Últimas

Região portuária de Santos, uma nova Beirute?

 *José Manoel Ferreira Gonçalves

Há pouco mais de um ano uma violenta explosão em um depósito de nitrato de amônio destruiu parte de Beirute e matou centenas de pessoas. As imagens da tragédia correram o mundo e alertaram para os efeitos da negligência na manutenção e no trato das questões portuárias. Infelizmente, as autoridades brasileiras parecem não ter aprendido com o lamentável episódio na bela capital libanesa. 

Nosso maior porto, o de Santos, concentra em sua operação e ao redor uma série de perigos à segurança da população, sem que haja ao menos uma iniciativa oficial para evitar um acidente que, diante do histórico de ocorrências na região, não seria nenhuma surpresa. Basta lembrar dos incêndios da Alemoa (2015), da Localfrio (2016) e da Ilha Barnabé (2017), todos com falta de fiscalização na origem dos eventos. 

A exemplo de Beirute, a manipulação de nitrato de amônio acontece também no porto de Santos, e já está sendo alvo de representações como a da OAB local. As cenas de agosto do ano passado no porto libanês não deixam dúvidas sobre o potencial de destruição desse material. 

O nitrato de amônio não é normalmente explosivo, mas trata-se de um poderoso oxidante e, como tal, concentra energia suficiente para desencadear reações em cadeia ao entrar em contato com materiais orgânicos como óleo diesel, açúcar, farinha, madeira ou, ainda pior, combustíveis como o querosene. Essa substância é passível de explosão sob temperaturas acima de 210°C, produzindo óxidos de nitrogênio altamente tóxicos. 

O incentivo à operação de granéis, inclusive as temerárias matérias-primas para fertilizantes, em área densamente povoada – pelo menos 50 mil pessoas vivem ou trabalham ao redor do porto – e tendo como entorno uma região de rico patrimônio ambiental, é altamente preocupante. 

Uma oportunidade de encontrar soluções para a manipulação desse e de outros materiais no porto de Santos foi desperdiçada com a aprovação de um novo Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) para a região. Após mais de 15 anos de discussões intermináveis, o Ministério da Infraestrutura não conseguiu alcançar o que se esperava com o novo PDZ: um melhor planejamento do maior e mais importante aparelho portuário do país. 

A Portaria nº 1.620 do Minfra é decepcionante como instrumento de política pública. Da forma como está, ela não permitirá avanços nos próximos 20 anos. Trata-se da concretização de um plano para elevar a capacidade do complexo santista em aproximadamente 50% até 2040, atingindo 240,6 milhões de toneladas, crescimento esse fundamental para a economia nacional. 

Porém, o referido documento não propõe mudanças significativas para a região, muito menos evita o risco das cargas perigosas. O PDZ valoriza clusters e elimina a movimentação pouco poluente de pequenos pátios de contêineres. Privilegiou-se a produtividade, em detrimento da segurança. 

Outro aspecto preocupante é a ausência de medidas concretas para o tráfego ferroviário nas duas margens do porto. No tocante a essa atividade estratégica e à integração entre porto e ferrovias, assim como em outros aspectos do PDZ, não se vislumbra qualquer avanço rumo à tão aguardada modernização. 

Salta aos olhos, em uma análise preliminar, o fato de que o Plano ainda não enfrentou questões fundamentais sobre os efetivos impactos negativos no cais de Outerinhos, especialmente do projeto de construção da chamada “pera ferroviária” e a implantação de viaduto, que deve compatibilizar as operações retroportuárias na região, inclusive com a previsão do túnel que ligará as duas margens do porto. De maneira geral, prevalece no documento os interesses particulares de operadores e não do conjunto de players econômicos. 

O plano de responsabilidade da Administração Portuária simplesmente cumpre um processo burocrático, ao ser aprovado, como se sucedeu, pelo Conselho de Autoridade Portuária. Ele deveria ter sido muito melhor trabalhado, e não apenas chancelar de forma integral um texto final aprovado com problemas evidentes. 

Diante de sua importância, o Plano precisaria ter sido alvo de maior debate público, seja por meio de audiências públicas mais estruturadas e preparadas, seja de estudos mais aprofundados. Mas a sociedade civil não foi ouvida quando da elaboração do PDZ, contrariando o princípio de que os gestores públicos têm a obrigação de pensar no interesse coletivo. Os moradores de Santos, Guarujá, Cubatão e região precisam ter voz na definição do futuro do porto. 

É preciso conciliar o estímulo à atividade econômica com o interesse público de integração do porto a outros modais de transporte, princípio este respeitado nas principais instalações portuárias do mundo. 

Outros riscos, não focalizados no PDZ, poderão vir de pressões de setores que já se movimentam para trazer ao porto mais atividades e mudanças que representam risco à população local. Exemplo são as mudanças na chamada Lei do Gás, que podem afetar, por exemplo, a construção do gasoduto Subida da Serra, que interliga o terminal de GNL no Porto de Santos com a malha de distribuição da Comgás. 

Um modelo portuário que promova a integração entre porto e ferrovias de forma harmônica – e com segurança – é o que se espera do planejamento para a região portuária de Santos. 

O PDZ aprovado não apresenta nenhuma sugestão sobre como e para onde o porto deve ser expandido, nem como se dará a sua modernização. 

O porto precisa ser olhado para o futuro. Com a volta do crescimento econômico, o volume de cargas vai aumentar consideravelmente. E, com o atual PDZ, não estaremos preparados para isso. 

*José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro, presidente da Ferrofrente (Frente Nacional pela Volta das Ferrovias) e da AGUAVIVA – Ação Guarujá Viva. 

Nenhum comentário