exercem no enfrentamento à
pandemia. Contudo, a falta de uma regulamentação não é um empecilho à concessão
de uma possível indenização.
É necessário lembrar que a
Constituição Federal adota, em seu art. 37º, §6º, a teoria do risco
administrativo, modalidade de responsabilidade objetiva em que, presente o ato
comissivo pelo Estado, o dano, e o nexo causal entre eles, o dever de indenizar
a vítima por parte do Estado está configurado, independentemente de dolo ou
culpa.
Portanto, sendo o servidor público
capaz de comprovar que sua contaminação se deu no ambiente de trabalho e por
conduta estatal, independente de ser conduta lícita ou ilícita, o dever de
indenizar estará configurado.
Em caso de ato omissivo
estatal, a doutrina majoritária entende que a hipótese de responsabilidade
subjetiva estará configurada, ou seja, ainda será possível obter indenização,
mas, nesta modalidade, somente se comprovado dolo ou culpa por parte do Estado.
Evidentemente que a solução
apresentada pela Lei nº 14.128/2021 facilita - e muito - o recebimento de
indenização, já que o profissional não precisará passar pelo laborioso e
moroso processo judicial, bastando os trâmites administrativos.
Contudo, é necessário destacar
que o dever de indenizar já é previsto na Constituição Federal para que, mesmo
ausente, a regulamentação da lei, que impede a sua aplicação integral, o
profissional da saúde e sua família não estejam desamparados em caso de
contágio em virtude de sua valorosa atuação na linha de frente de combate à
covid-19. Há vida além de uma omissão presidencial.
Sobre o Dr. Felipe
Anderson Gomes da Silva
Bacharel em Direito pela
Faculdade Evangélica de Rubiataba (GO), em 2018, especialista em Direito Público
pelo Instituto Damásio - IBMEC (2021), pós-graduando em Direito Previdenciário,
inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de Goiás sob o nº 56.041.
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